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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Os convertidos que mudaram a Igreja - Clérigos nascidos judeus forçaram as reformas do Concílio Vaticano II




Há cinqüenta anos, cardeais de todo o mundo reuniram-se em Roma em Concílio para “atualizar” a Igreja, e modernizar o seu discurso para responder mais diretamente ao mundo moderno. Após três anos de deliberações, esses príncipes da Igreja votaram e aceitaram as declarações que permitiram aos fiéis assistir à missa em seus próprios idiomas, incentivando a leitura das Escrituras e sugerindo aos católicos olhar as outras religiões como outras fontes da Verdade e da Graça. O Concílio refere a Igreja como “o povo de Deus”, e sugeriu uma ordenação mais democrática das relações entre os cardeais e o Papa. Também foi aprovada uma declaração sobre as religiões não cristãs, conhecida por seu título em latim, Nostra Aetate (O nosso tempo). O artigo de número quatro dessa encíclica, uma declaração sobre os judeus, provocou sérias controvérsias, e várias vezes esteve para ser anulado, devido à forte oposição da parte de cardeais mais conservadores.
Nostra Aetate afirmou que Jesus, a sua mãe e os apóstolos eram judeus, e que a Igreja teve a sua origem no Antigo Testamento. Ela discorda e nega que os judeus tenham sido responsáveis pela morte de Jesus Cristo, e condenou todas as formas de ódio, incluindo o anti-semitismo. Citando a Carta de São Paulo aos Romanos, a declaração Nostra Aetate refere-se aos judeus como “os mais amados por Deus“. Esta afirmação hoje pode soar apenas como uma pequena frase, mas ela já provocou uma profunda revolução no magistério católico.
Apesar da oposição dentro de suas fileiras, alguns cardeais não queriam silenciar sobre os judeus, e quando a votação desse documento foi interrompida, em maio de 1965, um desses cardeais explicou as razões pelas quais deviam insistir: “Neste contexto histórico de seis milhões de judeus mortos,  se o Concílio que ora se realiza, vinte anos depois daqueles fatos, permanecer em silêncio sobre eles, então deveria ser inevitavelmente evocada a reação expressa por Hochhuth em O vigário.” Ele estava se referindo à peça do dramaturgo Rolf Hochhuth, sobre o alegado silêncio de Pio XII diante do Holocausto, e que não seria mais essa a Igreja em que ele desejava viver.
A dificuldade era que eles não possuíam qualquer argumentação própria com a qual pudessem vencer a relutância dos seus oponentes. As disciplinas acadêmicas, como a Teologia, são um emaranhado complexo, com cada uma das suas espinhosas especialidades fechadas em confrarias de eruditos. Aqueles que quisessem entender as complexidades das relações da Igreja com os judeus, precisaram estudar a fundo Escatologia, Soteriologia, Patrística, o Antigo e o Novo Testamentos, e toda a história da Igreja e de todos os seus períodos. Esses padres convertidos, formaram pequenos grupos de peritos que estudaram o suficiente para acumularem estas incomuns qualificações intelectuais e levarem a cabo a sua tarefa.
Como descobri, enquanto pesquisava para o meu livro recentemente publicado, De Inimigo a irmão: a revolução no magistério católico sobre os judeus, 1933-1965(Harvard University Press, 2012) esses especialistas não iniciaram o seu trabalho em 1960. Verifiquei que de postos avançados, desde a Áustria e da Suíça, eles tentaram formular argumentos cristãos contra o anti-semitismo sob a sombra do nazismo já anteriormente há três décadas. Eles não eram figuras tão representativas do catolicismo, como podemos imaginar. E não eram só estes centro-europeus, com coragem  para resistir a Hitler, como diziam, mas a maioria deles não tinha nascido católica. Os católicos que lograram levar o Vaticano a reconhecer a continuidade da “santidade do povo judeu“, eram todos recém conversos, vindos de famílias judias.
O mais importante deles foi o Monsenhor Johannes Oesterreicher, nascido em 1904 na casa do veterinário judeu Nathan e da sua mulher, Ida, no Stadt-Liebau, uma comunidade de língua alemã ao norte da Morávia. Ainda criança ele já participava de grupos de escoteiros sionistas, e foi representante dos alunos judeus em sua escola. Mas, depois por razões que permanecem inexplicáveis (mais tarde ele disse que “se apaixonou por Jesus Cristo“) Oesterreicher mostrou grande interesse por textos e escritos cristãos (Cardeal Newman, Kierkegaard e os próprios Evangelhos) e sob a influência de um padre (depois torturado pelos nazistas, Max Josef Metzger) tornou-se católico e sacerdote. No início dos anos de 1930 assumiu a Diocese de Viena para a conversão de judeus, na esperança de trazer a sua família e amigos para a Igreja. Nisto, o seu sucesso foi nulo, mas logrou significativa influência junto a outros intelectuais católicos, para que cerrassem fileiras contra o racismo nazista. Oesterreicher via esse racismo no trabalho dos principais intelectuais católicos, que ensinavam que os judeus eram racialmente condenados e, como tal, não poderiam receber a graça do batismo. Entre os seus amigos nessa empreitada estavam outros judeus convertidos, como o filósofo Dietrich von Hildebrand, o teólogo Karl Thieme e o filósofo político Waldemar Gurian. Em 1937, Gurian, Oesterreicher e Thieme escreveram uma declaração contra os racistas católicos, argumentando que os judeus mantinham uma “santidade especial“. Embora essa declaração tivesse sido publicada como “magistério ortodoxo”, não levava a assinatura e nem a chancela de nenhum cardeal, e muito menos a do Vaticano.
Oesterreicher fugiu para a França em 1938 quando os nazistas entraram na Austria, e continuou a trabalhar a partir de Paris na radiodifusão em língua alemã para o Reich, tentando convencer os alemães de que Hitler era um “espírito imundo” e “o antípoda em forma humana“, e descrevendo os crimes nazistas cometidos contra os judeus e poloneses. Na primavera de 1940, quase foi capturado por uma equipe avançada da Gestapo, mas escapou através de Marselha e Lisboa e viajou para Nova York e, finalmente, para a Seton Hall University, onde se tornou o principal especialista de relações entre os judeus e a Igreja Católica da América.
Oesterreicher foi deixando de lado a sua abordagem “missionária” para judeus, e cada vez mais veio definindo o seu trabalho como “ecumênico”. Ele e outros convertidos como ele, trabalham para fundamentar a crença na vocação do povo judeu nas escrituras cristãs. Se a batalha antes da guerra era contra as suposições do racismo nazista, ele agora assestou a sua mira contra as crenças profundamente enraizadas do anti-judaísmo católico. No período anterior, antes e durante a guerra, os judeus convertidos argumentavam que, sim, que os judeus podem ser batizados; mas agora, mesmo que continuem a acreditar que os judeus devam ser batizados para se livrarem da condenação por rejeitarem a Jesus, esses pensadores começaram a questionar a própria condenação pela negação do Cristo.
Se a história tem sido uma série de ensaios enviados para punir os judeus por não aceitarem Cristo, então qual o foi significado de Auschwitz? Teriam sido os nazistas instrumentos da vontade de Deus, e destinados a obrigarem os judeus a finalmente voltarem para Cristo? A resposta positiva a esta pergunta é qualquer coisa de obsceno, mas foi a única resposta apresentada pela teologia católica a partir de 1945. Nos anos que se seguiram, esses convertidos tiveram que encenar uma revolução no Vaticano e introduzir grandes mudanças numa Igreja que afirmava ser imutável. Eles conseguiram isso deslocando o magistério da Igreja e o catecismo para a Carta de Paulo aos Romanos, capítulos 9-11, onde o apóstolo, sem falar do batismo, ou da conversão, proclama que os judeus continuam sendo “o povo muito amado por Deus” e que “todo o Israel será salvo“.
Como Oesterreicher, os pensadores que ajudaram a desenvolver esse trabalho intelectual, que preparou a revolução no seio da Igreja, em sua esmagadora maioria eram judeus. Logo após a guerra, Thieme, um sobrevivente do Campo de Concentração Gertrud Luckner, juntou-se a eles para publicar Rundbrief Freiburgerr no sudoeste da Alemanha, onde fizeram avanços teológicos cruciais no caminho para a chamada conciliação entre católicos e judeus. Em Paris, o Rev. Paul DeMann, um  judeu húngaro convertido, começou a publicar a revisão dos Sioniens Cahiers e, com a ajuda do companheiro, converte Geza Vermes e Renée Bloch, e ainda introduziu críticas ao anti-judaísmo nos catecismos de escolas católicas.
Em 1961 Oesterreicher foi convocado para trabalhar nas  comissões do Concílio Vaticano II encarregadas de discutir a “questão judaica”, o que veio a ser a questão mais difícil a enfrentar. Em um momento crítico, em outubro de 1964, os padres Gregory Baum e Bruno Hussar juntaram-se a Oesterreicher na montagem do que se tornou o texto final do decreto do Concílio sobre os judeus, e aprovado pelos cardeais um ano depois. Como Oesterreicher, Baum e Hussar eram católicos convertidos de origem judaica.
Eles estavam reavivando uma tendência desde o Concílio Vaticano I, em 1870, quando, já naquela época, o Lemann Brothers — judeus que se tornaram católicos e prelados da Igreja — apresentou um projeto de declaração das relações entre a Igreja e os judeus, afirmando que os judeus “são sempre muito queridos de Deus” por causa de seus pais, e porque Jesus Cristo descendeu deles “segundo a carne“. Sem esses convertidos ao catolicismo, ao que parece, a Igreja Católica jamais teria “imaginado o seu caminho” fora dos desafios do anti-judaísmo racista.
O grande número de judeus convertidos, como Oesterreicher, entre os católicos que se opunham ao anti-semitismo, faz sentido: Na década de 1930 eles foram alvo do racismo nazista que havia perpassava na Igreja e que não puderam evitar. Em contrapartida, foram inclinando as concepções católicas em direção ao seu próprio universalismo, enfatizando certas passagens da Carta de São Paulo aos Romanos, o que abriu as portas da Igreja para um novo olhar sobre povo judeu.
E quais foram então as suas motivações para o seu envolvimento após a guerra? Em uma análise generosa do meu livro no The New Republic, Peter Gordon sugere que a disposição dos convertidos para defender o outro, o não convertido, foi impulsionado por uma preocupação com o seu próprio eu. Eles haviam mantido um senso de si mesmo como judeus na Igreja Católica. Gordon nos lembra do ceticismo de Sigmund Freud sobre a possibilidade do amor ao outro. No amor verdadeiro, Freud acreditava que “sempre este esteve envolto no narcisismo: ele não é o outro a quem eu amo, mas eu mesmo, ou pelo menos é só a qualidade que no outro se assemelha a mim, ou se assemelha à pessoa que eu era antes.” No entanto, em Oesterreicher vemos uma solidariedade permanente com a comunidade (judia) uma vez que era a sua comunidade, e mais diretamente, a sua própria  família. Em 1946 ele refletiu sobre o destino de seu pai que morreu de pneumonia em Theresienstadt (sua mãe mais tarde foi assassinada em Auschwitz). Ao contrário do postulado de que não há salvação fora da Igreja, Oesterreicher não se desesperou por seu pai. Nathan Oesterreicher tinha sido um homem justo, para quem o “bem-aventurança dos pacificadores” é aplicada. Se Oesterreicher, o filho, foi um narcisista, ele poderia aliviar os seus temores na crença de que foi salvo pelo batismo. No entanto, o amor intenso e a saudade de seu pai judeu, começou a sugerir-lhe a possibilidade de que os judeus poderiam ser salvos como judeus.
Foi a duradoura graça dessas conversões que levou a Igreja a reescrever a sua doutrina sobre os judeus e a alargar o seu sentido de solidariedade familiar para nós, judeus e cristãos. Em 1964, Oesterreicher trabalhou em partes da declaração Nostra Aetate, segundo as quais a Igreja não fala mais de “missão para os judeus“, mas aguarda o dia em que “todos os povos a uma só voz e ombro a ombro, se aproximarão do Senhor para servi-lo” (a última frase é tomada de Sofonias 3:9.) Com esta nova doutrina, a Igreja experimenta transformar o outro em sí mesmo, e agora católicos ou judeus envolvidos nesse diálogo cristão-judaico não precisam se converter. Eles já vivem sob o novo entendimento de que os judeus e os cristãos são irmãos. Os convertidos cruzaram uma fronteira para o outro lado, enquanto que, em algum sentido mais profundo, guardam a sua própria identidade, mas reconhecendo a legitimidade, de fato a bênção, de nossas diferenças, o que ajudou a derrubar o muro que separava judeus e cristãos.(*)


OBSERVAÇÃO:
(*) É admirável, e escandalosamente significativo, que o estudo e as pesquisas acadêmicas do Prof. John Connelly, sobre a insidiosa infiltração judaica no Vaticano, que subverteu doutrinas milenares da Igreja e lhe corroeu e sabotou a pastoral e evangélica relação com os seus fiéis, tenham lhe sugerido, para a “cândida” conclusão da sua tese, a cínica e ladina falácia da “legitimidade de nossas diferenças, o que ajudou a derrubar o muro que separava judeus e cristãos“, numadesaforada inversão da realidade.

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem, Herbert,
O post do seu print desse texto do bolg http://alfredobragasobcensura.wordpress.com/2012/08/21/os-convertidos-que-mudaram-a-igreja/ é muito bom.Mas manda a boa educação, e a ética, que seja citada a fonte, para não falar da autoria da tradução, nem nas notas de rodapé.
Um grande abraço,
H.Menom

I.A.S. disse...

Boa tarde H. Menon!

Foi uma falha imperdoável, porém involuntária, pois faço questão absoluta de informar a fonte das postagens que copio.
Você tem toda razão.
A fonte é http://alfredobragasobcensura.wordpress.com
Agradeço por haver me alertado.
SFU

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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