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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Abocanhando a África do Sul

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Em Joanesburgo, templo da Iurd reúne rebanho de sete mil


A mesma fórmula: dramatização dos ritos e imposição do dízimo
por Pedro Ivo Carvalho, do Jornal de Notícia, de Portugal

As camionetas desaguam de toda a cidade. Às dezenas. Repletas de negros, bíblias entaladas nas axilas, famílias inteiras, crentes de todas as idades, bem aprumados, olhares seráficos, típicos de quem já tem o coração comprometido ainda antes de entrar na maior catedral de Joanesburgo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), culto brasileiro que Portugal bem conhece e que se distingue, no presente, como a igreja com maior crescimento na África do Sul.

A fórmula da Iurd é a do costume: dramatização dos ritos, imposição do dízimo e uma aposta bem sucedida na desinformação, ingenuidade dos africanos que, regra geral, são de fraco poder aquisitivo.

Aos domingos de manhã, os momentos que antecedem a entrada para a celebração na catedral de Park Station são de verdadeiro trânsito religioso. 10h30. Apenas os líderes espirituais se fazem transportar em veículos próprios - alguns bem longos, bem caros, motorista ao volante, motorista a abrir a porta, motorista a carregar a malinha do senhor. A maioria dos cerca de sete mil fiéis que, vagarosamente, entopem a catedral não possui carro. Fazem a viagem apinhados em transportes coletivos. Afinal, eles são o rebanho...

A catedral de Park Station está estrategicamente localizada numa das zonas mais impenetráveis de Joanesburgo, onde a presença de africanos negros é esmagadora, onde apenas os benevolentes que creem em milagres se arriscam a deixar o carro aparcado sem vigilância constante. O edifício, que sofreu já várias melhorias estruturais, é imponente, e, à medida que foi encurtando a sua distância para o céu, mais sombra foi fazendo à secular igreja anglicana, situada nas traseiras. Nada é por acaso.

Cá fora, três seguranças - dois negros, um branco, todos sul-africanos. Controlam, por intermédio de rádios, o fluxo das entradas e assumem a função oficiosa de polícias sinaleiros. Faltam poucos minutos para as 11 hs. Resolvemos entrar.

No hall, quatro jovens cumprimentam quem chega, encaminham os mais distraídos para os pisos inferiores. Interpelámos um deles e apresentámo-nos. Queríamos falar com algum responsável. "Então deve ser com um pastor", responde um deles. O jovem brasileiro (em missão, descobrimos mais tarde) segue à frente, embora o caminho seja para baixo.

O salão onde decorre a cerimônia fica situado num nível inferior. Descemos três andares. Centenas de pessoas vão vencendo os lanços de escadas, cumprimentando-se, passo ligeiro, algumas sussurando, orando. Ensimesmadas.

Ao abrirmos as portas, duas perguntas assumem-se como óbvias: quem diria ser possível albergar tanta gente nas entranhas daquele edifício? Quem diria que debaixo do solo se escondia um tão amplo salão? Pedem-nos para ficarmos encostados a uma parede, no fundo da sala, junto ao palco, diminuídos, milhares de olhos cravados no único branco da assembleia. O espaço está equipado com uma moderna "reggie" e são visíveis inúmeros televisores de ecrã plano, que possibilitam o visionamento de toda a zona do palco.

Começa a cerimônia. Dezenas do que parecem ser voluntários perfilam-se nos corredores, acomodando os fiéis retardatários. Ao burburinho que normalmente antecede o início dos grandes eventos segue-se um sepulcral silêncio. O palco pertence ao pastor Wagner. E a assembleia sustém, respeitosamente, a respiração. Em pé.

Meia dúzia de homens começa a desenrolar longos lençóis por cima das cabeças daquele mar de fiéis, num gesto idêntico ao que as claques de futebol praticam, nos estádios, com as tarjas. O pano, supomos, contém uma simbologia especial, porque os crentes reagem efusivamente à sua passagem, gritam, esbracejam, de Bíblia em riste.

O jovem que nos levara ao salão reaparece. "Não vai dar. Não tem cá ninguém para responder às suas perguntas". E não podemos esperar pelo final da cerimônia, para conversar com o pastor Wagner? "Não, ele está muito ocupado". E abandona-nos à nossa sorte.

A cerimônia prossegue. Sempre num registro muito emotivo, o pastor afirma, em Inglês: "Vocês são abençoados e ninguém consegue mudar isso". Atrás, um negro traduz as mensagens para zulu, um dos 11 idiomas sul-africanos. Os fiéis respondem. Aplaudem. Alguns entram numa espécie de transe, reviram os olhos, tremem, desfalecem.

Recolhemos para a outra ponta da sala, onde a perspectiva é melhor. Estávamos expressamente proibidos de captar imagens ou sons. E havia muita gente à nossa volta a garantir que cumpríamos a prerrogativa. Voltamos a encostar-nos a uma parede. O retorno sonoro dos fiéis ao pregador assumia, agora, proporções ecoantes.

Quando, do nada, brotam cinco ou seis homens, armados de rádios e exibindo rostos nada evengélicos. "Out (fora)! Now (agora)!" Empurram-nos. Tentámos contra-argumentar. Que pedimos para estar ali, que fomos autorizados. "Out! Out!" As portas abrem-se. Saímos.

Não satisfeitos, os cinco ou seis homens enviam mais dois zelosos seguranças para nos perseguirem, escadaria acima, com perguntas intimidatórias. O que estávamos ali a fazer? Quem éramos? O que queríamos da igreja deles? Escoltaram-nos até ao carro, sempre intempestivos. Continuaram as perguntas, as ameaças, agora também com a ajuda dos seguranças do exterior, já devidamente avisados pelo rádio da nossa saída cinematográfica. Arrancámos a uma velocidade forçada.

Uns quarteirões à frente, entrámos noutra igreja do Reino de Deus, esta bem mais pequena, 50 ou 60 pessoas na assistência, um homem armado à porta.

O mesmo registro. Um pastor brasileiro a prometer em inglês o melhor dos mundos e um sul-africano convertido a traduzir para zulu o melhor dos mundos.

Aqui, a mensagem era proporcional ao "ranking" da igreja. "Quantos de vocês comeram galinha? E agora sabem por que é que comeram galinha? Porque Deus quis que vocês comessem galinha".

Fonte: Blog do P. R. Lopes

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