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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Lei de Improbidade é uma das normas mais complexas




PROBLEMAS NA APLICAÇÃO


Por Luiz Manoel Gomes Junior e Rogerio Favreto


O fato é que a Lei 8.429/92 — que regulamenta o artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal (ação civil de improbidade administrativa) — é uma das leis mais polêmicas e complexas do Sistema Único Coletivo Brasileiro. Há com ela uma relação de amor e ódio. De um lado os membros do Ministério Público, que a utilizam como relevante instrumento de combate à corrupção e malversação do patrimônio público; de outro há as críticas de parcela dos advogados e dos gestores e administradores de bens públicos que apresentam ácidas críticas, alegando haver uma aplicação desarrazoada, empecilho à própria administração e à busca de interessados na assunção de cargos públicos de maior relevo.

Desde o início ocorrem problemas. O projeto originário aprovado na Câmara dos Deputados, encaminhado ao Senado Federal por conta do sistema bicameral brasileiro, acabou sendo completamente substituído naquela casa, que remetendo novamente o projeto para a Câmara, viu seu substitutivo rejeitado com o restabelecimento, pese as pequenas alterações, do projeto original, que seguiu diretamente para a sanção presidencial.

Na linha anteriormente defendida, não é correto o entendimento de que qualquer ilegalidade seja sempre um ato de improbidade administrativa. O Sistema Jurídico é mesmo complexo, mesmo para os aplicadores da lei, com decisões em vários sentidos até mesmo nos Tribunais Superiores, não podendo ser admitida a conclusão de que uma incorreta interpretação da lei seja um ato de improbidade administrativa, especialmente sem dolo ou má-fé (Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, 2ª ed., p. 131/132).

O que não se pode ignorar é que a posição em sentido contrário terá uma grave consequência para a Administração Pública, qual seja, afastar pessoas sérias e honestas, pois o risco de perder todos os bens ou sofrer graves penas pessoais e financeiras não justifica a atuação como agente público.

Alguns exemplos de condenações por ato de improbidade administrativa originários dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul: a) pagamento feito por prefeito municipal, sem autorização legal, de férias e 13º salário (TJSP — Apelação Cível nº 769.742-5/2-00); b) pagamento de advogado em benefício particular de prefeito municipal (TJSP — Apelação nº 0016108-91.2009.8.26.0066); c) deferimento de benefício sem base legal a vice prefeito (TJSP — Apelação nº 0216265-21.2008.8.26.0000); c-) uso de símbolo pessoal em bens públicos, violando o Princípio da Impessoalidade (TJSP — Apelação 990.10.210652-7); d) procurador municipal que advoga, contra expressa previsão legal, contra a pessoa jurídica de direito público que o remunera (TJRS — Apelação nº 70045358082); e) funcionários que incluem vantagem indevida nos recibos de pagamento (TJRS — Apelação nº 70040736761); f) terceirização de serviços com pessoa que não poderia contratar com o poder público (TJRS — Apelação 70045656527) e; g) emissão de laudo técnico falso em procedimento de licenciamento ambiental (TJRS — Apelação 70039682505), dentre vários outros.

Talvez um dos maiores problemas na aplicação da Lei de Improbidade seja a extensão da condenação, uma correta gradação das penas. A regra do parágrafo único, do artigo 12, da Lei de Improbidade Administrativa (atualmente também no seu caput) exige que haja — até em consonância com as diretrizes constitucionais — uma adequação na aplicação das penas. Em outros termos, mostra-se indispensável que as penas sejam aplicadas segundo os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade e que haja a devida motivação na imposição de cada uma delas (STJ — REsp. nº 507.574-MG, rel. Min. Teori Zavascki, j. 15.09.2005 — DJ 08.05.2006 e STJ — REsp. 885.836-MG, rel. Min. Teori Zavascki, j. 26.06.2007 — DJ 02.08.2007).

Agora com a Lei da Ficha Lima (Lei Complementar 135/2010) os problemas ficam ainda maiores, pois além dos efeitos no âmbito civil, uma condenação pela prática de ato de improbidade administrativa pode ter sérios reflexos eleitorais.

Dispõe o artigo 1.º, I, l, da Lei Complementar 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010: “Art. 1.º São inelegíveis: I — para qualquer cargo: l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar 135/2010)”.

Vários são os requisitos para a incidência da restrição legal. O primeiro é que na aplicação das penas tenha sido imposta a suspensão dos direitos políticos, já que se trata de uma exigência expressa. Se esta espécie de condenação não foi imposta não há a incidência da Lei da Ficha Limpa. Além disso, a decisão deve estar acobertada pela coisa julgada (art. 20, da Lei de Improbidade) ou pelo menos ter sido proferida por órgão colegiado (tribunal, por maioria ou por unanimidade), o que não causa maiores problemas na interpretação.

Como não há possibilidade de ser imposta a suspensão de direitos políticos em Ação Popular, eventuais condenações proferidas nesse tipo de demanda também não atende aos requisitos exigidos pela Lei da Ficha Limpa. Em outros termos: condenação em ação popular não torna admissível a imposição das restrições originárias da Lei da Ficha Limpa, especialmente pela impossibilidade de imposição da pena de suspensão de direitos políticos.

A celeuma está no trecho da lei que exige que o ato questionado judicialmente seja doloso e que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

O grave problema que tem se verificado é ignorar os efeitos da alteração legislativa, ou seja, a exigência de ato doloso. Não é qualquer condenação por ato de improbidade que tem efeitos eleitorais. O dolo mostra-se indispensável.

Por fim, um ponto relevante é verificar se pode ser aplicado o princípio da insignificância no caso de atos de improbidade administrativa, na linha de precedente do Supremo Tribunal Federal que entende que qualquer sanção somente pode ser aplicada se obedecidos os Princípios Constitucionais da Razoabilidade e da Proporcionalidade (STF — HC nº 84.412-SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.10.2004 — DJ 19.11.2004).

O tema foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça, não tendo sido admitida tal possibilidade (STJ — HC nº 148.765-SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.05.2010 — DJ 31.05.2010).

Discordamos desta posição, apesar dos seus argumentos e da inegável autoridade do Superior Tribunal de Justiça.

Impossível ignorar que mostra-se desproporcional o ajuizamento de uma Ação de Improbidade Administrativa se ausente um dano relevante para o valor a ser protegido. Deve ser ponderado que para a aplicação de qualquer sanção é indispensável uma adequação meio-fim, em outras palavras, a proporcionalidade. Na incidência do princípio da insignificância, o que se mostra relevante é a natureza ou magnitude da lesão provocada.

A título de exemplo, apropriar-se o agente público de clips da administração pública ou usar o telefone custeado pelo Poder Público para fins particulares, seriam atos de improbidade administrativa, o que sem dúvida não tem qualquer sentido. Não é esta a finalidade da lei.

Mas a nosso ver há diferença fundamental em sede penal com os atos de natureza civil: na primeira hipótese, o dolo do agente ou o diploma legal que contenha a norma incriminadora são irrelevantes. Pode-se invocar tal princípio, ainda que o crime seja doloso ou praticado por agente político, sob pena de violação ao princípio da igualdade jurídica, especialmente porque em uma sociedade pluralista e democrática, todos devem dar exemplo e não apenas aqueles que são eleitos.

Mas no âmbito civil, o entendimento contém nuances diferentes, ou seja, no nosso entendimento, somente condutas culposas admitiriam a incidência do princípio da insignificância, já que nem teria sentido afirmar que atos dolosos estariam fora dos limites da Lei de Improbidade, por menores que fossem. Nesses casos, a questão resolve-se pela gradação da pena. Se diminuto ou ínfimo, a pena deve ser aplicada levando tal aspecto em consideração, com a imposição apenas de uma multa, p. ex.

A atuação ética e moral é uma obrigação de toda a sociedade, o que afasta a posição de que agentes políticos não podem ser beneficiados com a incidência do Princípio da Insignificância.

O tema foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF — HC nº 104.286-SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03.05.2011 — DJ 20.05.2011), possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância mesmo em atos de improbidade administrativa , justamente questionando julgado retro mencionado do Superior Tribunal de Justiça (STJ — HC nº 148.765-SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.05.2010 — DJ 31.05.2010), tendo sido adotado o entendimento de que possível a adoção do Princípio da Insignificância mesmo que o ato questionado tenha a nota de improbidade administrativa.

Na concepção da Turma Julgadora resumida no voto do Ministro Gilmar Mendes, para a incidência do referido princípio devem ser sopeados os seguintes vetores: a) mínima ofensividade da conduta questionada; b) ausência de dano social originário da ação; c) reduzido grau de reprobabilidade.

Discordando do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, restou assentado que a condição pessoal do agente (prefeito municipal) e por se tratar de bem público, por si só eram insuficientes para afastar a aplicação do Princípio da Insignificância. O relevante para o julgador, na concepção do Supremo Tribunal Federal, é a avaliação dos aspectos de ordem objetiva (circunstâncias objetivas) na prática do ato, ou seja, o próprio fato e não atributos do agente.

Deste modo, em situações que sejam sob a ótica objetiva estritamente excepcionais, adequada a possível é a adoção do Princípio da Insignificância.

O que nos parece é que a forma de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa ainda encontra dois grandes problemas na sua aplicação: a) entender o que realmente deve ser considerado um ato de improbidade administrativa, evitando o ajuizamento quando presente simples ilegalidade, sem dolo ou culpa que seja grave e; b) uma correta e adequada gradação na imposição das penas.

Contudo, necessário destacar que referida norma tem sido um importante instrumento na defesa da probidade administrativa, nem tanto pela possibilidade de imposição de sanção, mas especialmente como um elemento que atua como fator inibidor da prática de atos de improbidade.

Há de ser invocada a advertência de autorizado magistério jurisprudencial: O certo é que: “Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto — nunca é demasiado reconhecê-lo — traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania. (...). Nenhum membro de qualquer instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade” (STF — MC em MS n° 24.458-DF, rel. Min. Celso de Mello).

O administrador e todos que se relacionam com a Administração Pública têm o dever de atuar com honestidade e na estrita obediência das leis da república.


Luiz Manoel Gomes Junior é advogado, professor nos cursos de mestrado em Direito da Unipar (PR) e da Universidade de Itaúna (MG). Doutor em Direito pela PUC-SP.
Rogerio Favreto é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ex-Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2007/10).
Revista Consultor Jurídico, 7 de novembro de 2012

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