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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Decisões recentes, do TJ/SC, enfocando o direito de manifestação de pensamento e informação



Apelação Cível n. 2012.041454-3, de Descanso
elator: Des. Denise de Souza Luiz Francoski 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO CONTRA VEREADORES. MANIFESTAÇÕES VERBAIS PROFERIDAS PELO PREFEITO. OPOSITORES POLÍTICOS. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO REGIONAL. INTUITO DE DIFAMAR NÃO EVIDENCIADO. DIREITO DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO E INFORMAÇÃO. PESSOAS PÚBLICAS SUJEITAS A CRÍTICAS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.041454-3, da comarca de Descanso (Vara Única), em que são apelantes José Guerra, Flávio Marcos Lazarotto, Volmir Immig, Ivanilde Palu e Valdir Casanova e apelado Gilberto Giordano: 

A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. 

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. José Volpato de Souza, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Artur Jenichen Filho. 


Florianópolis, 30 de outubro de 2012. 


Denise de Souza Luiz Francoski 

Relatora 


RELATÓRIO 


Trata-se de recurso de apelação interposto por José Guerra, Flávio Marcos Lazarotto, Volmir Immig, Ivanilde Palu e Valdir Casanova contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação de Indenização por Danos Morais ajuizada contra Gilberto Giordano. 

Na peça exordial, os requerentes/apelantes informaram inicialmente serem vereadores, enquanto o apelado é prefeito do município de Santa Helena/SC. 

Aduziram que o apelado vem constantemente proferindo agressões verbais contra si, sendo difamados pelo apelado em entrevista concedida para jornal de circulação local. 

Sustentaram que além das manifestações verbais do apelado, que estão lhes causando grande desconforto, constrangimento e até mesmo vergonha, foram chamados de nazistas, maquiavélicos, oportunistas e inconseqüentes pelo apelado. 

Pretendem dessa forma, a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais sofridos em decorrência do constrangimento suportado derivado das referidas agressões verbais. Por fim, postularam pela expedição de ofício ao Diretor de Redação Força d'Oeste, e demais cominações legais. 

Por outro lado, o apelado em sua contestação (fls. 32/42), sustentou inexistir abalo moral, pleiteando pelo julgamento improcedente dos pedidos formulados na exordial. 

Posteriormente sobreveio sentença (fls. 60/62), que julgou improcedente a pretensão dos apelantes, condenando-os ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). 

Inconformados com o provimento jurisdicional entregue, os requerentes/apelantes, interpuseram recurso de apelação (fls. 64/68), pretendendo a reforma da sentença proferida em primeiro grau, a fim de condenar o apelado ao pagamento de indenização por danos morais. 

Em suas contrarrazões o apelado pleiteou pelo não provimento do recurso (fls. 84/89). 

Os autos foram encaminhados a esta Corte, vindo-me conclusos. 

Este é o relatório. 

VOTO 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 

Analisando os autos, verifica-se que os apelantes insurgem-se contra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido indenizatório formulado na exordial, condenou-os ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). 

Sustentam a pretensão indenizatória, ao argumento de terem sido difamados pelo apelado, em entrevista por ele concedida para jornal de circulação local, afirmando que foram chamados de maquiavélicos, nazistas, oportunistas e inconseqüentes. 

Alegam que as agressões verbais não tem fundamento, e foram feitas com o objetivo de denegrir a imagem dos apelantes, ressaltando que tais ofensas vem lhes causando estresse constante, indignação e constrangimento, devendo ser o apelado responsabilizado pelas notas ofensivas à honra deles. 

Entretanto, entendo que o reclamo dos apelantes não merece ser acolhido, pelos motivos que passo a expor. 

Inicialmente, ressalta-se que da análise dos autos, percebe-se que o apelado não praticou nenhum ato ilícito capaz de ensejar indenização por danos morais, visto que embora tenha utilizado palavras um tanto quanto agressivas, em entrevista concedida ao jornal de circulação local (fl. 17), bem como na nota da Prefeitura Municipal de Santa Helena (fl. 18), publicada no mesmo local, verifica-se que tais declarações tratam-se de críticas de cunho político. 

Assim, vislumbra-se que as opiniões proferidas pelo apelado, prefeito do município de Santa Helena/SC, apenas informavam a população acerca dos acontecimentos na esfera política daquela cidade e criticavam a conduta dos apelantes como vereadores, sem ofender a vida privada destes, nem ultrapassar os limites do direito à crítica e à informação, nem tampouco violar a honra deles. 

Oportuno destacar que, a Constituição Federal assegura ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, inciso IX). Entretanto, toda matéria deve ser publicada com compromisso e delimitação na responsabilidade, a qual deve ser imputada diante de condutas que extrapolem limites, prejudicando terceiros, consoante expressamente autorizado pela Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". 

No caso em análise, observa-se que as manifestações verbais feitas pelo apelado tiveram apenas a menção informativa, e não a intenção de caluniar ou difamar os apelantes, sua conduta foi limitada à reprodução dos acontecimentos que se davam na esfera política daquela cidade e a críticas no que diz respeito a atuação dos apelantes como vereadores, sem apresentar nenhum juízo de valor ou abuso com relação à pessoa dos apelantes, de modo que não incorreu, dessa forma, em excesso que justifique a ofensa à honra então alegada. 

A respeito, leciona o doutrinador Rui Stoco: 

A divulgação de fatos verdadeiros como mera representação e projeção do ocorrido no mundo físico e no plano material, através dos meios atualmente à disposição - tais como jornal, revista, televisão, rádio e Internet - como mero repasse de informações obtidas e transmitidas de forma lícita, fiel e assisada, não comporta disceptação, nem se traduz em abuso ou excesso (...) 

É certo que uma notícia dessa natureza pode causar constrangimento. Contudo, se divulgada adequadamente, com fidelidade e despida de adjetivação, juízo de valor, acréscimos ou sensacionalismo, nenhum agravo poderá ser invocado (Tratado de Responsabilidade Civil, in verbis:5. ed. Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 1448-1449). 

Sobre o assunto, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu: 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. LIMITAÇÃO DO ARTIGO À INVESTIGAÇÃO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE JUÍZO DE VALORAÇÃO. ANIMUS NARRANDI EVIDENCIADO. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

Quando as matérias jornalísticas são circunscritas a mera reprodução de investigação criminal, evidenciam apenas o exercício da liberdade de imprensae não dão ensejo ao dano moral, já que cumprem a função inerente à atividade jornalística de informação à opinião pública. (Apelação Cível n. 2010.061417-8, julgada em 10-5-2011). 

E ainda: 

"APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. POLÍTICO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. - DIREITO À COMUNICAÇÃO VERSUS DIREITOS INDIVIDUAIS. INDENIZAÇÃO DESCABIDA. INFORMAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO. - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. - O homem público é foco de atenções de todos os segmentos da sociedade, sujeitando-se, por esta razão, a críticas em face de sua atuação no exercício da função pública inerente ao cargo ocupado. - Dessa forma, não serão tidas por ofensivas as matérias jornalísticas que, ao que tudo indica, refletem a realidade dos acontecimentos, apenas narrando fatos que são de conhecimento e interesse da coletividade, sobretudo quando não se vislumbra nenhum excesso no seu conteúdo." (Apelação Cível n. 2012.002930-6, de Lages, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 17.05.2012). 

Diante dessas considerações, constata-se que não havendo nenhuma intenção do apelado em atingir a honra e a imagem dos apelantes, visto que este apenas exerceu seu direito constitucional à manifestação do pensamento e de informar à população sobre fatos relevantes, sem contudo ofender a dignidade e o decoro dos apelantes. 

Além do mais, os apelantes são pessoas públicas (vereadores), e estão sujeitos a críticas de todos os seguimentos da sociedade, em razão do cargo político que exercem. 

Portanto, diante de todos os argumentos expostos, não se verifica qualquer ato ilícito a ensejar a reparação por danos morais então postulada, motivo pelo qual entendo que a sentença proferida em primeiro grau não merece reparos, devendo ser mantida integralmente. 

CONCLUSÃO 

Ante o exposto, conhece-se do recurso e nega-se provimento. 


Gabinete Des. Denise de Souza Luiz Francoski



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Apelação Cível n. 2012.070492-3, de Joinville

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REPORTAGEM JORNALÍSTICA TIDA COMO CALUNIOSA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. FALTA DE ÂNIMO OFENSIVO. SIMPLES NARRATIVA DE FATOS EVIDENTES, ROBORADA POR INFORMAÇÕES COLHIDAS DA POLÍCIA MILITAR. EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAR EM SEUS LIMITES LEGAIS. LICITUDE DO ATO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS.

Não caracterizam atos ilícitos a confecção e veiculação de reportagem televisiva circunscrita a narrar fatos, em tese, caracterizadores do crime de maus tratos (CP, art. 136), sem estar à vista a intenção de lesar.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.070492-3, da comarca de Joinville (5ª Vara Cível), em que é apelante Companhia Catarinense de Rádio e Televisão, e apelado Luciano Gomes:

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos exordiais. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Trindade dos Santos (Presidente) e Gilberto Gomes de Oliveira.

Florianópolis, 18 de outubro de 2012.

Luiz Carlos Freyesleben

Relator


RELATÓRIO

A Companhia Catarinense de Rádio e Televisão apelou de sentença da doutora Juíza de Direito da 5ª Vara Cível da comarca de Joinville que, em ação indenizatória por danos morais, movida por Luciano Gomes, julgou procedente o pedido, condenando a empresa a retratar-se publicamente e a pagar R$ 50.000,00, mais custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00, em razão da difusão de matéria jornalística considerada ofensiva à honra do demandante.

Narrou que a matéria, veiculada entre 22 e 24 de agosto de 2002, não atingiu a honorabilidade nem a imagem do autor, pois não foi publicada com o animusofensivo. Ao contrário, a intenção da matéria publicada limitou-se a divulgar o precário estado de saúde em que se encontrava a irmã do apelado, padecente de doença mental e sob os cuidados do apelante, sujeito a responder por crime de cárcere privado. Todavia, asseverou que em tais comentários não se encontra, nem mesmo nas entrelinhas, a intenção de acusá-lo da prática daquele delito. Ademais, a matéria jornalística foi gravada após informações colhidas da Polícia Militar, sendo esta a razão por que seus repórteres acompanharam os policiais, em diligência feita na residência do apelado. Além disso, considerou, para a confecção da matéria, informações prestadas pelo autor, possibilitando-lhe o esclarecimento dos fatos.

Narrou que o autor foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 136 do Código Penal e, posteriormente, aceitou suspender, condicionalmente, o processo. Assim, insiste em que a reportagem calcou-se na verdade e que sua elaboração e divulgação tiveram o escopo único de narrar os fatos ocorridos na residência do demandante.

Insurgiu-se contra sua condenação a retratar-se publicamente, invocando seu direito à liberdade de expressão, de pensamento e de informação. Por outra parte, disse da impossibilidade de cumularem-se indenização pecuniária com retratação pública. Por tudo isto, requereu a reforma da sentença com vistas à improcedência dos pedidos ou a redução do valor da indenização, fixado em R$ 50.000,00.

Em contrarrazões, o autor requereu a manutenção da sentença.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelo de Companhia Catarinense de Rádio e Televisão contra sentença da doutora Juíza de Direito da 5ª Vara Cível da comarca de Joinville que, em ação indenizatória, movida por Luciano Gomes, julgou procedentes os pedidos.

A controvérsia instaurada circunscreve-se à reportagem veiculada pela apelante, em 22 e 23 de agosto de 2002, em seus programas televisivos, ocasião em que se divulgou as condições precárias em que vivia a irmã do apelado, portadora de doenças mentais e, por isso, era mantida trancada em uma dependência da casa.

A despeito de a Juíza de Direito Adriana Mendes Bertoncini haver esclarecido que não assistiu à reportagem "em razão da ausência do DVD nos autos" (fl. 139), constato que, efetivamente, a matéria jornalística, gravada em DVD e VHS, foi juntada ao processo, conforme a certidão de fl. 125. Esse equívoco judicial, a meu sentir, foi determinante para o desfecho judicial que culminou com a procedência do pedido do autor, porquanto o decreto condenatório teve seu fundamento maior nos testemunhos, que se limitaram a dizer da ofensividade da matéria divulgada, por não refletir a verdade dos fatos.

Em contato com o cartório judicial da 5ª Vara Cível da comarca de Joinville, requisitei o material lá arquivado, do qual constam as matérias jornalísticas que emprestaram substrato a esta ação judicial. Destarte, assisti aos vídeos e cheguei à conclusão fácil de que não houve ofensa moral indenizável, pois a reportagem adstringiu-se a narrar fatos ocorrentes na residência do autor, não desbordando do seu dever de bem informar, não se podendo concluir das entrelinhas das matérias veiculadas o menor indício do ânimo de ofender.

Para uma mais completa elucidação dos fatos, permito-me reproduzir o conteúdo da matéria jornalística:

Repórter: "Desumano: uma mulher com problemas mentais era mantida presa pelo próprio irmão.

A denúncia foi feita à Polícia Militar de Joinville. A mulher foi encontrada nesta casa, que fica nos fundos deste terreno na zona sul da cidade. Ângela Gomes diz que tem 34 anos e foi trancada pelo próprio irmão.

De acordo com alguns vizinhos que não quiseram se identificar, Ângela tem problemas mentais e fica presa por vários dias no local, sem comer, beber ou sem quaisquer condições de higiene.

A senhora tá sem comer?"

Ângela Gomes: "Tô. Tô com fome daí".

Josemar Müller, Policial Militar: "Ela conversou com a gente, passou que está trancada desde sábado, e que ela não recebe comida nem água e não sai de dentro do cubículo".

Repórter: "O dono da casa, Luciano Gomes, não compareceu durante toda a manhã aqui no local para falar sobre o assunto. Agora ele pode responder processo por cárcere privado.

Policiais da Delegacia da Mulher foram chamadas para conversar com a senhora. No início da tarde, o proprietário chegou na casa para dar explicações. Segundo ele, a irmã é presa porque é a única maneira que ele tem para poder trabalhar.

Luciano disse que a irmã chegou a ser internada em um hospital psiquiátrico de Joinville, mas como não há vagas, ela tem que voltar pra casa.

Ângela foi solta pelo irmão. Diante da situação encontrada dentro da casa, todos foram encaminhados para a delegacia para prestar depoimento" (2:20 a 3:47 do primeiro DVD).

Concomitantemente à narrativa, imagens mostravam o local em que Ângela era mantida, além de policiais militares, agentes da Delegacia da Mulher e, finalmente, o autor, que é visto conversando com policiais militares e com a repórter, antes de mostrar às câmeras o interior dos aposentos de sua irmã. Além do conteúdo da reportagem, já reproduzido anteriormente, há também as diversas chamadas feitas por apresentadores dos jornais televisivos da apelante, que precediam a reprodução da matéria acima transcrita.

Na primeira delas, é dito o seguinte: "Uma mulher que tem problemas mentais estava sendo mantida presa. Hoje, ela foi retirada do local" (2:21 e 2:27 do primeiro DVD).

Em outra, os dizeres são: "Um flagrante em Joinville revela a situação de uma mulher que tem problemas mentais e vive trancada em casa. Ontem, ela foi retirada do local" (3:38 e 3:57 do primeiro DVD).

Finalmente: "Flagrante de cativeiro em Joinville. Uma mulher era mantida pelo irmão presa dentro de casa" (5:11 a 5:17 do primeiro DVD).

Penso que a reportagem apenas realizou seu trabalho, sem sensacionalismos, apenas pondo à mostra fatos realmente existentes, havendo anunciado à população que o irmão de Ângela Gomes a mantinha presa em casa, aparentemente desassistida, além de mostrar, ainda que brevemente, o interior dos aposentos em que a moça ficava o dia inteiro, com toda a aparência de local inadequado para abrigar uma pessoa com doença mental.

A jornalista reportou-se, ainda, às informações que lhe deu o policial militar Josemar Müller, em entrevista, presente no local dos acontecimentos para investigar a notitia criminis. Além disso informou aos telespectadores a versão dos fatos que lhe narrou o próprio Luciano Gomes, ora apelado.

Sob esta conduta, não tenho por que atribuir à repórter excesso ao prestar contas ao ouvintes e leitores dos fatos a ela narrados por policiais e pelo próprio irmão de Ângela, parecendo-me inexistente o ânimo de atingir a honra do autor. Além disso, a matéria tratada é de ordem eminentemente investigativa, sem entrave a que fosse realizada e transmitida, especialmente pela evidente utilidade pública a envolver o tema que atingia a interesse de incapaz.

A responsabilidade civil do jornalista somente deverá ser-lhe imputada quando, em suas manifestações jornalísticas, houver ultrapassado os limites daliberdade que lhe confere a Constituição Federal, para causar prejuízo a terceiras pessoas (Art. 5º, X, da CF, verbis: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação"). A partir daí, não é impossível surgir uma colisão entre o direito fundamental à comunicação social (de que são vértices as liberdades de imprensa e de expressão) com outros direitos fundamentais, tais como a honra e a imagem das pessoas, gênese de verdadeira conflagração de valores constitucionais; conflito esse que não encontra solução em conclusões apriorísticas, devendo ser dirimido mediante o emprego da técnica da ponderação judicial a respeito do caso concreto, tratado por meio de mecanismos adequados. Para afastar eventual nuvem que possa precipitar alguma sombra sobre o tema, trago à baila o Enunciado 279 da IV Jornada de Direito Civil:

Art. 20. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.

Em tal sentido, se a matéria adstringir-se à narrativa de fatos, no círculo parametral da razoabilidade, a dar contornos de notória intenção de informar o público sobre acontecimentos relevantes, as ações do profissional da notícia afiguram-se blindadas ou protegidas pela couraça da licitude, reveladoras apenas de sua liberdade de informar fatos de interesse geral.

De outro lado, é de muito bom alvitre destacar que Luciano Gomes foi, posteriormente, denunciado, pelo Ministério Público, pela prática do crime de maus-tratos, previsto no artigo 136 do Código Penal, como se tem dos autos do processo-crime n. 038.02.029467-8. Ademais, ainda que se saiba que o processo foi arquivado com base na extinção da punibilidade, ante o cumprimento das condições impostas para a suspensão processual, conta, aqui, mais um indício de que a repórter não fez mais do que narrar fatos efetivamente acontecidos em Joinville e que deram margem à instauração de ação penal.

À vista do exposto, não vejo configurada a prática de ato ilícito por parte da ré apelante, à míngua da intenção de macular ou ferir a imagem e a honorabilidade do autor apelado, porquanto se limitou a informar ao público sobre eventuais maus-tratos infligidos à irmã mentalmente incapaz.

A notícia, a meu sentir, não transpôs os umbrais do simples animus narrandi. E, assim, acerca do tema trago precedentes deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NOTÍCIA VEICULADA EM REPORTAGEM LOCAL. CUNHO ESTRITAMENTE INFORMATIVO. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO CALUNIOSA. DANO MORAL INEXISTENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Ap. Cív. 2007.056481-1, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 19-4-2011).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEI DEIMPRENSA. VEICULAÇÃO DE REPORTAGEM SOBRE INVESTIGAÇÃO DE FURTO E DESMANCHE DE VEÍCULOS. PUBLICAÇÃO QUE SE FUNDOU EM DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA POLÍCIA MILITAR À IMPRENSA. RÉ QUE DEU AMPLA E FIEL COBERTURA AOS FATOS. CULPA NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE ANIMUS CALUNIANDI OU DIFAMANDI. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO À LIBERDADE DE IMPRENSA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO (Ap. Cív. 2006.029764-9, rel. Des. Victor Ferreira, j. 12-5-2010).

DIREITO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - LEI DE IMPRENSA - IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU - IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR- MATÉRIA JORNALÍSTICA - ANIMUS DIFAMANDI - OFENSA À HONRA - INTERESSE PÚBLICO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA - ART. 27, VIII, LEI 5.250/67 - VIOLAÇÃO - INEXISTÊNCIA - DIREITO À HONRA E PRIVACIDADE - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.

Matéria jornalística veiculada que se limita a narrar os fatos, sem ofender a honra e a imagem do autor, não enseja danos morais (Ap. Cív. 2006.029217-5, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 18-8-2008).

Por ser o momento adequado, valho-me de excerto de ementa de acórdão encontradiço na ADPF n. 130/DF, da relatoria do eminente Ministro Carlos Aires Britto, julgado em 6-11-2009:

Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada. Precedência do primeiro bloco. Incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo de liberdade de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção a interesses privados que, mesmo coincidindo a posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabilidade civil por danos morais e materiais a terceiros. Relação de mútua causalidade entre liberdade de imprensa e democracia (RTJ 213/27).

Amparado em tais considerações, não vejo como devida a pretendida reparação pecuniária por danos morais, mormente porque a notícia não desbordou dos limites da informação e seu conteúdo é, finalisticamente, informativo e denunciativo, em face de possível cenário de maus-tratos contra incapaz.

Em razão do exposto, conheço do recurso de apelação da ré, ao qual provejo para julgar improcedentes os pedidos.

Consectário lógico disso é a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados, aqui, em R$ 1.500,00 (CPC, art. 20, § 4º), cuja cobrança fica suspensa ao longo dos próximos cinco anos, por tratar-se de beneficiário de Justiça Gratuita.

Este é o voto.


Gabinete Des. Luiz Carlos Freyesleben

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