quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O retrato da minha mulher e de muitas outras que conheço

(...)  o coração terno que tem. Toda ela é maternidade. Aos próprios animais estende a simpatia. (...) 

- Nunca lhe falaram de um terceiro filho que tiveram, e ela amava muito? 

— Creio que não; não me lembra. 

— Um cão, um pequeno cão de nada.

Foi ainda no meu tempo.

Um amigo do padrinho levou-lho um dia, com poucos meses de existência, e ambos entraram a gostar dele.

Não lhe conto o que a madrinha fazia por ele, desde as sopinhas de leite até aos capotinhos de lã, e o resto; ainda que me sobrasse tempo, não acharia crédito em seus ouvidos.

Não é que fosse extravagante nem excessivo; era natural, mas tão igual sempre, tão verdadeiro e cuidadoso que era como se o bicho fosse gente.

O bicho viveu os seus dez ou onze anos da raça; a doença achou enfermeira, e a morte teve lágrimas.

Quando entrar no jardim, à esquerda, ao pé do muro, olhe, foi aí que o enterraram; e já me não lembrava, a madrinha é que mo apontou ontem.

 MACHADO DE ASSIS - Memorial de Aires

Nenhum comentário:

Postar um comentário