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sexta-feira, 5 de abril de 2013

TJ/SC assegura reverção de doação de imóvel do Município de Joinville para Igreja Presbiteriana

Apelação Cível n. 2008.021772-6, de Joinville

Relator: Desa. Sônia Maria Schmitz

PRESCRIÇÃO. DOAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO. ANÁLISE DO MERITUM CAUSAE. ART. 515, § 3.º DO CPC.

Em se tratando de doação de imóvel público com cláusula resolúvel, não se há falar em prazo prescricional para o exercício da ação em que se pretende ver reconhecido o inadimplemento do encargo em questão.

"O art. 515, § 3º do Diploma Processual Civil, autoriza que o Tribunal, após afastar a prescrição, prossiga no exame do mérito, sem que isso importe em supressão de instância." (STJ - REsp n. 722.410, de São Paulo, rela. Ministra Eliana Calmon).

Descumprimento do ENCARGO. REVERSÃO.

A legislação de regência autoriza a revogação de doação modal ante a inobservância de encargo imposto e comprovadamente descumprido, gerando, por consequência, a reversão do imóvel, outrora doado, para o patrimônio do doador.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.021772-6, da comarca de Joinville (1ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Município de Joinville, e apelado Terceira Igreja Presbiteriana Independente de Joinville:

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e prover o recurso do autor para afastar a prescrição e, aplicando o art. 515, § 3º do CPC, julgar procedente o pedido. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado no dia 07 de março de 2013, os Exmos. Srs. Des José Volpato de Souza (Presidente), com voto, e Jaime Ramos.

Florianópolis, 20 de março de 2013.

Sônia Maria Schmitz

Relatora

RELATÓRIO

Município de Joinville ajuizou ação ordinária em face da Terceira Igreja Presbiteriana Independente de Joinville, noticiando, em síntese, que em novembro de 1979 doou o imóvel matriculado sob o nº 5.914, na 1ª Circunscrição Imobiliária, à ré (Lei n. 1.706/79), mediante a condição de edificação de um templo e demais benfeitorias complementares para fins de realização de atividades religiosas. Apregoou que a ré paralisou as atividades, utilizando o terreno para instalação de residência familiar. Discorrendo acerca do direito que o ampara, concluiu, clamando pelo acolhimento do pedido para que o bem seja restituído ao patrimônio público, com desocupação da casa residencial (fls. 02-06).

Citada, a requerida apresentou contestação, aventando, preliminarmente, prescrição. No mérito, defendeu o cumprimento do encargo, particularidade impeditiva da reversão almejada (fls. 19-26).

Após a réplica (fls. 31-33), a ré se manifestou dizendo ter promovido reforma do templo e prosseguimento das programações religiosas (fls. 35-36).

Colhido o parecer ministerial (fls. 46 e 49), sobreveio a r. sentença que, sob fundamento no art. 269, IV do CPC, acolheu a prescrição (fls. 51-55)

Inconformado, o Município apelou. Insurgiu-se contra a contagem prescricional, apregoou descumprimento da incumbência e pugnou pela minoração dos honorários (fls. 62-69).

Com as contrarrazões (fls. 80-87), os autos ascenderam a esta Corte, consignando a Procuradoria-Geral de Justiça a desnecessidade de sua intervenção (fls. 95-97).

Este é o relatório.




VOTO

O Município de Joinville, por intermédio do Prefeito Municipal, aprovou e sancionou a Lei n. 1.706 (28.11.79), cujas disposições autorizavam doação de terreno urbano à Terceira Igreja Presbiteriana Independente de Joinville, para que ali fosse edificado templo religioso e demais benfeitorias, bem como desenvolvidas atividades religiosas.

Na Escritura Pública de transferência constou a seguinte condição (R-2 - fl. 10):

[...] a proprietária representada neste ato pelo Exmo. Sr. Prefeito Municipal, Dr. LUIZ HENRIQUE DA SILVEIRA, já qualificado, doou o imóvel à TERCEIRA IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DE JOINVILLE, com sede nesta cidade, CGC/MF - sob nº 83.545.269/0001-80, neste ato representada por seu Presidente PastorDANIEL DA SILVEIRA, brasileiro, casado, CPF 050.360.899-87, residente e domiciliado neste município; pelo valor de Cr$ 315.554,00 (trezentos e quinze mil, quinhentos e cinquenta e quatro cruzeiros) enquanto estimam o imóvel referido, o qual destina-se a construção de um templo e demais benfeitorias complementares, o qual não poderá ser alienado e reverterá ao Patrimônio do Município de Joinville, inclusive as benfeitorias que nela vierem a ser construídas, e em caso de extinção, dissolução ou paralisação das atividades da donatária, ou ainda se lhe vier a ser dada destinação incompatível com os atuais estatutos da sociedade; e , que a construção do templo deverá ser efetivada dentro do prazo máximo de 2 anos a contar da data desta Lei; e quando descumprida esta exigência, o imóvel com suas benfeitorias reverterá obrigatoriamente ao Patrimônio do Município de Joinville.

Embora realizada a construção templária, tem-se que há anos a atividade religiosa foi paralizada e o templo abandonado sem condições de uso, razão pela qual o Município pretende a reversão do imóvel ao patrimônio público, ao argumento de descumprimento do encargo.

Nesse viés, caracterizada apresenta-se a doação modal, denominada como"aquela em que a liberalidade é limitada por uma incumbência que se atribui ao donatário, em favor do doador, de terceiro, ou no interesse geral" (SOUZA, Sylvio Capanema de Souza. Comentários ao Novo Código Civil. vol. VIII. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 233).

Em consonância, Carlos Roberto Gonçalves explica que a doação onerosa ou modal é

Aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência ou dever. Assim, há doação onerosa, por exemplo, quando o autor da liberalidade seja o município donatário a construir uma creche ou escola na área urbana dotada. (Direito Civil Brasileiro. v III: contratos e atos unilaterais. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 263).

Releva distinguir que a escritura de doação dispõe a respeito da possibilidade de reversão do imóvel ao Patrimônio Público, ante a inobservância da incumbência explicitamente imposta, particularidade que, como se vê, contempla condição resolutiva a que estava subordinado o negócio (fls 08 e 09).

A propósito,

No caso de condição resolutiva, dá-se de plano, desde logo, a aquisição do direito. A situação é inversa à condição suspensiva. O implemento da condição resolutiva "resolve" o direito em questão, isto é, faz cessar seus efeitos, extingue-se. A obrigação é desde logo exeguível, mas o implemento restitui as partes ao estado anterior. (Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil: parte geral. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 460).

Tratando-se, portanto, de doação de imóvel público com cláusula resolúvel, não se há falar em prazo prescricional para o exercício da ação em que se pretende ver reconhecido o inadimplemento do encargo em questão.

Veja-se:

ADMINISTRATIVO - DOAÇÃO RESOLÚVEL DE BEM PÚBLICO - DESCUMPRIMENTO DE ENCARGO - DESCONSTITUIÇÃO - PRESCRIÇÃO (ART. 178, PAR. 6. DO CC) - INAPLICABILIDADE - ART. 67 DO CÓDIGO CIVIL.

I - A doação de imóvel público obedece, unicamente, aos preceitos contidos na lei que o desafetou (C. Civil, art. 67);

II - Se a lei diz que a doação resolve-se de pleno direito, caso o imóvel não seja utilizado para os fins que justificaram a alienação, é defeso ao donatário inadimplente invocar as regras do art. 178 do Código Civil, para alegar a prescrição da ação. (STJ, Resp n. 56.612/RS, Min. Humberto Gomes de Barros).

E mais:

[...] há que se diferenciar o prazo para reversão das doações de imóveis particulares do prazo das doações de imóveis públicos. Aquela, de fato, prescreve em um ano contando o prazo do dia em que souber do fato que autoriza a revogação - art. 178, §6º, do Código Civil; esta, porém, obedece aos prazos fixados na lei que autorizou a doação, aplicando-se a reversão automática dos bens ao erário, em função do descumprimento de condição resolutiva. (TJSC, AC n. 2007.005871-0, de Caçador, rel. Des. Orli Rodrigues).

Também:

Tratando-se de doação com encargo - donatio sub modo -, com cláusula de reversão, ocorre a condição resolutiva com o descumprimento da obrigação consubstanciada no encargo, retornando o bem ao domínio do doador (CC, art. 1.180). A inexecução do encargo - causa non secuta - dá ensejo à reversão do bem em razão da condição resolutiva, o que não se confunde com revogação de doação, não se aplicando, portanto, a regra de prescrição contida no art. 178, I, do CC (TJSC, EDAC n. 1999.011536-4, Des. Anselmo Cerello).

Nessa compreensão, a insurgência comporta provimento nesse aspecto, para afastar o acolhimento da preliminar e, com fundamento no art. 515, § 3º do CPC, analisar a questão material, pois, em que pese a hipótese não se incluir dentre as arroladas no art. 267 do CPC, a atipicidade da extinção processual com análise de mérito, sem apreciação do tema pontual, autoriza o Tribunal a julgar a lide, quando tratar-se de matéria exclusivamente de direito e apresentar-se em plenas condições de julgamento.

A respeito, colhe-se da jurisprudência deste Tribunal:

PROCESSUAL CIVIL - PRESCRIÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC - CARÊNCIA DE AÇÃO - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL

1 A reforma da sentença que acolheu a prescrição, desde que suficientemente debatida e instruída a causa, habilita o juízo de segundo grau a apreciar o mérito. Embora não esteja incluída no art. 267 do Código de Processo Civil, essa causa de extinção, com análise atípica do mérito, não afasta a aplicação do § 3° do art. 515 do mesmo diploma legal. Precedente do STJ (REsp n. 89.240/RJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). (AC n. 2007.056448-8, de Lages, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

Superada essa particularidade, dos autos infere-se a existência de arcabouço probatório suficiente e hábil para refutar a tese expendida pela Terceira Igreja Presbiteriana Independente de Joinville.

Pois bem. É verdadeiramente explícito o ânimo que ensejou a doação, qual seja, a construção de templo religioso e o desenvolvimento de atividades religiosas (fl. 08). Todavia, a abordagem do caso não pode se dar simples e simpliciter, sem sopesar o efetivo propósito da transferência. Sim, o objetivo do Município não estava adstrito à edificação mas, logicamente, o encargo englobou a manutenção permanente do imóvel e das atividades religiosas, sem qualquer interrupção.

Dito de outro modo, competia à ré construir a igreja no prazo inserto na escritura pública (02 anos - fl. 9v) e, após, ofertar continuamente os serviços pertinentes, estando impedido, portanto, de encerrar os trabalhos e abandonar o patrimônio, ainda que ultrapassado aquele período.

De sorte que a inobservância da obrigação, ou seja, a falta de realização da atividade religiosa - como se depara escancaradamente das fotos arregimentadas às fls. 10-11, que demostram total incapacidade de utilização do imóvel para fins de aglomeração de fiéis, visto ausência de parte das telhas, a presença de vidros quebrados nas janelas, porta quebrada e madeiras das paredes apodrecidas -, bem como a notória destinação do bem para fins residenciais (fl. 12) (já que o único bem com condições de uso era o da casa residencial), enseja a reversão do imóvel, outrora doado, para o patrimônio do autor.

Em reforço, cita-se:

O que se passa na verdade com o donatário, é que ele contrai para com o doador uma série de obrigações, que podem ser positivas ou negativas, de face ou non facere, ou de dare ou non dare, que são, num certo sentido, esperadas (rectius, desejadas) por este, mas que, se por acaso não forem realizadas, iludindo-se, por conseguinte, a justa expectativa do doador, que só contratou porque confiava plenamente numa determinada atitude ou atividade do donatário, autorizada fica a revogação.' ('José Eduardo Rocha Frota. Ação revogatória da doação. Revista do Processo, nº 19, ano 5, ano 1980, págs. 67-97).

Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e provimento do recurso do autor para afastar a prescrição e, aplicando o art. 515, § 3º do CPC, julgar procedente o pedido, com inversão do ônus sucumbencial.

Este é o voto.

Gabinete Desa. Sônia Maria Schmitz(DP)


Fonte: Portal do TJ/.SC

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