ISABEL COUTINHO (Em Paraty)
Não poderia haver local mais apropriado para se discutir o narcotráfico do que em Paraty, uma das cidades mais violentas do Rio de Janeiro. Foi a este lugar que Roberto Saviano não veio.Os jornalistas Ioan Grillo (à esquerda) e Diego Osorno (à direita) protagonizaram uma das melhores sessões desta edição da FLIP WALTER CRAVEIRO
Roberto Saviano não esteve em Paraty mas enviou um vídeo e foi como se estivesse.
A sua cara enche os ecrãs gigantes da Tenda dos Autores e dos que ficam ao ar livre espalhados pelo recinto no dia de encerramento da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). “Nunca tive pretensão de mudar nada. Não creio ter outro objectivo ou outro interesse a não ser partilhar. Não sei o que advirá de contar todas essas histórias que eu quis contar justamente num estilo literário. O que advirá, o que acontecerá? Só sei que quero partilhá-las”, disse o escritor italiano que foi o grande ausente desta 13ª edição da FLIP.
Explicou que tinha pena de não estar em Paraty, mas infelizmente aconteceu-lhe aquilo que lhe acontece muitas vezes desde que escreveu Gomorra e vive sob escolta policial por ter sido ameaçado de morte pela Camorra italiana: cancelou a sua vinda ao festival à última hora por razões de segurança.
Recentemente o escritor voltou a Casal di Principi - o povoado em Caserta de que fala na sua obra e que foi a capital da Camorra por muitos anos -, onde já não ia há oito anos e isso criou novamente, à sua volta, uma disciplina de protecção elevada. “O livro que escrevi [ZeroZeroZero - A Cocaína Governa o Mundo, editado pela Objectiva] tem o coração na América Latina. O Brasil tem um papel importante no tráfico de coca”, afirma. Explica que o poder criminal no Brasil, a estrutura mafiosa que agora abrange também as organizações de São Paulo e do Rio, aquilo a que ele chama “máfia brasileira”, é uma estrutura com regras, com códigos morais de comportamento, com tribunais internos e está preparada para influenciar o sistema económico e político.
“Não pode existir a criação de um poder económico criminoso sem uma conivência e uma aliança com a burguesia saudável do país.
É este elo que precisa de ser descrito. A periferia napolitana bombeia dinheiro do centro de Itália; as favelas e o mundo criminal brasileiro bombeiam dinheiro da economia legal brasileira”, lembra o autor cuja participação na FLIP foi substituída pela mesa Jornalismo de Guerrilha, com o inglês Ioan Grillo e o mexicano Diego Osorno, especializados na cobertura da guerra entre cartéis mexicanos de traficantes de drogas, moderados pela antropóloga Paula Miraglia, e que acabou por ser uma das mais interessantes e das melhores do festival literário. Em Paraty esteve ainda o cartoonista francês Plantu, que também tem protecção policial, como se viu no palco onde esteve ao lado do francês Riad Sattouf e o brasileiro Rafa Campos a falar sobre os limites do humor tendo o atentado à redacção do Charlie Hebdo como pano de fundo.
É este elo que precisa de ser descrito. A periferia napolitana bombeia dinheiro do centro de Itália; as favelas e o mundo criminal brasileiro bombeiam dinheiro da economia legal brasileira”, lembra o autor cuja participação na FLIP foi substituída pela mesa Jornalismo de Guerrilha, com o inglês Ioan Grillo e o mexicano Diego Osorno, especializados na cobertura da guerra entre cartéis mexicanos de traficantes de drogas, moderados pela antropóloga Paula Miraglia, e que acabou por ser uma das mais interessantes e das melhores do festival literário. Em Paraty esteve ainda o cartoonista francês Plantu, que também tem protecção policial, como se viu no palco onde esteve ao lado do francês Riad Sattouf e o brasileiro Rafa Campos a falar sobre os limites do humor tendo o atentado à redacção do Charlie Hebdo como pano de fundo.
Violência e marinas de luxo
Quando se soube que o jurado de morte pela Camorra italiana cancelou a vinda à FLIP por motivos de segurança, o escritor brasileiro Ronaldo Bressane escreveu no seu blogue Impostor: “Vai à FLIP? O mais bravo jornalista do mundo, Roberto Saviano, não vai. Ligue os pontos”. Nesse texto, que se tornou viral, lembra que Paraty é hoje a terceira cidade mais violenta do Rio de Janeiro; em Maio o prefeito de Paraty e o seu assistente foram alvejados com tiros na cabeça quando saíam da câmara municipal, perto do local onde fica a Tenda dos Autores, por um homem numa mota que fugiu sem ser identificado. E o crime ainda não foi resolvido. Dois dias depois, uma criança de seis anos foi alvejada por uma bala perdida durante “uma escaramuça” entre o Comando Vermelho (que domina a localidade Ilha das Cobras) e o Terceiro Comando (que domina a localidade Mangueira) e que num episódio parecido no centro da cidade, na Praça Matriz, durante o último Carnaval, morreu um rapaz e várias pessoas ficavam feridas.
Quem chega a Paraty entusiasmado com a literatura e passa o dia na área onde se realiza aquele que é o mais importante festival literário do Brasil, percebe que Paraty é uma cidade de contrastes mas não se apercebe de toda esta violência. Embora este ano houvesse um carro da polícia em cada esquina, muito mais do que nas últimas edições (foi montado um esquema de segurança sem precedentes pela Polícia Militar). Quem ainda está na cidade no dia seguinte ao encerramento da FLIP, sabe do vaivém barulhento de aeronaves que partem do aeroporto que divide a Paraty rica da pobre e transportam quem veio ao festival de avião particular. Mas é preciso estar três meses em Paraty e sair da área da pousada - como esteve Ronaldo Bressane numa residência literária - para descrever, como ele descreve, o condomínio Laranjeiras, que tem 150 casas desocupadas o ano inteiro menos uma. Os proprietários só as usam um mês por ano ou quando vêm à FLIP, andar no meio da lama e da chuva como aconteceu este ano, com as suas carteiras e roupas de marcas de luxo.
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