| Processo: | Apelação Cível nº 2007.046088-1 |
| Relator: | Joel Figueira Júnior |
| Data: | 01/09/2011 |
Apelação Cível n. 2007.046088-1, de Capital
Relator: Des. Joel Dias Figueira Júnior
APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS CONTRA DEPUTADO FEDERAL.
SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. EXEGESE DO ARTIGO 53 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. INVIOLABILIDADE RELATIVIZADA.CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. LIDE EM
CONDIÇÕES DE JULGAMENTO. POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO PELO ÓRGÃO SUPERIOR
COM FULCRO NO ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DISCURSO
PROFERIDO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. EXPOSIÇÃO BASEADA EM FATOS
INVERÍDICOS. OFENSA CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO.
I
- Ao garantir a Constituição Federal aos Deputados e Senadores a
inviolabilidade, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos, conferindo-lhes imunidade material (responsabilidades
civil, penal e administrativa - político-disciplinar), manifesto o
intuito de preservá-los em razão da função pública exercida em prol da
comunidade, na qualidade de membros do Poder Legislativo.
Evidentemente,
significa dizer que a inviolabilidade preconizada no texto
constitucional, por estar intimamente relacionada com o exercício do
mandato, é respeitante às opiniões, palavras e votos revestidos de
conteúdo político, jurídico, social ou econômico, jamais de ordem
pessoal, ofensiva e afrontosa à honra de qualquer pessoa.
Assim,
não há falar em carência de ação por impossibilidade jurídica do
pedido, uma vez que se faz necessário a análise do mérito, in casu,
do discurso proferido pelo Deputado em plenário, para verificar a
existência ou não de excesso e prática de ilícito civil em face das
palavras por ele proferidas.
II - Nada obstante a
extinção do processo em primeiro grau, sem resolução do mérito, pelo
reconhecimento da carência de ação por impossibilidade jurídica do
pedido, uma vez afastada nesta instância e encontrando-se a lide em
condições de ser resolvida de plano, pode o órgão julgador ad quem decidir sobre o mérito propriamente dito, conforme o disposto no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.
III
- Não pode o Deputado Federal pretender defender-se sob o pálio da
inviolabilidade, quando ofende a honra da antiga Prefeita Municipal de
Florianópolis pondo em dúvida a sua credibilidade política, ao afirmar
que a autora teria sido condenada por peculato, quando o processo
judicial foi arquivado diante da ausência de indícios de autoria das
acusações.
Comportamento reprovável desta
espécie, de caráter pessoal e ofensivo a honra da vítima, não pode ser
protegido pelo tão decantado manto constitucional da imunidade material,
porquanto limitado em seus próprios e elevados escopos.
IV
- Ademais, dentro de um sistema de freios e contrapesos, a
inviolabilidade parlamentar encontra limitação nos direitos da
personalidade da vítima, garantidos, igualmente, por preceito
constitucional, erigido como fundamental, conforme os ditames do artigo
5°, X, da Constituição Federal.
Vistos, relatados e
discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.046088-1, da comarca
de Capital (5° Vara Cível), em que é apelante Ângela Regina Heinzen Amin Helou e apelado Mauro Guimarães Passos:
ACORDAM,
em Primeira Câmara de Direito Civil, por unanimidade, conhecer do
recurso, dar-lhe provimento para afastar a carência de ação, e, com base
no artigo 515, §3°, do Código de Processo Civil, julgar procedente o
pedido inicial. Custas legais.
RELATÓRIO
Ângela Regina Heinzen Amim Helou ajuizou ação de reparação por danos morais contra
Mauro Guimarães Passos pelos fatos e fundamentos jurídicos descritos na
exordial de fls. 1-12, integrando este acórdão o relatório de fls.
177-178 contido na sentença recorrida.
Regularmente citado, o Réu ofereceu resposta em forma de contestação (fls. 39-53).
Sentenciando (fls. 177-186), o Magistrado declarou extinto o processo, sem resolução do mérito, em razão da impossibilidade jurídica do pedido.
Inconformada,
a Autora interpôs recurso de apelação (fls. 191-197) repisando os
mesmos fatos e fundamentos jurídicos articulados em primeira instância,
concluindo pela reforma da sentença a fim de ser julgado procedente o
pedido inicial, uma vez que o Réu não está protegido pela
inviolabilidade parlamentar.
A parte recorrida deixou transcorrer em branco o prazo para oferecimento de contrarrazões (fl. 202).
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso.
É o relatório.
VOTO
A
Autora objetiva a reparação por danos morais que o Réu teria lhe
causado em decorrência de discurso proferido na câmara de deputados, em
16-7-2003, em que teria proferido palavras maliciosas com o intuito
exclusivo de denegrir a imagem da Requerente.
É o seguinte teor do discurso em que se funda a pretensão da Autora:
[...]
Gostaria de trazer outro relato que também diz respeito à Prefeitura de
Florianópolis. Em 1997, para a promoção de 24 Festa da Tainha, peixe
tradicional da nossa terra, a Prefeita Angela
Amim angariou 560 mil reais por intermédio da Lei do Mecenato, do
Ministério da Cultura. Esses recursos foram desviados, o que motivou a
criação de uma CPI na Câmara Municipal da Capital. Cabe ressaltar que
dos 21 vereadores que ali têm assento, 16 faziam parte da base de apoio à
Prefeita. Mesmo assima CPI prosperou. Em função do que foi apurado,
foram afastados os Secretários de Turismo e de Cultura, e condenada a
Prefeita [...] (fl.15).
Restringe-se o conflito
jurisdicionalizado em identificar-se eventual prática de ilícito civil
contra a autora pelo Recorrido e se a manifestação plenária realizada
pelo Recorrido estaria sob o pálio da inviolabilidade parlamentar
conferida aos Deputados, com todos os seus consectários.
Infere-se
do disposto no artigo 53 da Constituição Federal: "Os deputados e
Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos".
A dita imunidade
material conferida em sede constitucional, assim compreendida como
excludente de responsabilidade civil, penal e político-disciplinar
(administrativa), tem por escopo preservar os parlamentares no exercício
de seus respectivos mandatos, por suas opiniões, palavras e votos,
diante da função pública exercida, na qualidade de membros do Poder
Legislativo.
Sem dúvida, se assim não fosse, a
independência dos membros do Poder Legislativo estaria comprometida, e,
por conseguinte, a própria estabilidade e manutenção do estado
democrático de direito.
Evidentemente, a
inviolabilidade preconizada no texto constitucional, por estar
intimamente relacionada com o exercício do mandato, é respeitante às
opiniões, palavras e votos revestidos de conteúdo político, jurídico,
social ou econômico, jamais de ordem pessoal, ofensiva e afrontosa à
honra de qualquer pessoa.
Sobre o tema é a doutrina de Alexandre de Moraes:
Em
síntese, a imunidade material é prerrogativa concedida aos
parlamentares para o exercício de sua atividade com a mais ampla
liberdade de manifestação, por meio de palavras, discussão, debate e
voto; trata-se, pois, a imunidade, de cláusula de irresponsabilidade
funcional do congressista, que não pode ser processado judicialmente ou
disciplinarmente pelos votos que emitiu ou pelas palavras que pronunciou
no Parlamento ou em uma de suas comissões.
A
imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos,
palavras, opiniões e votos proferidos no exercício do ofício
congressual, sendo passíveis dessa tutela jurídico-constitucional apenas
os comportamentos parlamentares cuja a prática possa ser imputável ao
exercício do mandato legislativo. A garantia da imunidade material
estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder
Legislativo, qualquer que seja o âmbito dessa atuação - parlamentar ou
extraparlamentar -, desde que exercida ratione muneris.
Portanto,
a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar, em sentido
material, protege o parlamentar em todas as suas manifestações que
guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do
recinto da própria Casa Legislativa, ou, com maior razão, quando
exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (Constituição do Brasil
Interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo:Atlas. 2006, p. 1078).
Sobre o tema decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL
E ADMINISTRATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. MANIFESTAÇÕES
DIFUNDIDAS NO INTERIOR DO PLENÁRIO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA.
INEXISTÊNCIA DE DEVER DE REPARAÇÃO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
FIXAÇÃO. JUÍZO DE ORIGEM. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A
imunidade parlamentar material que confere inviolabilidade na esfera
civil e penal a opiniões, palavras e votos manifestados pelo
congressista (CF, art. 53, caput) incide de forma absoluta quanto às
declarações proferidas no recinto do Parlamento.
2.
In casu, a manifestação alegadamente danosa praticada pela ré foi
proferida nas dependências da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro. Assim, para que incida a proteção da imunidade, não se faz
necessário indagar sobre a presença de vínculo entre o conteúdo do ato
praticado e a função pública parlamentar exercida pela agravada, pois a
hipótese está acobertada pelo manto da inviolabilidade de maneira
absoluta.
Precedente: "EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA
QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA,
COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE:
CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO. A palavra
"inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do
parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal
inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar,
porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição
Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto
aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional
nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas
ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas
últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da
chamada "conexão como exercício do mandato ou com a condição
parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no
interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das
ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da
inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o
parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.
No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa,
estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as
entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir
e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em
mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada" (INQ 1.958,
Redator para o acórdão o Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ
18.02.05). [...] (RE. 576074 AGR/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 1° turma, j.
26-4-11).
Nessa linha, firma o Superior Tribunal Federal a seguinte orientação:
CRIMINAL.
HC. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. VEREADOR. OFENSAS IRROGADAS EM
PLENÁRIO. IMUNIDADE MATERIAL. INVIABILIDADE DE AÇÃO PENAL. ORDEM
CONCEDIDA.
I - Evidenciado que as palavras do
paciente - reputadas ofensivas pelo querelante - foram proferidas em
razão de discussão de matéria atinente ao exercício de suas funções
parlamentares, verifica-se a incidência da imunidade parlamentar,
prevista constitucionalmente.
II. A jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento que os discursos
proferidos na tribuna das Casas legislativas estão amparados, quer para
fins penais, quer para efeitos civis, pela cláusula da inviolabilidade,
vez que nitidamente se revestem de caráter intrinsecamente parlamentar.
Precedentes.
III. Ordem concedida, para trancar a
ação penal movida contra o paciente (HC. n. 135108/SP, rel. Min. Gilson
Dipp, Quinta Turma, dj. 3-3-2011).
Filiamo-nos a
essa linha intermediária de interpretação da garantia constitucional da
inviolabilidade do parlamentar, na exata medida em que não pode servir
de privilégio odioso para acobertar excessos praticados por membros do
Legislativo (federal, estadual ou municipal), em caráter particular,
fora de um contexto sócio-político, jurídico e/ou econômico do ato
praticado.
Desta feita, não há falar em carência
de ação por impossibilidade jurídica do pedido, como foi declarado pelo
Magistrado sentenciante, pois necessário se faz a análise de mérito do
discurso proferido pelo Réu, para averiguar se o Deputado,em seu
discurso, proferiu ofensas à Autora fora do contexto político.
Desse
modo, afastada a carência de ação, e, encontrando-se a lide em
condições de ser resolvida de plano, porquanto a prova documental
juntada aos autos é suficiente para a análise do caso, passa-se ao
julgamento do feito, conforme o permissivo insculpido no artigo 515, §
3°, do Código de Processo Civil, em observância aos princípios da
celeridade, efetividade e economia.
Segundo os
documentos de fls. 54-163, a Autora foi apontada pela CPI como
responsável por irregularidades cometidas em festas populares de
Florianópolis; contudo, por ocasião do julgamento do inquérito a
Requerente foi excluída da lide, tendo o processo sido arquivado (fls.
17-27), o que demonstra a inveracidade da informação narrada na tribuna
pelo Parlamentar.
É cediço que o homem público é
foco de atenções de todos os seguimentos da sociedade, e, por razões
óbvias e elementares, está sujeito a críticas em face de sua atuação no
exercício da função inerente ao cargo ocupado, motivo pelo qual o
ilícito civil fundado em dano à honra há de ser analisado com muito
comedimento.
Analisando-se percucientemente o
discurso proferido pelo Réu, verifica-se que o seu conteúdo tem a nítida
intenção de criticar de forma veemente a antiga Prefeita do município
de Florianópolis (ora Recorrente), vislumbrando-se ofensa capaz de dar
azo ao decreto condenatório de compensação pecuniária pelos prejuízos
extrapatrimoniais que alega ter sofrido.
Ademais,
dentro de um sistema de freios e contrapesos, a inviolabilidade
parlamentar encontra limitação nos direitos da personalidade da vítima,
garantidos, igualmente, por preceito constitucional, erigido como
fundamental (artigo 5°, x, Constituição Federal), no caso o direito a
honra, o nome e a imagem da vítima.
Em situações
como essas, o dano decorre do fato em si, independentemente da
demonstração de culpa ou efeitos do próprio ilícito, devendo ser
reprovado o ato praticado pelo Recorrido, porquanto violador de direito
da personalidade da Recorrente.
Portanto, para a
fixação da importância a ser estabelecida, a título de condenação pelo
abalo moral sofrido, devem ser sopesados vários fatores, como a situação
sócio-econômica de ambas as partes, o grau de culpa do agente e a
proporcionalidade entre o ato ilícito e o dano suportado pela vítima,
sem perder de vista o caráter profilático, pedagógico e inibidor da
providência judicial.
Assim, em cada caso
concreto, há de se estabelecer, prudentemente, de acordo com os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o quantum que
possa, efetivamente, servir como compensação aos danos morais, tendo-se
sempre presente que são eles insuscetíveis de indenização.
Nessa
linha, não pode ser arbitrada a quantia em valor irrisório para o
ofensor, bem como proporcionar um enriquecimento sem causa ao ofendido.
Diante
das particularidades, fixa-se a compensação pecuniária em R$ 50.000,00,
acrescida de correção monetária, a contar da data da publicação do
acórdão, e juros moratórios, a contar da pratica do ato ilícito (súmula
54 do STJ), até o efetivo pagamento, condenando-se o vencido nas
despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o
valor da condenação.
Ante o exposto, há de se
conhecer do recurso, dar-lhe provimento para afastar a carência de ação,
e, com base no artigo 515, §3°, do Código de Processo Civil, julgar
procedente o pedido inicial.
DECISÃO
Nos
termos do voto do Relator, decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil,
por votação unânime, conhecer do recurso, dar-lhe provimento para
afastar a carência de ação, e, com base no artigo 515, §3°, do Código de
Processo Civil, julgar procedente o pedido inicial, para condenar o
Requerido ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de danos morais,
acrescido de correção monetária, a contar da data da publicação do
acórdão e juros moratórios, a contar da pratica do ato ilícito (súmula
54 do STJ), até o efetivo pagamento, condenando-se, ainda, o vencido nas
despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o
valor da condenação.
O julgamento, realizado no
dia 9 de agosto de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor
Desembargador Carlos Prudêncio, com voto, e dele participou a
Excelentíssima Senhora Desembargadora Substituta Cinthia Beatriz da
Silva Bittencourt.
Florianópolis, 10 de agosto de 2011.
Joel Dias Figueira Júnior
RELATOR
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