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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

STF é tão político quanto cortes estrangeiras


INDICAÇÕES SUPREMAS


Por Leon Victor de Queiroz Barbosa


O fenômeno é mundial: o Judiciário passou a desempenhar um papel central nas grandes decisões políticas, por causa da concentração das regras referentes às políticas públicas na Constituição. Assim, ao sair do papel de coadjuvante para o de protagonista no processo decisório, os holofotes se voltaram para quem são e como se tornam juízes dos Tribunais Constitucionais (no Brasil o Supremo Tribunal Federal desempenha um papel misto, sendo um deles o de exercer o controle de constitucionalidade).

A Constituição Federal traz três critérios formais: notável saber jurídico, conduta ilibada e ser maior de 35 e menor de 65 anos de idade. O primeiro tem por objetivo tornar o STF um colegiado com os melhores juristas do país. O segundo tenta impedir que desvios de conduta contaminem a nossa Suprema Corte. O terceiro é o critério da senioridade. Ou seja, juristas mais experientes tanto na carreira quanto na vida. Mas será que esses critérios tem capacidade de gerar algum impacto? A forma como são escolhidos, a nosso ver, merece maior atenção.

No Brasil são 11 cadeiras vitalícias, preenchidas pela morte ou pela aposentadoria dos ministros, que, por regra constitucional, acontece aos 70 anos. Quem indica é o presidente da República com aprovação da maioria absoluta do Senado.

É o mesmo sistema adotado nos Estados Unidos, sendo que lá são apenas sete juízes. A diferença é que lá o bipartidarismo gera uma disputa político-partidária pelo controle da Suprema Corte americana, fazendo com que os indicados tenham alinhamento ideológico com o partido que está na Presidência da República. Com isso o controle do Senado é muito forte, a fim de evitar um total alinhamento do juiz com o partido que o indica. Se o partido da Presidência não tiver maioria no Senado, o controle é ainda mais forte.

No Brasil não é muito diferente. A liberdade de escolha do presidente está ligada à homogeneidade/heterogeneidade da coalizão no Senado Federal, como apontaram os estudos de Leany Lemos (Senado Federal) e Mariana Llanos (GIGA – Universidade de Hamburgo). Segundo as pesquisadoras, quanto mais heterogênea é a coalizão no Senado, mais negociado é o nome do indicado. Se durante o mandato presidencial houver muitas vagas a serem preenchidas no STF, as opções são restringidas de modo a evitar uma composição homogênea na Suprema Corte.

Para melhor se entender o modelo brasileiro, é interessante conhecer de que forma se dá esse processo em outros países. Escolhemos França e Alemanha pela influência jurídica sobre o Brasil e a Argentina como parâmetro latinoamericano. Os Estados Unidos entram apenas como referência.

Na França, a seleção de membros do Conselho Constitucional (Suprema Corte) é uma questão de grandes acordos políticos. As indicações são feitas junto às matizes partidárias, mas o que importa é que o conselho não está distante dos demais poderes, o que reforça a ideia de legitimidade. Um terço dos nove membros é indicado pelo presidente da República, que também designa o presidente do conselho. Três membros são escolhidos pelo presidente da Assembleia Nacional (equivalente à Câmara de Deputados) e os outros três são escolhidos pelo presidente do Senado. Todos os membros possuem mandatos de nove anos improrrogáveis e são escolhidos a cada três anos. Os selecionados incluem ex-presidentes da república e outras pessoas proeminentes.

Os requisitos são sensibilidade política aguçada e reconhecido saber. Conhecimento jurídico ou experiência não são requeridos, embora os indicados os tenham. A importância do conselho no controle dos demais poderes remonta ao seu papel de guardião da Constituição, que gera tensão entre visões novas e antigas sobre o Direito na França.

A maior fonte do Direito francês são leis e códigos criados pelos legisladores. No modelo da civil Law,os legisladores, e não os juízes, são os guardiões da lei. Esses legisladores estudam as leis e procuram manter a coerência entre os diplomas legais. Não é surpresa a ausência de estudos de caso para embasar os princípios legais das leis. Entretanto, esse modelo começou a dar sinais de tensão.

Os juízes europeus demonstram um modelo diferente de amadurecimento jurídico, articulando a jurisprudência e os princípios gerais, o que vem prevalecendo em códigos e leis nacionais. Essas decisões são frequentemente criativas e possuem um grande alcance em suas implicações. Eles encorajam os juízes dos Estados-membros a proferirem decisões mais amplas. O aumento da retórica dos direitos humanos também tem aumentado o poder dos juízes em todos os níveis (Provine e Gaparon, 2007). Um detalhe interessante é que na nomeação de juízes de primeira instância há uma pressão por maior proporcionalidade social de negros, mulheres e diversidade étnica, por exemplo. Isso pode também influenciar as indicações para os cargos mais altos do Judiciário.

Na Alemanha, Christine Landfried demonstrou haver poucos estudos sobre o processo de escolha dos membros da Suprema Corte. Credita essa falha à ausência de evidências empíricas. Enquanto o processo formal é conhecido, o que realmente acontece não é. Diz a autora: “Um dos poucos jornalistas que regularmente escreve sobre a Corte Constitucional comenta: ‘Até a eleição do Papa é mais democrática’. Na visão desse jornalista os juízes são escolhidos em círculos secretos de partidos políticos” (Landfried, 2007, p. 196). Na Corte Constitucional alemã os juízes são selecionados dentre um pequeno grupo de lideranças partidárias, ambas do Bundesrat (Conselho Federal) e doBundestag (Parlamento).

A Corte Constitucional da Alemanha é composta por dezesseis membros, sendo oito eleitos peloBundesrat e oito eleitos pelo Bundestag, para um único mandato de doze anos. Os candidatos devem ser advogados e ter no mínimo 40 anos de idade. Segundo os dados de Landfried, na Suprema Corte há dois grupos (Senates), onde três membros de cada grupo devem ter trabalhado por no mínimo três anos como juízes de uma alta corte federal. Esses juízes eleitos pelo Bundestag não são escolhidos pelo Parlamento, mas por um comitê parlamentar, cujo quórum para aprovação é de dois terços, o mesmo necessário para aprovação no Bundesrat. Por causa dessa maioria qualificada, o processo de seleção se tornou um exercício consensual entre a coalizão e os principais partidos oposicionistas em ambas as casas. Esse exercício se dá a portas fechadas. A própria lei obriga os membros do comitê a manterem segredo sobre o que foi decidido e o próprio debate sobre os candidatos é confidencial (Landfried, 2007, p.201).

No modelo alemão, o ministro da Justiça mantém uma lista de todos os juízes que podem ser indicados à Corte Constitucional e outra lista contendo todos os juízes indicados por partidos políticos, pelo governo federal ou por governos estaduais. Entretanto, como esses nomes vão parar em uma lista reduzida e quais critérios são utilizados para isso não são publicamente divulgados. Segundo Landfried, o que se sabe é que os preparativos para a eleição para a Suprema Corte são determinados por um pequeno grupo partidário. Uma análise sobre a composição da Corte revela que os partidos tem uma habilidade surpreendente em manter “seus” assentos na Suprema Corte.

Outra dificuldade no caso alemão é mensurar o impacto das filiações partidárias sobre as decisões dos juízes da Corte Constitucional. Também é difícil medir o impacto das carreiras deles antes do ingresso na Corte. Landfried aponta que um estudo que comparou as composições da Suprema Corte Alemã em 1951 e em 1983 evidenciou uma diminuição nos membros com experiência em política e em economia e um aumento de membros com experiência na Administração Pública e no Judiciário. No primeiro caso, sete dos 24 membros possuíam experiência política como ministros de Estado e, mais especificamente em assembleias constitucionais. Em 1983 apenas dois dos dezesseis membros tinha experiência política. Nenhum tinha expertise em economia. Em 2004, embora quatro membros tivessem experiência política, isso só foi possível devido a suas atuações como ministros da Justiça.

Na Argentina, o processo se dá a “quatro mãos”. Segundo Lemos e Llanos (2007), a Argentina possui um procedimento em que a indicação passa por quatro órgãos. O primeiro deles é o Consejo de la Magistratura, que apresenta três candidatos ao presidente da República. De posse da lista tríplice, o segundo a analisar os nomes é o próprio presidente da República, que indica seu escolhido ao Senado. Antes de votar o nome do indicado no plenário, os senadores o submetem a sabatina perante o terceiro órgão, a Comisión de Acuerdos. Depois de ser analisado aprovado pela comissão, o indicado segue para aprovação dos demais senadores. O quorum é de dois terços. São sete juízes vitalícios. 

Com nove membros vitalícios, a Suprema Corte dos Estados Unidos é composta por pessoas indicadas pelo presidente da República depois da aprovação da maioria absoluta dos senadores. O processo de escolha é bastante acirrado, uma vez que só há dois partidos no Congresso e o partido do presidente tentará aprovar alguém que tenha o mesmo alinhamento ideológico. Como a Constituição não especifica as qualificações necessárias para o cargo, alguns pesquisadores procuraram identificar quais características são importantes para quem o ocupará. Henry J. Abraham (apud Nemachek, 2007, p. 10) identifica quatro fatores importantes para a seleção: mérito objetivo, compatibilidade política e ideológica, representatividade na Suprema Corte e amizade pessoal.

Segundo a análise de Christine L. Nemachek, os estudos sobre as nomeações presidenciais para a Suprema Corte focaram nos indicados individuais e posteriormente aprovados pelo Senado. Esse tipo de análise focada em explicar as características e fatores dos membros da Suprema Corte não ajuda a entender porque um candidato é escolhido em detrimento de outros (NEMACHEK, 2007, p. 13-14). 

Diferentemente da Argentina, o Brasil não possui um órgão específico para analisar os indicados ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. O procedimento é formalmente simples, e possui duas fases. Na primeira o presidente da República se reúne com seus auxiliares mais próximos capazes de lhe fornecer uma lista de cidadãos que preencham os requisitos constitucionais. Esse momento é bastante delicado. Comumente é o ministro da Justiça quem se encarrega de pesquisar os nomes e apontá-los ao presidente. Nessas circunstâncias, as associações de magistrados e a própria Ordem dos Advogados do Brasil endossam nomes que possam representá-los na mais alta corte. De posse desses nomes, o Presidente da República estuda o nome que tem maior probabilidade de ser aprovado pelo Senado, dependendo da formação de sua coalizão (LEMOS e LLANOS, 2013).

Com o nome já escolhido, inicia-se a segunda fase: o envio de mensagem ao Senado Federal com o nome e o currículo do escolhido. O nome é levado para apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde um relator é designado para proferir seu voto, acolhendo ou não o nome indicado. Depois da aprovação do relatório, este se transforma em Parecer da Comissão e é votado pelos 81 Senadores. Embora os votos sejam secretos, a sabatina é pública e é possível encontrá-las, desde 1989, em formato PDF no site do Senado Federal. Essa transparência facilita o trabalho do pesquisador, que pode saber exatamente como se deu a discussão dentro da CCJ. O problema é que não se sabe quem concorreu com o indicado.

Por fim, o modelo brasileiro vem sendo bastante criticado no meio jurídico principalmente após indicações de ministros próximos ao presidente da República. Exemplos mais recentes são os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que exerceram o cargo de advogado-Geral da União nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, respectivamente.

Na minha concepção, não há nada de errado com o modelo brasileiro. Primeiro porque não há modelo perfeito, segundo porque o Supremo Tribunal Federal é um dos três poderes da República e, da forma como foi construído nosso sistema constitucional, ele tem de decidir casos que antes não passavam por seus membros.

Irei por partes:

1. A indicação pelo presidente da República, detentor de mandato eletivo direto e por sufrágio universal, é legítima e não fere nem o princípio republicano e nem o princípio democrático;

2. A não exigência de juízes de carreira como requisito também aumenta a legitimidade do tribunal, ao não se tornar um órgão burocrático, sendo portanto um órgão político, cujas decisões são juridicamente fundamentadas;

3. A sabatina dos indicados por membros do Senado Federal, casa legislativa diretamente eleita, representando os 27 estados da federação, dá a envergadura de uma chancela de âmbito nacional;

4. A publicidade dos debates dá ainda mais transparência ao processo, embora a votação seja secreta, justamente para impedir que o Executivo possa controlar os senadores.

As exceções não podem ser tratadas como regra. O mesmo presidente que indicou Toffoli indicou Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carmem Lúcia, brilhantes juristas.

Bibliografia
LANDFRIED, Christine. “The Selection Process of Constitutional Court Judges in Germany. In MALLESON, Kate, RUSSEL, Peter H. Appointing Judges in an Age of Judicial Power. University of Toronto Press, pp. 196-212, 2007.

LLANOS, Mariana, LEMOS, Leany. O Senado e as aprovações de autoridades – Um estudo comparativo entre Argentina e Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 22, num. 64, junho, pp. 115-138, 2007.

LLANOS, Mariana, LEMOS, Leany. Presidential Preferences? The Supreme Federal Tribunal Nominations in Democratic Brazil. Latin American Politics and Society (no prelo), 2013.

NEMACHEK, Christine L. Strategic Selection – Presidential Nomination of

Supreme Court Justices from Herbert Hoover through George W. Bush. University of Virginia Press, 2007.

PROVINE, Doris Marie, GARAPON, Antoine. “The Selection of Judges in France”. In MALLESON, Kate, RUSSEL, Peter H. Appointing Judges in an Age of Judicial Power. University of Toronto Press, pp. 176-195, 2007.

Leon Victor de Queiroz Barbosa é advogado, doutorando em Ciência Política (UFPE) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG).

Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2012

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