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quarta-feira, 11 de julho de 2012

A VELHA E VERGONHOSA TRUCULÊNCIA POLICIAL, QUE CONTA COM A OMISSÃO GOVERNAMENTAL

Casos de agressão pela BM no último sábado evidenciam falta de punição

Felipe Prestes

Um vídeo que foi publicado no YouTube no último domingo (8) mostra claramente um policial militar agredindo com cacetadas as costas de dois jovens que já estavam na parede, com as mãos na cabeça. Um deles teve a cabeça prensada contra uma grade. Segundo a testemunha que gravou o vídeo, a cena ocorreu na noite do dia anterior (7), nas imediações do Estádio Beira-Rio, após a partida entre Internacional e Cruzeiro. Também no sábado, no início da tarde, o repórter fotográfico Ramiro Furquim levou dois tapas na nuca de um policial militar do 11º Batalhão de Polícia Militar de Porto Alegre, quando estava realizando a cobertura da chegada do uruguaio Diego Forlán no Aeroporto Salgado Filho. O policial deu o primeiro tapa, pelas costas, quando abria caminho para o micro ônibus em que estava o jogador. O repórter, então, virou-se, afirmou que estava trabalhando, fotografou o policial, que revidou dando outro tapa, também pelas costas.
Ramiro, que trabalha para o Sul21, mas estava realizando a cobertura pela AGIF, prestou queixa na Ouvidoria da Segurança Pública. O Tenente-Coronel João Prates Godói, comandante do 1º Batalhão de Operações Especiais (BOE), designado pela Brigada Militar para conversar com a reportagem garantiu que iria encaminhar ambos os casos para o Comando de Policiamento da Capital (CPC) investigar. “O caso do vídeo é bem claro. Este policial será punido”, garantiu. Entretanto, a maior parte dos especialistas ouvidos pelo Sul21 garante que esta punição, caso se confirme, será uma exceção. Eles afirmam que a fiscalização da conduta dos brigadianos pelos próprios pares não funciona.
A própria ouvidora da Segurança Pública estadual, Patrícia Lucy Machado Couto, tem esta opinião. “Em relação à quantidade de denúncias, o número de condenações é mínimo”, diz.
"A truculência é tolerada", afirma Patrícia Couto, ouvidora da Segurança Pública do RS | Foto: AL

BM julgar a própria conduta “não é recomendável”, afirma ouvidora
Grande parte das pessoas que procuram a ouvidora vai fazer uma reclamação de mau atendimento pela Polícia Civil. Mas quando a procura é para denunciar policiais, o mais recorrente é acusar truculência em abordagens da Brigada Militar. “São muito frequentes denúncias de tapas na cara em abordagens na periferia, ou de outras agressões que não deixam marca. E, geralmente, envolvem policiais mais jovens, o que nos deixa preocupados”, conta.
As denúncias saem da Ouvidoria e vão para a Corregedoria-Geral da BM, mas, na maioria dos casos, o inquérito policial militar ou a sindicância é tocada pelo próprio batalhão onde o policial acusado trabalha, porque a corregedoria tem estrutura muito reduzida. A ouvidora fica acompanhando os casos e cobrando providências. De acordo com ela, há uma expressão que já ficou consagrada nestes procedimentos. “A tradicional resposta que me dão é ‘nem transgressão, nem crime militar’”, diz.
Patrícia Couto relata que neste tipo de inquérito não costuma haver instrução. “Não são recolhidas provas. Em geral, são ouvidos o próprio policial e algum colega. Sempre há acusações contra a vítima, de que ela reagiu à abordagem ou de que houve desacato”. Ela conta que na própria Corregedoria-Geral o número de condenações é baixo. Por estes motivos, se opõe às investigações feitas pelos próprios policiais. “Acho que não é recomendável. Há um nível alto de corporativismo e é constrangedor para quem denuncia ir depor no próprio batalhão onde trabalha o acusado”, afirma.
A ouvidora relata que ainda não tem números exatos sobre o número de denúncias e de condenações, a ocorrência de cada tipo de denúncia. Ela afirma que pegou o órgão “esvaziado”, porque a ex-governadora Yeda Crusius havia ficado dois anos sem nomear ouvidor. “Trabalhavam aqui um soldado e dois estagiários”, conta. A equipe ainda é pequena e é preciso aprimorar um software adquirido anteriormente para cruzar os dados. Patrícia trabalha em um relatório, mas está reunindo as informações manualmente. Ainda assim, o que ela afirma à reportagem são aqueles padrões que podem ser observados com segurança, mesmo sem dados exatos.
Um dos padrões percebidos por Patrícia Couto é de que é mais difícil um oficial ser punido que um praça. Além disto, ela afirma que é mais recorrente a punição com casos de corrupção, de ligação com o crime organizado. “A relação com o crime organizado é punida com rigor. Agora, a truculência é bem tolerada. Há tolerância dos comandos com aquele policial que ‘mostra serviço’, mesmo que seja com uso inadequado da força”.
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Adão Paiani: "Corregedorias não funcionam para lidar com Direitos Humanos" | Foto: Ugeirm

Especialistas defendem controle externo
Ouvidor da Segurança durante parte do Governo Yeda, o advogado Adão Paiani concorda com Patrícia Couto. “Corregedorias não funcionam para lidar com Direitos Humanos. Há uma postura corporativa. Em casos de corrupção há punição, para preservar o corpo, mas quanto às abordagens, à técnica, a postura dos policiais é de ‘quem entende de segurança somos nós’”, diz.
Paiani sugere que a ouvidoria seja um órgão sem nenhuma relação com a Secretaria de Segurança Pública e que tenha poder para intervir nas polícias. “O ouvidor não pode ser mero repassador de informações, tem que coibir ações ilegais”, diz.
O especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, Marcos Rolim, tem opinião semelhante à de Paiani e relata que, inclusive, apresentou proposta para o governador Tarso Genro, há cerca de um mês. “Como o estado não pode mudar o modelo de polícia – porque isto depende de reforma constitucional – já sugeri ao governador Tarso Genro a criação de uma Inspetoria Geral da Segurança Pública. A ideia seria a de termos uma instituição desconhecida no Brasil, mas muito comum em todo o mundo civilizado, totalmente formada por concursados de alto nível e com poderes para investigar, punir administrativamente e regrar as ações das polícias civil e militar, dos agentes penitenciários e dos funcionários do IGP”, conta.
Rolim explica que este tipo de estrutura “existe em quase todas as democracias modernas”. Ele exemplifica com a Civilian Complaints Review Board (CCRB), de Nova Iorque, que tem 170 funcionários, dos quais 110 são inspetores. “Esta estrutura recebe oito mil queixas por ano, relativas a uma força policial de 40 mil servidores numa cidade com oito milhões de habitantes”, relata.
No Brasil, o controle externo das polícias deveria ser feito pelo Ministério Público, que não o faz, segundo Rolim, por já ter atribuições demais, não sendo voltado especificamente para isto. “Não se efetiva pela quantidade de atribuições que o MP possui e também pelo desinteresse da instituição no tema. O sistema atual de corregedorias, por sua vez, é custoso para o Estado e absolutamente ineficiente. Para que se tenha uma ideia, bastaria lembrar que 95% dos processos examinados pela Corregedoria da Susepe são simplesmente arquivados. A situação não é muito diferente nas polícias gaúchas. As corregedorias não funcionam, porque os atuais corregedores das polícias são também policiais e, amanhã, poderão estar subordinados àqueles que deveriam investigar”, diz.
O sociólogo e jornalista não tem dúvidas de que é a impunidade que faz com que persista a violência dos policiais nas abordagens. “Alguém tem notícia de policiais afastados por atos de violência neste governo? Os casos são inúmeros e muito mais graves do que estes que o vídeo mostra. Todo o dia, em quase todas as cidades do RS, há policiais batendo em pessoas, tratando-as desrespeitosamente e violando seus direitos civis”, afirma Rolim.
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"A gente não bota nada para debaixo do tapete", afirma o Tenente-Coronel João Prates Godói | Foto: Felipe Dalla Valle/Camara Municipal de Porto Alegre

“Ninguém orienta um policial a bater nas pessoas”, afirma tenente-coronel
O Tenente-Coronel João Prates Godói afirma que desde a formação os policiais são orientados a não agir de forma truculenta. “Jamais alguém é orientado a chegar batendo nas pessoas. Isto é um procedimento de muito tempo, em todas as instruções que temos, desde a formação. Tem uma série de disciplinas, por exemplo, relações interpessoais, como ele vai abordar, como vai se comunicar, se expressar”, conta.
O comandante do 1º BOE também defende o trabalho de fiscalização feito pelos próprios policiais. “Hoje a difusão de imagens, filmagens, é um instrumento que cada comandante tem para avaliar o trabalho do seu efetivo. É muito mais fácil flagrar e tem um procedimento que é feito, se abre uma sindicância, se abre um inquérito. Muitas vezes, por conta disto, o policial é punido. Ele é excluído. Nós somos muito céleres neste quesito. Sempre que temos notícias, se faz averiguação, e se responsabiliza as pessoas. A gente não bota nada para baixo do tapete. E estes casos a gente mostra para todos os policiais”, diz.
O sociólogo e professor da UFRGS José Vicente Tavares, que trabalha com Segurança e Cidadania, afirma que há uma “clara diferença” entre o atual governo estadual e a administração anterior. “São lamentáveis estes casos, mas são excepcionais. Está havendo um processo de educação, do uso adequado da força. Na orientação dos comandos, na formação, há uma clara diferença em relação ao governo anterior quanto ao uso arbitrário da força”, avalia. Tavares acredita também que não é preciso colocar em xeque o trabalho das corregedorias, porque agora há uma “ouvidoria independente”, fazendo cobranças.
Casos mais graves podem ocorrer, alertam Paiani e Rolim
Para o Adão Paiani e Marcos Rolim, a falta de punição tende a agravar a violência policial. Paiani recentemente denunciou que em uma blitz não havia brigadianas, caso fosse necessário revistar mulheres, e que policiais estavam sem identificação. A falta de identificação é recorrente. O agressor de Ramiro Furquim, que foi fotografado pelo repórter, também não tinha seu nome em cima do colete. O advogado cobra do comandante-geral da BM, Coronel Sérgio Abreu, e do secretário de Segurança Pública, Airton Michels, manifestações públicas sobre a blitz e os dois casos relatados pelo Sul21.
“Estou cobrando manifestação do secretário de Segurança Pública e do comandante-geral da BM sobre todos estes casos. Eles têm que explicar. A cada omissão, o recado que é dado para a tropa é de que está tudo liberado”, afirma. A reportagem procurou a assessoria de imprensa da secretaria que informou que só a BM responde por casos de violência. Não é a primeira vez que a secretaria se recusa a comentar denúncias relacionadas à BM. O Sul21 também procurou o comandante Sérgio Abreu, mas foi orientado a conversar com o Tenente-Coronel João Prates Godói.
Para Paiani, a omissão pode gerar casos mais graves como os que ocorreram durante o Governo Yeda: a morte do sem-terra Elton Brum,em São Gabriel, e um caso de tortura de um menor de idade em Flores da Cunha. Ele cobra, inclusive, apuração sobre estes casos. “Onde estão os responsáveis por estas mortes? Que respostas a sociedade teve sobre estes casos? Até agora nenhuma”.
Paiani foi ouvidor no Estado enquanto Tarso Genro era ministro da Justiça e elogia o governador. “Yeda Crusius era a favor do prende e arrebenta, eu sei que as posições do Tarso Genro não são essas”, diz. “Mas não estamos vendo uma postura de polícia cidadã, expressão que Tarso usava à exaustão no Ministério da Justiça. As políticas de Tarso no Ministério têm que ser aplicadas no Governo do Estado”, completa.
Rolim: "A situação só tende a se agravar" | Ramiro Furquim/Sul21

O advogado afirma que polícia cidadã é, por exemplo, dar bom dia ou boa noite para quem for abordado em uma blitz, explicar os motivos da abordagem, entre outros procedimentos. “A polícia militar no Brasil ainda sofre de resquícios do período autoritário. Não é cidadã. Trata o cidadão como adversário. Tem a cultura do confronto”, afirma.
Marcos Rolim também considera que a falta de ação do Governo e a falta manifestações fortes podem agravar a violência policial. “Como não ocorre nada com eles (agressores) e como os gestores na área não produzem sequer um discurso claro sobre o tema, a situação só tende a se agravar”, diz.
Além disto, o consultor em Direitos Humanos e Segurança aponta outra consequência da violência policial. “Estes policiais, sem se darem conta, estão corroendo o que há de mais valoroso para qualquer polícia séria: a confiança das pessoas.  Em cada ato de arbítrio, eles destroem a imagem da polícia, o que faz com que as pessoas vejam as polícias como instituições estranhas e ameaçadoras e não as informem quando poderiam auxiliar no esclarecimento de crimes ou na prevenção. Com a juventude de periferia, então, este tipo de atitude é anda pior, porque faz com que a polícia seja odiada e, por decorrência, que os “bandidos” passem a ser valorizados”.

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