Não há mais lugar para amar com hora marcada
Por Adriano José Borges Silva
O presente artigo não abordará relações amorosas remuneradas, nem tão pouco o direito a visitas íntimas de internos prisionais, como o título poderia sugerir. O objeto é muito mais espinhoso: trata-se de uma abordagem contemporânea sobre uma visão retrógrada dos direitos de guarda, alimentos e visita de menores, filhos de pais separados.
O século XXI, apesar de imberbe, já é repleto de verdadeiras revoluções sociais e de costumes. A cada ano, as mulheres asseguram ainda mais a igualdade de condições duramente conquistada no final do século XX. O sucesso profissional ou o exercício de funções máximas da República não são mais exclusividades masculinas. Ao contrário, as mulheres não só as alcançaram, como estão se destacando em maior grau de eficiência do que os homens.
É inelutável o protagonismo feminino nos tempos atuais em comparação ao papel coadjuvante que desempenhava anteriormente. Contudo, apesar de lutar pela igualdade de condições com o gênero masculino e das conquistas obtidas, alguns ranços conservadores do século passado perduram até hoje. Notadamente quando se trata de guarda, alimentos e visita de filhos menores de idade.
Costumo dizer que a contemporaneidade, com os sensíveis avanços das relações paternas e maternas nesse novo milênio, há muito deixou de considerar o homem como “reprodutor-provedor” e a mulher como “sexo frágil”. Entretanto, o Poder Judiciário, ainda atrelado a paradigmas ultrapassados da primeira metade do século XX, teima em enxergar a figura paterna no exercício da guarda de filhos menores. Quando muito, entende por bem estipular a “guarda compartilhada”.
Muitos magistrados e, infelizmente, colegas advogados, encaram a maternidade, em absoluto descompasso com a contemporaneidade, como único “colo acolhedor” e a paternidade como “bolso provedor”. É uma completa desafinação com os tempos atuais.
Ao homem, o ônus solitário de prover a cria! À mulher, o bônus de fruir, egoisticamente, os momentos de alegria! A igualdade veiculada no artigo 5º, I, da Carta Magna parece valer somente quando em benefício do gênero feminino.
É extremamente raro um pai obter a guarda dos filhos e o atraso, mesmo que justificado, da pensão alimentícia, culmina muitas vezes na prisão do genitor. Em contrapartida, a pensão alimentícia, não raro ruinosamente administrada pela mãe, é tratada como verdadeiro “cheque em branco”, desprovida de qualquer satisfação a quem herculeamente se desdobra para pagar.
É claro que não se olvida da existência de incontáveis mães responsáveis, verdadeiras heroínas, que se esforçam para sustentar sozinhas seus filhos, diante do abandono paterno. Essas últimas merecem o reconhecimento e o aplauso de todos. E, certamente, não temem prestar contas das despesas do filho em comum.
Entretanto, algumas mulheres, mães despreparadas e irresponsáveis, consideram a pensão alimentícia um verdadeiro “concurso público”. Acomodam-se e se entregam à sanha parasitária ad voluptatem, em desproveito das necessidades do próprio filho.
Nessa toada, é evidente que o titular do direito de exigir a prestação de contas não é aquele quem paga a pensão alimentícia, mas a própria criança a favor de quem são devidos os alimentos. E aquele genitor que não detém a guarda, mas titular do poder familiar (muito mais amplo do que a guarda do menor) e no exercício da representação prevista no artigo 1.634, V, do Código Civil, não só pode como deve requerer judicialmente a prestação de contas em nome do filho, em desfavor daquele que administra a pensão alimentícia.
Os artigos 1.583, parágrafo 3º e 1.589, parte final, do Código Civil reforçam ainda mais a legitimidade processual prevista no artigo 1.634, V, ao dispor que “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos” e “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
Não resta dúvida, portanto, que o término da relação conjugal não altera a legitimidade de nenhum dos genitores no que diz respeito à representação dos filhos judicialmente. O artigo 1.632 do CC/02 é de uma clareza solar ao rezar que, em regra, a única alteração advinda do término da relação conjugal se dará no campo da guarda. O que não se confunde, como vimos, com poder familiar (que alberga a representação).
Vê-se, assim, que a ação de prestação de contas tendo como objeto alimentos devidos a menores, é legítima e cabível. E, em se apurando crédito, no bojo da prestação de contas, o mesmo deve ser revertido em prol da criança e não daquele que se obrigou à prestação alimentar. Tal crédito, em face do princípio constitucional da igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, pode ser cobrado, inclusive, mediante o rito de prisão civil, aplicável analogamente ao caso.
Por outro lado, não há falar-se em alimentos sem que consideremos a colaboração mútua dos genitores para a mantença da prole comum, não podendo o dever de alimentar conduzir ao sacrifício de apenas um dos genitores. A tríade alimentar é formada pelo princípio constitucional da proporcionalidade, ponderado entre os parâmetros possibilidade-necessidade.
Em síntese, a obrigação alimentar, à luz do ordenamento jurídico do século XXI, há de ser compartida por ambos os genitores, cabendo a cada qual, proporcionalmente à respectiva possibilidade, assumir a responsabilidade de fazer frente às necessidades alimentares dos filhos.
Por fim, no que diz respeito ao direito de visitas, depois de finda a relação conjugal, se faz necessário contemplar e privilegiar os interesses da criança, notadamente a mantença da convivência com o genitor que não detém sua guarda, para impedir o rompimento dos laços afetivos entre eles.
O “direito de visita” deve ser interpretado contemporaneamente muito mais como um direito do filho em relação ao genitor que não tem a guarda ou em relação a qualquer parente (avós, tios, etc.), cuja convivência lhe interesse, do que como um direito daquele que não detém a guarda em relação ao filho.
Essas ocasiões de visitas devem ser fluídas, nunca com hora marcada para começar ou terminar. O bom senso deve sempre superar o egoísmo e o espírito vingativo daquele que detém a guarda da criança. Impedir ou dificultar a convivência da criança e seu pai (em regra, antiquadamente, a guarda é materna) causa profundos danos imateriais ao próprio filho.
Não é à toa, pois, que a Lei 12.318/2010 coíbe a alienação parental, que pode se apresentar na forma de conduta que vise “dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar”.
Em verdade, o ordenamento jurídico contemporâneo e a melhor interpretação doutrinária do século XXI não só asseguram ao pai desprovido da guarda os direitos e obrigações inerentes à sua paternidade, como garantem à criança a sadia convivência com sua família paterna.
Ademais, dia após dia, surgem cada vez mais pais contemporâneos que não qualificam a criação do filho como ônus, como muitas mães costumam dizer. São pais participativos, afetuosos e preocupados verdadeiramente com a formação intelectual e psíquica dos seus filhos. Que não se satisfazem em “pagar” pensão e “passear” ocasionalmente com o respectivo infante.
A quebra de paradigmas do século passado e os novos enfoques da relação entre pais e filhos devem ser levados em consideração nesse novo milênio. Não há mais lugar para “amar com hora marcada”. O amor paterno-filial não pode ser represado ao bel prazer do insaciável espírito vingativo da mulher desprezada, pois como diria Shakespeare: “nem mesmo os infernos conhecem a fúria de uma mulher rejeitada”.
Adriano José Borges Silva é advogado.
Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2013
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