domingo, 15 de janeiro de 2012

Edson Andrino, a liberdade de comunicação e expressão e o blogueiro Mosquito - Uma decisão do TJ/SC

Processo: Agravo de Instrumento nº 2010.081143-5
Relator: Sônia Maria Schmitz
Data: 25/08/2011
Agravo de Instrumento n. 2010.081143-5, da Capital
Relatora: Desembargadora Sônia Maria Schmitz
Agravo de instrumento. Descumprimento de decisão judicial. Suspensão da hospedagem de site ou blog. Medida acautelatória em tutela antecipada. Liminar. REQUISITOS.
"Não há dúvidas em que existem características comuns às medidas antecipatórias e às medidas cautelares: umas e outras supõem um juízo de verossimilhança das pretensões do postulante (aparência do bom direito, mais intenso na AT, menos intenso quando pressuposto à concessão de providências cautelares) e supõem, igualmente, regra geral, o caráter de medida de urgência.
[...]
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, 'não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na liminar do art. 273, providências preventivas que, com maior rigor, deveriam ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que as da tutela cautelar' (art. dout. In Rev. Jurídica, vol. 253/44)." (CARNEIRO. Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 6. ed. 2005. Rio de Janeiro: Forense. p. 40-41).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2010.081143-5, da comarca da Capital (3ª Vara Cível), em que é agravante Amilton Alexandre, e agravado Edson Adrião Andrino de Oliveira:
ACORDAM, em Quinta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer e desprover o recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Amilton Alexandre interpôs agravo de instrumento em face da decisão que, nos autos da ação cominatória com pedido de indenização n. 023.08.070543-2, determinou a suspensão de todo e qualquer registro de domínio da internet em nome do requerido, bem como a confecção de novos registro, haja vista o descumprimento de ordem judicial. Sustentando ofensa à liberdade de expressão e perigo de dano, pugnou pela concessão do efeito suspensivo e, a final, o provimento do recurso (fls. 02-23).
Negada a carga almejada (fls. 37-41), com as contrarrazões (fls. 46-58), os autos foram remetidos à Câmara de Direito Comercial, sendo determinada sua redistribuição (fls. 136-139).
É o sucinto relatório.
VOTO
Importa destacar que é autorizado ao demandante solicitar providências acautelatórias a fim de preservar o objeto do litígio, consoante norma inserta no art. 273, § 7º, do CPC:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
[...]
§ 7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presente os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Bem a propósito, Athos Gusmão Carneiro destaca:
Não há dúvidas em que existem características comuns às medidas antecipatórias e às medidas cautelares: umas e outras supõem um juízo de verossimilhança das pretensões do postulante (aparência do bom direito, mais intenso na AT, menos intenso quando pressuposto à concessão de providências cautelares) e supõem, igualmente,regra geral, o caráter de medida de urgência.
[...]
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, "não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na liminar do art. 273, providências preventivas que, com maior rigor, deveria ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que as da tutela cautelar" (art. Dout. In Rev. Jurídica, vol. 253/44). (Da Antecipação de Tutela. 6. Ed. 2005. Rio de Janeiro: Forense, p. 40-41).
Nessa compreensão, tratando-se de medida acautelatória, há se observar a presença dos requisitos necessários à sua concessão, que "A despeito das óticas diferentes, impossível é reclamar asseguração sem revelar a 'tutela acautelada', o que implica a divulgação, em sede cautelar, do objeto que compõe a tutela principal. A isso se denomina fumus boni juris. A tutelabilidade in abstrato do direito material invocado é suficiente para cumprir esse primeiro requisito legal, ao qual se adjunta o estado de perigo, que justifica a providência assecuratória" (Curso de Direito Processual Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1550).
Pois bem, fixadas as exigências legais, indispensável apreciar - como sói ser, aliás, em se tratando de medidas cautelares - se, in casu, estão presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
A temática foi abordada com propriedade quando da análise do efeito suspensivo, que, dada sua abrangência, de mais significativo se adota:
Necessário delimitar o recurso, que somente pode discutir as ordens direcionadas ao registro de domínios para internet no Brasil e Google Internet do Brasil Ltda, e não aquela decisão proferida em 04/11/2008 para que o agravante cessasse qualquer informação relacionada ao agravado.
O que se tem por absolutamente certo nos autos é a clara opção do agravante no sentido de descumprir qualquer ordem judicial, mesmo aquela de fls. 24-30 da qual não recorreu, deixando precluir o direito de questioná-la.
Em 15/01/2010 a condutora do processo ordenou a retirada da página virtual mantida pelo réu e deixou claro que deveria ele se comprometer a deixar de acostar conteúdo ofensivo em relação ao agravado. Optou o agravante, mais uma vez, por descumprir a decisão, criando novo blog e postando mensagem ofensivas ao agravado.
Não restou outra alternativa a não ser aquela da decisão agravada. O recorrente não respeita ordens judiciais em nome de suposto direito de expressão, que pensa ser absoluto; age sem limites, nem mesmo os que o Poder Judiciário, escolhido pelo constituinte para garantia das prerrogativas lhe impõe, em cumprimento à própria Carga Magna.
Entretanto, o direito de expressão não é absoluto, como explica Alexandre Câmara:
A manifestação de pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre divulgação dos fatos devem ser interpretadas em conjunto com a inviolabilidade à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), bem como com a proteção à imagem (CF, art. 5º, XXVII, a), sob pena de responsabilização do agente divulgador por danos materiais e morais (CF, art. 5º, V e X).
[...]
A proteção constitucional à informação é relativa, havendo necessidade de distinguir as informações de fatos de interesse público, da vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante. (Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 254).
A comunicação e a expressão são livres no seu sentido verdadeiro, construtivo, justo, livre, solidário e fraterno como este Estado (art. 3º, I, CF), mas bem podem ter seu fim de propagar fatos e veicular o pensamento deturpado para ferramental destrutivo, agressivo, anti-fraterno e mesmo anti-social, delinqüencial, ofensivo às demais pessoas: armamento pesado, capaz de lesar, ferir e mesmo matar a honra, a dignidade e o bom nome que alguém possa ter perante quem quer que seja.
Há ofensas morais doloridíssimas, que doem muito mais do que as agressões físicas.
Armamentos assim, hão de ter uso controlado, principalmente quanto aos que deles já abusaram, ou insistem no desvirtuamento lesivo reitereado.
Qual direito teríamos para malferir assim aos demais, que são, podem, valem e merecem justamente o quanto somos, podemos, valemos e merecemos?
Não será em nome da liberdade de expressão, mas da arrogância doentia e cristalizada que se poderá autorizar o livre curso de condutas lesivas até ao próprio Estado, representado pelo Poder Judiciário, talvez o mais firme pilar de qualquer democracia, pois que não há democracia sem Estado e nem este sem leis que se imponham a todos; nem há similitude entre ganhar o pão com o suor do rosto, trabalhando e produzindo em prol de alguém ou todos, e ganhar o pão sem suor algum, com proventos da destruição, da violência a direitos, hipocritamente projetando nos rostos alheios as misérias reais ou supostas de outrem, de que há exemplares reais ou ideais no íntimo de nossas próprias almas; e nem muito menos merece contemplação o direito à informação exclusivamente negativa e destrutiva, decerto de inimigos figadais e odientos, rente à desgraça alheia real ou suposta, para daí colher qualquer provento, ou organizar misérias estudadas.
Seja como for, já se disse: não se está analisando a decisão que ordenou o agravante abster-se de divulgar "informação capaz de afetar, ainda que de forma indireta, a honra, o decoro, a intimidade, a família, a imagem, ou outro bem juridicamente tutelado", mas a ordem que tenta fazer efetiva a decisão judicial.
A decisão judicial inicial havia arbitrado multa para o caso de descumprimento, cujo valor foi majorado, mas não parece que este tipo de coerção tem algum efeito em relação ao agravante. Assim, o juiz deve buscar outra forma de fazer com que a parte cumpra a decisão, como explica Antonio Carlos de Araujo Cintra:
[...] Se o réu se omitir, sem prejuízo da multa, que se torna exigível, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as medidas que entender necessárias, em seu prudente arbítrio, tanto para a efetivação da tutela específica como para a obtenção do resultado prático equivalente. [...]
Como se vê, encontram-se aí, lado a lado, elementos heterogêneos destinados à finalidade única de satisfazer o julgado. [...]. (Comentários ao código de processo civil (vol. IV). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 293). (Des. Substituto Domingos Paludo - fls. 37-41).
É o quanto basta para demonstrar a fragilidade do bonus juris e o periculum in mora defendido.
Diante do exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do agravo de instrumento.
DECISÃO
Nos termos do voto da Relatora, a Quinta Câmara de Direito Civil, por unanimidade, decidiu conhecer e desprover o recurso.
O julgamento, realizado no dia 21 de julho de 2011, foi presidido pelo Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves, com voto, e dele participou o Desembargador Odson Cardoso Filho.
Florianópolis, 29 de julho de 2011.
Sônia Maria Schmitz
Relatora

  Gabinete Desembargadora Sônia Maria Schmitz (FK)

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