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sexta-feira, 13 de julho de 2012

“Todas as emendas constitucionais são inconstitucionais”, afirma procurador



Luciana Araújo - 20/02/2012 - 08h23


Mestre e doutor em Direito Administrativo, o procurador do município de São Paulo Ricardo Marcondes Martins acaba de publicar como livro sua tese de doutoramento, na qual se dedicou a, sobre firme embasamento teórico na doutrina, demonstrar a inconstitucionalidade das reformas constitucionais realizadas desde 1995.


Em Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal (Malheiros Editores, 413 páginas), Ricardo Marcondes debruça-se sobre o estudo do conceito constitucional de regulação administrativa para mostrar como o projeto de tornar o Brasil um Estado meramente regulador da atividade econômica – que inspirou as emendas à nossa Carta Magna de 1988 copiando o modelo de reformas adotado na União Europeia - vai contra as cláusulas pétreas da Constituição Cidadã, que distinguiu os regimes jurídicos dos serviços públicos e da atividade econômica privada.


Para Marcondes, ao fazer isso, os constituintes de 1988 fecharam aos serviços públicos e monopólios estatais a porta à liberdade mercadológica que pode constitucionalmente ser objeto de regulação. Nesse tipo de atividade, as cláusulas pétreas constitucionais determinam o estrito controle estatal sobre os serviços prestados a fim de assegurar os direitos da população usuária. Em entrevista ao Última Instância, o procurador explica os principais pontos do livro.


O senhor aponta uma diferença conceitual importante entre regulamentação e regulação, especialmente no que diz respeito ao papel do Estado para a efetivação dessas duas atividades. Do ponto de vista da garantia de direitos sociais preconizados na Carta de 1988, quais são, na sua opinião, os principais prejuízos à população que as reformas constitucionais trouxeram?


As reformas constitucionais pretenderam implantar no Brasil a teoria do Estado regulador, que basicamente parte do pressuposto de que o Estado é um mal, é ineficiente, ineficaz, enfim. Essa teoria foi implementada na Europa e divulgada principalmente pela Escola de Chicago e o Consenso de Washington. Mas ela importa num grande retrocesso e pretende por fim ao Estado prestador de serviços. E, num caso como o nosso, onde há uma desigualdade social muito grande, o Estado prestador de serviços é imprescindível para que essa grande parcela da população alcance uma dignidade. E as reformas no Brasil pretenderam implantar esse Estado mero árbitro. Isso fica claro quando elas criam uma agência reguladora para os serviços de telecomunicações e tentam criar outra para os monopólios estatais. Eu tento demonstrar que essa premissa atenta contra a Constituição porque o conceito do Estado prestador de serviços é constitucional e ela não consegue superar isso. E por isso essas reformas são inconstitucionais. A regulação estatal não se aplica à prestação de serviços públicos e aos monopólios estatais porque o controle do Estado sobre as concessionárias, sobre os agentes que exercem o monopólio estatal, é mais incisivo porque tem a ver com o controle do Estado sobre os interesses econômicos, tem uma natureza jurídica diferente da regulação.


Especificamente na área das telecomunicações, essas reformas trouxeram elementos como a entrada do capital estrangeiro, agora na prática liberado de restrições e, por outro lado, a não regulamentação dos dispositivos constitucionais sobre a área, e que hoje não são respeitados. No caso da radiodifusão, instalou-se um padrão de não fiscalização dessas concessões. Há uma série delas vencidas e as concessionárias seguem atuando como se fossem donas do serviço. Como o senhor enxerga a possibilidade de reversão desse quadro?


O que se queria era que algumas empresas estrangeiras ganhassem mais dinheiro. Então se propagou uma ideia de que o Estado é ineficiente e deveria deixar de prestar serviços para que essas empresas estrangeiras assumam esses serviços. O que se pretendeu, de fato, foi acabar com os serviços públicos no Brasil de uma forma muito inteligente, adequando esses serviços públicos ao regime jurídico da esfera econômica. E qual é a diferença da atividade econômica para o serviço público? O que os difere não é um rótulo, é o regime jurídico. Não existe concorrência na prestação de serviços públicos porque para haver concorrência tem que haver liberdade. E quando a gente fala de serviços públicos não há liberdade.


Se existe uma forma de prestar um serviço melhor e de forma mais barata, isso não é uma possibilidade, é um dever. Então, todo o serviço prestado pelo concessionário pode ser confiscado pelo poder público. O concessionário deve estar completamente submetido ao controle do Estado porque está exercendo funções de Estado. E o usuário de um serviço não é cliente, não é consumidor. O que acontece no Brasil é que, aparentemente, pelo menos numa visão não científica do Direito, é que os concessionários de telecomunicações prestam serviços como se fosse uma atividade econômica. E as pessoas estão fechando os olhos para isso. E se uma concessionária consegue vender um serviço de melhor qualidade a preços mais módicos, ela é obrigada a fazê-lo porque é um serviço público.


Do ponto de vista jurídico, quais seriam os caminhos para enfrentar essa realidade e recuperar o papel do Estado como ator garantidor de direitos?


O primeiro caminho é apontar a correta interpretação do sistema e as invalidades numa determinada norma jurídica. O Direito é a correta interpretação dos textos normativos. O juiz pode errar ou acertar nessa interpretação. Mas se ele erra, deve ficar sempre sujeito à crítica. E ele pode rever os seus erros. Não é porque o STF (Supremo Tribunal Federal) adotou uma determinada posição que ele tem que manter essa decisão sempre.


O segundo ponto é enfatizar a correta interpretação do sistema e as invalidades decorrentes da não aplicação correta do sistema. Não existe concorrência em serviço público, o regime de concorrência implantado no Brasil é todo inconstitucional e inválido. A submissão dos serviços públicos aos princípios da atividade econômica viola a Constituição e o regime do Direito Administrativo. A pretensa implantação do Estado regulador no Brasil é inválida. O conceito constitucional do serviço público se mantém e, portanto, não admite a pretensa morte dos serviços públicos no país, como se fez na Europa, onde as constituições permitiam. A Constituição inglesa, francesa e espanhola eram lacônicas em relação aos serviços públicos. Não havia previsão de um conceito constitucional de serviço público. E esse processo na Europa está se revertendo. O Tratado de Lisboa vai no sentido da recuperação dos serviços públicos tradicionais.


Com a crise econômica atual, os neoliberais tiveram que retroceder. Quer dizer, "o Estado não é importante", mas a partir do momento em que há uma crise econômica e essas empresas precisam do Estado para sobreviver, aquela máxima de o Estado não é importante passa a não ter mais força. Nesse sentido, a crise econômica que atingiu os Estados Unidos e a Europa contribui para o retrocesso dessas posições.


O senhor não desenvolve isso no livro, mas as reformas previdenciárias – tanto a efetivada no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como a realizada no primeiro mandato do ex-presidente Lula, para o serviço público – não se enquadrariam também nessas afrontas constitucionais?


Eu não abordo especificamente a reforma da previdência, mas a menciono no livro. Por que a reforma da previdência enfraqueceu sensivelmente o funcionalismo público? Um advogado pode não ter um grande sucesso, mas na advocacia privada cada dia é uma loteria. Basta que ele tenha um cliente que lhe proporcione uma ação cujos resultados sejam milionários. No funcionalismo público isso não existe. A pessoa abdica da possibilidade de se tornar rica em troca da segurança. Os cargos de procurador do Estado ou dos municípios são imprescindíveis para a garantia dos direitos dos cidadãos, não dos Estados. Ao se retirar essa segurança, quem vai querer ir para as carreiras públicas em detrimento das carreiras privadas? As pessoas menos preparadas, menos qualificadas. E a reforma da previdência foi um grande ataque para o funcionalismo público. E nós vivemos no Estado de São Paulo hoje um reflexo desse ambiente. Recentemente foi promulgada uma lei instituindo uma previdência privada para o funcionalismo público no qual o regime de previdência vai se restringir ao teto da iniciativa privada. Ou seja, o servidor só vai receber até aquele teto, não vai mais receber os vencimentos integrais. Por mais que ele se esforce não tem a possibilidade de enriquecer e, além disso, ele sabe que não ter uma aposentadoria integral.


Embora contribua ao longo de toda vida profissional sobre a integralidade dos vencimentos.


Sim, e a contribuição é alta porque na iniciativa privada as pessoas acabam sonegando, mas na iniciativa pública é descontado rigorosamente o imposto de renda e a previdência. As conseqüências desse ataque me parecem funestas. Agora, essas reformas foram feitas por meio de emendas, e as emendas devem observar as cláusulas pétreas. E me parece que não. Então essas emendas constitucionais são todas inconstitucionais e inválidas. Tem um capítulo do livro em que eu trato dos limites das reformas à nossa Constituição. Há vários limites para essas reformas, limites pétreos, que estão estabelecidos no artigo 60, e limites implícitos. E esses limites implícitos não estão sendo observados pelos reformadores. O Supremo não reconheceu a inconstitucionalidade da reforma da previdência, mas não é porque ele não reconheceu que a doutrina, que é a ciência do Direito, não deve reconhecer. Devemos lutar para que o Supremo reveja sua posição.


Mas até o momento, todas as ações declaratórias de inconstitucionalidade das reformas propostas da década de 1990 para cá estão nas gavetas ou foram desconhecidas pelo STF, que em tese deveria guardar a Constituição. Então, como o senhor verifica a possibilidade de, identificadas essas nulidades, conseguir revertê-las?


Existe uma regra de calibração do sistema que é a decisão judicial com trânsito em julgado, a solução de uma ação proposta, que normalmente é assimilada pelo sistema. Ainda que o juiz erre, quando essa regra de calibração põe um ponto final quando uma ação envolve um litígio entre A e B, o Direito aceita aquele erro. Agora, se o processo é coletivo, se extravasa uma relação entre A e B, essa regra de calibração existe de forma muito mais tênue. Ela realmente dá uma solução à ação proposta, mas não impede a Corte de rever sua posição numa repropositura da ação. E a Corte vem revisando seus posicionamentos. Isso é normal, é parte do jogo. Decisões tomadas em Adins não impedem o STF de rever sua posição se a matéria for recolocada para que a Corte se manifeste. É claro que, do ponto de vista científico, quanto mais a corte se equivocar, menos prestígio terá. Nas duas últimas décadas, no meu ponto de vista, o Supremo se equivocou várias vezes em decisões importantes: a reforma da previdência dos servidores públicos é um exemplo bem didático. Agora, ela foi praticamente renovada e tem constitucionalistas consagrados. Eu tenho grandes esperanças de que a Corte reveja seus equívocos e dê ao país julgamentos que o país espera.


Então, do ponto de vista da sociedade, caberia aos movimentos sociais ou entidades representativas dos segmentos mais atingidos pelas reformas reapresentar essas Adins?


Quando o legitimado é legitimado para fins fixos, específicos, determinados na Constituição, a sociedade fica dependendo da reapreciação desses legitimados, mas acredito que ela não tenha apenas que, passivamente, esperar pela atuação desses legitimados. Cabe o papel de apontar essas invalidades, de se manifestar veementemente contra elas, ao ponto de que quanto mais se fala nelas, mais os próprios julgadores vão estar motivados a tomarem uma atitude diante dessa situação de afronta






Regulação Administrativa à Luz da Constituição Federal vol.29


Autor: Ricardo Marcondes Martins


Editora: Malheiros


Quanto: R$80

 



Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br

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