Projeto de Lei busca legalizar o roubo de créditos nos cartões mobilidade; apropriação dos recursos dos trabalhadores financia o lucro privado sob a farsa do programa "Vai de Graça".
por Correspondente local – Brasília (DF)
8 de dezembro de 2025·
4 minutos de leitura
Ibaneis Rocha. Foto: Montagem.

A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou, nesta quarta-feira (03/12), o projeto de lei (PL) de autoria do Governo do Distrito Federal (GDF) que prevê uma manobra para se apoderar de mais de R$ 55,7 milhões pertencentes aos usuários do sistema de transporte público. A proposta teve apoio de 16 deputados distritais e 3 votos contrários. Essa medida atinge milhares de passageiros que, ao longo dos últimos cinco anos, depositaram seu dinheiro nos cartões mobilidade, recurso este proveniente de seu próprio salário e agora alvo da ganância do governador Ibaneis Rocha (MDB).
A apropriação dos valores, que totalizam R$ 55.796.836,50, é disfarçada por Ibaneis como um “resgate”. Durante um evento público, o mandatário tentou justificar a medida, declarando que “O dinheiro foi realmente abandonado”, estabelecendo um prazo arbitrário de cinco anos para a desapropriação. Essa retórica cínica não se sustenta: o dinheiro é das pessoas que o depositaram e foi pago pelos próprios passageiros, dependentes do transporte coletivo diário.
Outra questão que interfere diretamente nas passagens, foi a obrigatoriedade do uso dos cartões (mobilidade, vale-transporte, estudantil, especial, criança e sênior), de crédito e débito, impedindo o pagamento em dinheiro, com a justificativa de combate aos assaltos, algo que obrigou os usuários do transporte público a depositarem seu dinheiro no BRB Mobilidade. A narrativa oficial busca legitimar a apropriação como um mero trâmite burocrático, ignorando a origem operária de cada centavo.
A indignação dos usuários é evidente e legítima. Nas “redes sociais” é comum ver comentários como “paguei por esses créditos com o meu salário” e “esse dinheiro é meu, não do governo. Querem tomar o que me pertence”. Ibaneis justifica o confisco como uma necessidade de custear um sistema de transporte que consome cerca de R$ 2 bilhões anuais dos cofres públicos. O governador alega que o sistema é “caríssimo”, que as tarifas estão congeladas há seis anos e que houve “a maior renovação de frota da história do DF”.
O custo altíssimo do transporte reflete o lucro das empresas privadas, e a tomada de recursos dos usuários demonstra que, para manter o conforto e a margem de lucro dos magnatas do transporte, o GDF não hesita em saquear o bolso dos trabalhadores. No entanto, ao GDF nada pesa bancar a casta política da CLDF, que garante a manutenção de seus privilégios obscenos, recebendo mensalmente R$ 34.774,64 e milhões com a distribuição de R$ 5,4 milhões em verbas indenizatórias para cobrir gastos como aluguel e carros.
Enquanto a casta parlamentar garante seus salários opulentos, uma pesquisa da Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo dia da aprovação do PL, afirma que o DF ostenta o maior Índice de Gini do país: 0,547. Um valor maior que a média nacional, que é de 0,504. O índice que vai de 0 a 1 , e quanto mais perto de 1, maior é a desigualdade. Este indicador vergonhoso expõe a farsa do Estado burguês-latifundiário que ignora o sofrimento das massas, mas se move rapidamente para confiscar seu dinheiro “esquecido” nos cofres públicos. Os 40% mais pobres da população sobrevivem com apenas R$ 779 mensais por pessoa. A desigualdade se aprofunda ainda quando falamos de raça e gênero: mulheres recebem 31,1% a menos que homens, e a população preta é esmagada, ganhando 80,7% menos que a branca. Tal confisco, no bolso das massas brasilienses, não passaria sem deixar danos.
O processo de confisco é a ponta de um iceberg que desnuda a farsa por trás do programa “Vai de Graça”, instituído em fevereiro, começando a valer no primeiro dia de março, sendo vendido como um gesto de generosidade do GDF. Essa iniciativa, que só surgiu após incontáveis manifestações populares pelo passe livre, garante a gratuidade do transporte aos domingos e feriados, revela-se, na prática, uma peça de “contabilidade criativa”. A beleza sutil dessa manobra está em usar a propaganda do transporte gratuito para, simultaneamente, ampliar a fonte de arrecadação do governo e garantir a receita mensal e anual das empresas de ônibus, evitando o impopular aumento de tarifas. O governo dá com uma mão o que já tirou com a outra.DF: Manifestação pela Tarifa Zero para Rodoviária de Brasília – A Nova Democracia
O governador utiliza o “Vai de Graça”, que contabilizou um aumento na demanda no sistema de transporte coletivo, que de março a agosto aumentou em 61% o fluxo no metrô e 69% nos ônibus comparado ao ano passado, como um atrativo econômico. Ao aumentar a circulação das pessoas, mesmo em dias de baixa demanda como domingos e feriados, o governo financia o aumento do lucro das empresas. Isso porque o modelo de cálculo do transporte, baseado no Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK), garante que o lucro seja maximizado, mesmo com a tarifa zero. Essa estratégia visa manter os empresários satisfeitos e, de quebra, gerar “capital político” para Ibaneis, que encerra o mandato em 2026 mirando uma cadeira no Senado ou a vice-presidência.
A manobra do GDF se insere em um contexto de disputa jurídica, onde o Ministério Público do DF (MPDF) venceu instâncias iniciais de uma Apelação Cível que impede o GDF de aumentar tarifas sem lei específica aprovada pela CLDF. Com o aumento barrado pelo judiciário e a arrecadação tributária (ICMS) superando as expectativas, o governo direciona recursos públicos – e agora o possível dinheiro confiscado dos usuários – para manter e ampliar o lucro das empresas de ônibus, atendendo à demanda dos donos do transporte sem arcar com o custo político do reajuste.DF: Governo adia aumento da passagem e escancara pavor da mobilização popular – A Nova Democracia
Para a maioria que depende do transporte, a realidade é de profunda opressão. Milhares de pessoas que residem nas cidades do Entorno, como Águas Lindas, Valparaíso e Luziânia, vivem o dilema de “pagar para trabalhar”, gastando quase 40% do salário mínimo, cerca de R$ 400, por mês. Esses trabalhadores ainda enfrentam de quatro a seis horas diárias em trajeto de ônibus lotados e precários, uma rotina injusta que os mantém no limite da sobrevivência e que sustenta a economia de Brasília.
A situação do Entorno é agravada pelo reajuste de 2,9% nas tarifas, determinado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), atingindo diretamente 380 mil trabalhadores. O aumento, que repercute em toda a economia do DF, escancara desigualdades históricas, mostrando que a força de trabalho que faz a cidade funcionar é tratada como descartável, obrigada a pagar caro por um serviço que não oferece dignidade.
O sistema de cálculo da tarifa no DF, baseado no IPK, é parte principal do problema, pois ele vincula o custo da viagem ao número de passageiros, uma inverdade que favorece a superlotação e a falta de oferta. As empresas, sabendo que o lucro virá do número de catracas rodadas, terão interesse em oferecer poucos veículos, lotando-os e precarizando o serviço, especialmente aos domingos e feriados, dias do “Vai de Graça”.
A estratégia de Ibaneis em usar o “Vai de Graça” para alavancar popularidade e garantir o lucro dos empresários é semelhante à utilizada pelo ex-governador José Roberto Arruda. Naquela época, ele tentou impulsionar sua imagem com um passe livre estudantil, mas o esquema foi logo engolido pela avalanche de denúncias do escândalo da “farra dos panetones”.
Fonte - A NOVA DEMOCRACIA
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