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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Lutero é o culpado pela secularização, afirma livro



Postado por Paulo Lopes
por Massimo Faggioli para o jornal Europa 


Martinho Lutero é o pai
da reforma protestante

O catolicismo contemporâneo se debate, especialmente no ano do 50º aniversário do Concílio Vaticano II, com a questão da relação com a modernidade: para alguns era a hora de que ocorresse o encontro entre cristianismo e mundo moderno; para outros, a decisão do cristianismo e da Igreja Católica em particular de se abrirem à modernidade foi a decisão mais grave e desastrosa dos últimos cinco séculos.


Uma forma simplista de abordar a questão é dividir os primeiros dos segundos de acordo com as categorias políticas clássicas de "progressistas" e "conservadores". Essa divisão explica algo daquela divisão entre culturas religiosas, mas não é exaustiva, especialmente para a cultura religiosa (cristã e católica) não europeia e anglo-saxônica, e norte-americana em particular.

Um livro essencial para compreender essa questão – que é a questão do cristianismo contemporâneo – é o de Brad Gregory, The Unintended Reformation: How a Religious Revolution Secularized Society (Harvard University Press, 2012, 592 páginas). O livro de Gregory, professor de história da University of Notre Dame, nos Estados Unidos, aborda a questão em livro de peso e referências bibliográficas que não é um exagero definir como intimidatórios. 

Segundo a tese do livro, a reforma protestante, embora fosse uma reforma religiosa, causou a secularização do mundo ocidental: isso com base na decisão dos reformadores religiosos do século XVI de se livrarem de uma cultura filosófica e teológica (a aristotélica e tomista), em nome de um sistema teológico baseado na Bíblia, que abriu as portas a um extremo pluralismo teológico e confessional que, ao longo do tempo, obrigou o Ocidente a se tornar indiferente com relação à questão da verdade. 

Na Europa, especialmente, essa situação forçou o Estado moderno a garantir a liberdade religiosa, mas por parte de um poder declarada e crescentemente "secular" não no sentido de ateu ou agnóstico, mas sim no sentido de um poder "secular" que se encarregou de proteger e canalizar as expressões institucionais de busca da verdade religiosa.

O primeiro capítulo se intitula "Excluir Deus", partindo daquela cultura europeia que, no início do século XX (Kafka,Sartre, Beckett), excluiu Deus do horizonte de sentido do ser humano moderno com base no que, no segundo capítulo, Gregory chama de o processo de "relativização das doutrinas", causada pela rejeição da autoridade da Igreja e dos seus ensinamentos, desde o início da Reforma protestante. 

Essa relativização da verdade levou, segundo Gregory, ao direito à liberdade religiosa e, em seguida, conduziu o Estado moderno ao "controle das Igrejas" (capítulo três): isso levou a um processo de "subjetivização da moralidade", em um mundo em que se tornou difícil, senão impossível, fazer afirmações sobre a moral que não sejam percebidas como puramente individuais e, portanto, relativas e atacáveis. 

Nesse tipo de mundo, segundo Gregory, ideias como "virtude", "significado", "amor ao próximo", "cuidado dos pobres" tornaram-se ideias impraticáveis – senão na prática, certamente na teoria. Daí à criação de um mundo concentrado nas práticas do capitalismo e do consumismo, dominado pelas forças do mercado, a distância é curta e leva a uma "secularização do conhecimento", que excluiu a teologia e as ciências do divino não só das universidades, mas também do cânone das disciplinas úteis, sérias e intelectualmente respeitáveis no Ocidente industrializado.

O livro de Gregory, que leciona na universidade católica mais importante da América do Norte, mas certamente não pode ser contado entre os nostálgicos do catolicismo da apologética antiprotestante, enumera substancialmente uma série de fracassos: o fracasso histórico da reforma protestante, o fracasso da Europa moderna dos Estados confessionais e a crise da ideia de liberdade religiosa e de direitos humanos como utopia difícil de substanciar sem uma ideia de verdade enunciada sobre bases metafísicas. 

The Unintended Reformation corre o risco de subestimar a contribuição da reforma ao pôr fim a uma cultura de coerção e de violência em nome de Deus e ao dar início às grandes aquisições no campo dos direitos da consciência. Mas esse livro merece uma tradução italiana, até para ajudar o público e os historiadores italianos a violar de uma vez por todas o tabu que vê, desde sempre, a ideia da Reforma protestante como "progressista" e "liberal", contra uma ideia de catolicismo essencialmente reacionário e devocional.

O livro aponta o dedo contra as fragilidades sociais e políticas da modernidade ocidental, evidenciando as suas raízes teológicas, mas o livro de Gregory não é um livro que espera um retorno à Idade Média: no catolicismo, muitos nostálgicos daquela idade de ouro (que nunca existiu) poderiam aprender muito com esse livro, que é um livro antissecularista mas certamente não conservador ou reacionário.


Livro afirma que reforma abriu
portas para um extremo pluralismo

O livro de Brad Gregory é um livro que filosoficamente se baseia em Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, os dois pilares da teologia católica nos Estados Unidos, e que tem entre as suas referências filosóficas contemporâneas pensadores como Alasdair MacIntyre, muito crítico da reviravolta cultural adotada pelo catolicismo no século XX e, especialmente, com o Concílio Vaticano II. 

Mas The Unintended Reformation também se propõe como um útil contraponto à visão da modernidade oferecida há apenas alguns anos por Charles Taylor no seu monumental "Uma era secular" (Editora Unisinos, 2010), e como solução definitiva para aquela subespécie de cultura neoateia (Hitchens, Dawkins, Harris, com o seguidor italiano Odifreddi) que, nos últimos anos, lucrou vendendo a ideia de que a ciência é para os inteligentes, e a fé, para os crédulos.

The Unintended Reformation revela-se necessário também para compreender uma parte da cultura católica cada vez mais importante no mundo ocidental e no Vaticano, a do catolicismo norte-americano, cético com relação a uma modernidade econômica e tecnologicamente impiedosa, cada vez menos capaz de dar razão de si mesma, senão por fidelidade ao ídolo do crescimento, que há muito tempo já substituiu a muito mais compreensível ideologia do bem-estar.


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