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quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

SOBRE O PAU-BRASIL



Excertos dos meus arquivos de leitura: (contém trechos com grafias originais das épocas das publicações)


PAU-BRASIL (Ver ARABUTAN)

- SIMÃO DE VASCONCELOS - Livro da vida do padre João de Almeida, da Companhia de Jesus - Lisboa - 1.658, p. 20: O pau brasil é o mais precioso; tira-se dele até sete formosíssimas tintas (...).

- Ver HENRY KOSTER - Viagens ao nordeste do Brasil, ps. 460 e segs.

Em nota de rodapé, na mesma obra, p. 469, lê-se:


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- Ver ainda de GUSTAVO BARROSO - História secreta do Brasil, capítulo O monopólio do pau-de-tinta.

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- Vinha com Gaspar de Lemos o pilôto Américo Vespúcio, nascido na cidade italiana de Florença. Vespúcio escreveu ao rei de Portugal uma carta informando ser a terra muito pobre, pois só possuía árvores de pau-brasil. Então D. Manuel resolveu arrendá-la, isto é, entregou-a a um grupo de negociantes para explorar suas riquezas, durante determinado tempo.

Entre esses negociantes estava Fernão de Noronha que deixou seu nome ligado a um arquipélago afastado da costa brasileira. A expedição de 1501 descobriu importantes acidentes geográficos no litoral brasileiro: cabo de São Roque, foz do rio São Francisco, baía de Todos os Santos, Angra dos Reis e ilha de São Sebastião.

A segunda expedição exploradora partiu de Portugal em 1503, ainda no reinado de D. Manuel: era comandada por Gonçalo Coelho e formada por seis navios. Vinha novamente ao Brasil o florentino Américo Vespúcio, como pilôto de uma dessas embarcações. Era plano da expedição procurar no sul do Brasil uma passagem para a Oriente. Junto ao arquipélago que depois se chamou F emão de Noronha, naufragou o navio de Gonçalo Coelho: dois outros, com Américo Vespúcio, adiantaram-se ao resto da esquadra, dirigindo-se para o litoral baiano. Continuando a navegar para o Sul, Vespúcio chegou a Cabo Frio, onde carregou paubrasil, fundou uma feitoria e fez uma entrada pelo interior. Chamava-se feitoria o armazém ou depósito cnde eram guardados os produtos da terra, até que outros navios viessem buscá-los. Entretanto, numerosos navios franceses vinham à costa brasileira fazer o contrabando do pau-brasil. D. João III, sucessor de D. Manuel, reclamou várias vêzes junto ao rei de França mas não foi atendido. Resolveu então agir com energia: enviou ao Brasil uma expedição guarda-costas (1526).

Seu comandante, Cristóvão Jaques, que já estivera no Brasil, atacou os navios franceses e apresou vários dêles. Mas as expedições guarda-costas não conseguiram evitar o contrabando porque os portuguêses não podiam. ao mesmo tempo, fiscalizar todo o litoral, que era muito extenso. O melhor recurso seria a colonização ou povoamento do país com famílias de colonos, vindos de Portugal, trazendo sementes e instrumentos agrícolas.

O primeiro sistema de colonização, aplicado no Brasil, foi o das capitanias hereditárias. Mas, antes de ser criado êsse sistema, D. João III ainda enviou ao Brasil uma expedição que foi explorado ra, guarda-costa e colonizadora: era comandada por Martim Afonso de Sousa.

- Antonio José BORGES HERMIDA - Compêndio ·de· HISTORIA DO BRASIL - Companhia Editora Nacional/SP/1968, ps. 40 a 45.

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- BARTOLOMÉ DE LAS CASAS - Historia de las Indias - Fondo de Cultura Economica/México/1995, vol. III, p. 105, descreveu tal árvore assim: Cargaron los navios que restaron de brasil, que es cierta madera con que tiñen los paños de rosado o colorado (...)

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- FREI VICENTE DO SALVADOR - História do Brasil (1500-1627) - Cia Melhoramentos de SP/1954, p. 41, falou sobre tal espécie, explicitando: (...) de cor abrasada e vermelha com que se tingem panos (...)

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- PERO DE MAGALHÃES GANDAVO - História da Província de Santa Cruz - Editora Obelisco Ltda/SP/1964, p.26, demonstra certa irresignação com mudança do nome do nosso país, de Província de Santa Cruz para Brasil, fazendo uma menção desairosa à espécie pau-brasil, nos seguintes termos: (...) e melhor soa nos ouvidos da gente Christã o nome do pao em que se obrou o misterio de nossa redençam que o doutro que nam serve de mais que de tingir panos ou coisas semelhantes. (português da época)

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Depois de descobrir Christovão Colon a America no anno de 1492, indo para as conquistas portuguezas d'Asia Pedro Alvares Cabral, Senhor de Azurara da Beira, por Capitão mór de 15 náos, casualmente avistou terra desconhecida aos 24 de Abril de 1500, a qual no principio lhe pareceu ilha; mas navegando ao longo da sua costa muitos dias, e vendo, que continuava, reputou-a terra firme, e mandou aos pilotos, que a buscassem. Aos 3 de Maio, dia da Invenção da Santa Cruz, surgio oom 12 náos (por ter uma arribado para Lisboa) em certa paragem a que deu o nome de Porto Seguro, pela razão de se vêr livre de tormentas, que affligião a sua esquadra. 
Saltou em terra, onde foi bem recebido dos naturaes: para render a Deos as graças pelo beneficio da sua não esperada felicidade, mandou levantar uma Cruz com muita solemnidade, e fez celebrar junto a ella o Santo Sacrificio da Missa por um Sacerdote, religioso da Regular Observância, o qual foi o primeiro ministro de Jesu Christo, que offereceo ao Eterno Padre no Brazil o Corpo, e Sangue de seu Filho Sacramentado. Pregou n'esta occasião o Padre Fr. Henrique de Coimbra, que Descoberta do Brazil ia para a índia por Superior de 7 missionários da Ordem Serafica. A' nova região deu Cabral o appelido de Terra de Santa Cruz, que ao depois se mudou em Brazil, nome próprio de certas arvores assim denominadas pelos portuguezes, os quaes lhes derão este nome, depois que de seus troncos extrahírão uma muito estimada tinta vermelha, na côr semelhante á das brazas. - FREI GASPAR - Memórias para a Historia da Capitania de S. Vicente, p. 104.

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Há três espécies de Pau-Brasil: Brasil-mirim, que é o melhor; Brasil-açu, ou Rosado; e Brasileto.

O Brasil-açu ou Rosado, assim chamado por ser o seu tronco o mais alto, e também o mais direto, é o menos grosso; e a tinta, que dele se extrai, de menor consistência, e mais rosada, donde lhe provém o segundo nome.

O Brasileto, que difere pouco do açu, ou Rosado, na grandeza e forma do tronco, e copa, dá pouca tinta, e essa desmaiada.

O Brasil-mirim tem o tronco mais grosso, a casca mais vermelha e mais delgada; os espinhos mais miúdos e mais bastos; a folha mais miúda, e o cerne mais arroxado. Em todas três a folha é pinulada; a casca lisa; e os espinhos começam no princípio dos galhos até à ponta dos ramos. A flor do mirim é branca, e muito miúda; e o cerne sendo chegado à língua , logo depois de cortado, tem um amargo sensível, que perde depois de seco, tornando-se em um adocicado agradável. Estas árvores, que se dão tanto em morros, como em várzeas, tornam a rebentar da porção do tronco, que ficou pegada à terra.

Nota-se que nos matos, onde há abundância de Pau-brasil, não se encontram Tapirmãs, nem Perobas.

É pau pesado, excelente para construção de edifícios; metido em água, dura eternamente; no fogo estala muito, e não faz fumaça.

Certo observador notou que o tempo do corte desta madeira mais próprio para o rendimento da tinta, era o período da Lua Nova no inverno, e o do Quarto Crescente no verão; porque fora destas ocasiões sempre é sensível uma porção de linfa, que se extravasa pelos poros para as incisões dos golpes do machado: e que esta porção de água era outra tanta quantidade de tinta, que se perde; o que não sucede, cortando-se a madeira nas conjunções referidas, quando as árvores não lançam de si líquido algum, sustendo toda a sua tinta. Uma porção de caparosa, e de cal, ou de cinza, lançadas na decocção do Pau-brasil, fazem uma tinta preta.
- AIRES DE CASAL - Corografia brasílica …, p. 56.

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- (...) pau brasil, producto mediocre quando comparado ás especiarias e ás preciosidades da lndia (...) - JOÃO RIBEIRO - História do Brasil - Liv. Francisco Alves, 1918, p. 11 (português da época)

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- Apezar desta recommendação, importante por nos denunciar a política do governo acerca dos índios, a Bretoa com a carga de cinco mil toros de brazil e alguns animaes e pássaros vivos, levou para a Europa trinta e tantos captivos. - VARNHAGEN - História Geral do Brasil, p. 92. (português da época)

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- O pau-brasil, abundante no litoral, era usado para tingir algodão e lã e foi declarado monopólio real da Coroa Portuguesa. As feitorias, que pagavam a “vintena do imposto”, exploravam os índios submetidos a cruel sistema de trabalho e predavam a mata atlântica. Os navios regressavam a Portugal carregados de toras da árvore que tinha dois nomes em línguas indígenas: ubiratã (pau duro) grafado como orabutã, segundo o frade francês André Thevet e ibirapiranga (pau vermelho) no dizer de Handelmann, historiador alemão do séc. XIX. No entanto, os portugueses, que conheciam árvore semelhante nas Índias Orientais “com cor de brasa”, a denominaram de pau-brasil.

Durante a primeira metade do século xvi os carregamentos de pau-brasil – madeira de tintura, cujo nome, derivado de brasa, por causa da cor vermelha, substituiu o de Terra da Santa Cruz, que o país houvera cristãmente recebido a princípio – foram o motivo de ásperos combates no mar em torno de simulacros de feitorias, que começavam a se esboçar por uma paliçada que franceses e portugueses se encarniçavam alternativamente por levantar e demolir. Essa rivalidade, sangrenta, a que práticas intermináveis, oficiais ou clandestinas, entre Francisco I da França e João III de Portugal, realizadas por intercessão de embaixadores e agentes privados, não conseguiram apaziguar, tornou-se mesmo a causa da ocupação efetiva do país pelos portugueses. - OLIVEIRA LIMA - Formação histórica da Nacionalidade Brasileira - https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/568037/000970496_Formacao_historica_nacionalidade_brasileira.pdf?sequence=1&isAllowed=y

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- Quanto ao sistema de exploração, assim descreve: “O modo é este: vão-no buscar doze, quinze, e ainda vinte léguas distante da capitania de Pernambuco, aonde há o major concurso dele; porque se não se pode achar mais perto pelo muito que é buscado, e ali, entre grandes matas, o acham, o qual tem uma folha miúda, alguns espinhos pelo tronco; e estes homens ocupados neste exercício levam consigo para a feitura do pau muitos escravos de Guiné e da terra, que, a golpe de machado, derribam a árvore, à qual depois de estar no chão, lhe tiram todo o branco; porque no âmago dele está o brasil, e por este modo uma árvore de muita grossura vem a dar o pau, que a não tem maior de uma perna; o qual, depois de limpo se ajunta em rumas, donde o vão acarretando em carros por pousas, até o porem nos passos, para que os batéis possam vir a tomar.” - ROBERTO C. SIMONSEN - História Econômica do Brasil - 1500 a 1820.

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- Nem civilizações aborigenes, nem riquezas acumuladas, nem imperios asiaticos atiçaram aqui a cobiça ao europeu: este, para prosperar na terra, lançou-lhe a semente exotica. Plantou a cana de Cabo-Verde, trouxe d'Africa quem a cultivasse, passou-se para o Brasil com as suas armas, com o seu cabedal, com as promessas que lhe fazia el-rei de muitas regalias. Porque a extração do páu de tingir ('"brasil") (5) fosse a sua primeira ocupação, chamou-se "brasileiro" (homem do "brasil"): sômos ainda designados com o qualificativo dos primeiros exploradores. Do mesmo modo por que os naturais de Minas Gerais se chamam até hoje "mineiros". Apenas o "brasileiro", para extraír a madeira rôxa, teve de aliar-se ao selvagem: o francês e o português disputaram-lhe o auxilio, entre Cabo Frio e Pernambuco. Depois, para armar os "engenhos" e estender as plantações, repeliu-o e cativou-o. O navegante, que pretendia cortar o "'brasil", subornava ou trucidava os gentios, conforme os casos. Mas, para pacifica-los, ajeitando entre eles uma acomodação definitiva, foi preciso que viésse o missionaria e que o mamaluco - filho de índia e branco - se constituísse o intermediario astuto e andêjo. O jesuíta desarmou as coleras, ensinando a mística da sociabilidade; o mamaluoo vale1;1-se da inexperiencia das tribus enganadas pelas suas falas tupís para as escravizar ou destroçar. Foi aquele o agente de conciliação colonial; este o da dominação do cristão e do mestiço sobre os póvos indigenas. - PEDRO CALMON - História Social do Brasil - https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/122/1/40%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf

Em nota de rodapé, da mesma obra de CALMON:

(5) João Ribeiro faz derivar de “bresil» ou «braçail», designação francesa do páu de tinta, que desde o seculo XII aparece no cancioneiro bretão, o nome do Brasil. O mesmo lenho era conhecido em Veneza, por (“verzim> ou «berzino». Chamara-lhe Marco Polo «byrço»... Gil Vicente, no «Auto da Fama>> ( 1510) já falava em «terra do Brasil», cuja riqueza, segundo Camões (c. X, 140), era o «pau vermelho». Pretende J. Ribeiro que fosse o nome do Brasil o primeiro galicismo que encorporamos á lingua... Deixou claro Gustavo Barroso (Aquem da Atlantida, p. 153 passim, S. Paulo 1931) que o nome Brasil provem da ilha do mesmo nome que, desde o seculo XIII, surge nas cartas semifantasticas do Atlantico. De «braza», seguramente, é que ele não deriva, como queriam os cronistas classicos. A «New zeutung ausz presillandt», 1515, indicava constantemente a terra «do brasil» - como se diria costa «do ouro», costa «do marfim», terra «do fogo», ilha «da madeira»... Referiu-se á conhecida madeira de tingir, capaz de identificar as terras descobertas, não a uma nova especie «côr de braza ... » (V d. Capistrano de Abreu, nota a Varnhagen, Historia Geral do Brasil, 3.ª ed., I, 11-2).

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- Capmany (Mcm. hist. etc. de Barc.) observa que los europeos, comparando, sin duda, el color encendido del palo á una brasa de fuego, le dieron el nombre de brasil cuando comerciaban en levante, mucho antes del descubrimiento del Nuevo Mundo, pues desde fines del siglo XII lo halló nombrado brassillum y braxillum en documentos de Italia y de Cataluña. - DANIEL GRANADA

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Pau-brasil
O tesouro nacional cobiçado pela indústria da música clássica
Essencial a produção de arcos de violino no mundo, madeira exclusivamente brasileira está ameaçada de extinção

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

Publicado 05/12/2025 14:56
Natalia Alana/Agência Pública

Por Augusta Lunardi, Giacomo Zandonini | Edição: Thiago Domenici | Fotógrafo: Natália Alana

No início de julho de 2025, o eco da voz de Daniel Neves na sala quase vazia da Sala São Paulo, casa da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), era um prenúncio da dissonância que se instalara nos bastidores da indústria da música clássica mundial. A “reunião de emergência”, convocada às pressas pela Fundação Osesp e a Aposesp (a Associação de Profissionais da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), não tratava de uma nova sinfonia, mas de um impasse que ameaçava o futuro da música clássica e do pau-brasil, árvore hoje ameaçada de extinção e que deu nome a um país, sustentando, por séculos, grande parte da economia colonial europeia.

Neves, que preside a Associação Nacional da Indústria da Música (ANAFIMA), a maior entidade da indústria musical do país, recorreu a uma analogia perturbadora durante o encontro na Sala São Paulo: “Seria justo condenar todos os brasileiros por algo que apenas alguns fizeram? […] É como se acontecesse um estupro lá fora e todos os homens aqui fossem condenados só porque têm a ferramenta para isso. Não é justo, né, gente”?Daniel Neves na Sala São Paulo em julho de 2025 defende a continuidade do uso de pau-brasil em arcos

A comparação inadequada se refere a uma disputa mundial que a partir desta quarta-feira, 26, será travada em Samarcanda, no Uzbequistão, durante a CoP20 da CITES, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, um tratado respaldado pela ONU do qual o Brasil é signatário desde 1975. O encontro, que ocorre de três em três anos, discutirá as regras para o comércio global de espécies silvestres, com o objetivo de reforçar a proteção de animais e plantas ameaçadas — caso do pau-brasil — e definir parâmetros de exploração sustentável.

Por que isso importa?Nos últimos meses, a Agência Pública investigou esse lucrativo e nebuloso mercado — analisou milhares de páginas de documentos, ouviu especialistas e conversou presencialmente com personagens-chave dessa disputa sobre o pau-brasil em diferentes continentes. Nesta primeira reportagem, revelamos os interesses de lobistas e de grupos da indústria de fabricantes de arcos que embarcaram discretamente para o Uzbequistão, na tentativa de influenciar a proposta brasileira de tornar o controle sobre o comércio do pau-brasil ainda mais rígido — e os poderosos interesses por trás deles.

Na CoP20 da CITES, o governo brasileiro vai propor uma ação ousada: elevar ao nível máximo a proteção do pau-brasil. O que pouca gente sabe sobre essa árvore-símbolo, é que sua matéria-prima é essencial para a fabricação de um dos objetos mais preciosos do setor musical: o arco utilizado para tocar violinos, violas, violoncelos e contrabaixos pelo mundo. O que para o governo é uma questão de soberania ambiental e preservação de um patrimônio histórico, para a indústria mundial de arcos, um mercado lucrativo e pouco transparente, é uma ameaça direta aos seus negócios.

Se aprovada a mudança, o pau-brasil passaria a constar no Anexo I da CITES, uma espécie de lista reservada às espécies mais ameaçadas do planeta e cujo comércio só é permitido em circunstâncias excepcionais — onde figuram baleias, leopardos, marfim de elefante, orquídeas raras, cactos, sequoias e dezenas de outras. O que poderia soar como uma simples reclassificação burocrática é, na prática, uma disputa que expõe o desconfortável cruzamento entre política ambiental, interesses comerciais e patrimônio cultural.

A cada reunião da CITES, para alterar esses anexos, os países-membros apresentam propostas baseadas em critérios biológicos e comerciais. As sugestões são debatidas e, em seguida, levadas à votação. O que está em jogo na mudança, afirmam alguns dos principais atores envolvidos consultados pela reportagem, é nada menos que o futuro da música clássica.
A “árvore-rei”, maior e mais antigo pau-brasil do país, tem cerca de 600 anos e 40 m. Fica no acampamento do MST em Itamaraju (BA)

Endurecimento das regras de exportação

Para entender o imbróglio atual, é preciso voltar a 2007, quando o Ibama conseguiu incluir a espécie no Anexo II da CITES. Isso quer dizer que o comércio internacional de toras e de varetas (que mais tarde seriam transformadas em arcos) da Paubrasilia echinata, o pau-brasil, só seria autorizado se o exportador comprovasse ao Ibama que seus estoques de madeira haviam sido cortados antes daquele ano. A regra passou a valer para todos os archetiers do mundo — como são conhecidos os fabricantes de arcos —, mas, como o pau-brasil cresce exclusivamente no Brasil, os controles recaíram sobretudo sobre exportadores brasileiros.

Além disso, se a madeira extraída fosse proveniente de plantações comerciais (e não de mata nativa), também poderia sair do país. O problema, segundo o Ibama, é que não existe no Brasil uma única plantação de pau-brasil registrada no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), plataforma que rastreia a procedência de madeira, carvão e outros produtos florestais. Também há uma controvérsia entre pesquisadores sobre a qualidade da madeira plantada. Para uns, ela serve. Para outros, não possui as mesmas características biológicas de uma árvore nativa, essenciais para confecção de arcos de violino. As árvores da maioria destas plantações comerciais são excessivamente ramificadas, com nós e deformações que inviabilizam a fabricação de arcos. Além disso, o próprio Ibama já identificou fraudes em registros de plantios usados para encobrir madeira retirada de áreas nativas.Toras derrubadas por madeireiros ilegais no Parque Nacional do Pau-BrasilFelipe Bernardino Guimarães, analista do Ibama e biólogo florestal
Operação Dó Ré Mi abriu a caixa de pandora

Por um tempo, o sistema parecia funcionar perfeitamente, e a indústria brasileira de arcos aparentava operar dentro da legalidade. Mas a situação mudou em 2018, quando o Ibama deflagrou a Operação Dó Ré Mi, conduzindo fiscalizações coordenadas contra archetiers, comerciantes, intermediários e fornecedores de madeira ilegal, principalmente na Bahia e no Espírito Santo. A investigação revelou irregularidades disseminadas no comércio de pau-brasil, abrindo o que os investigadores descreveram como “uma verdadeira caixa de Pandora” de extração clandestina de madeira e fraude documental.

Música

Com o avanço das evidências, o Ibama acionou a Polícia Federal (PF), o que resultou em sanções pesadas e em processos criminais contra 41 pessoas. As operações Ibirapitanga I e II, deflagradas em 2020 pelos dois órgãos, permitiram mapear a rede envolvida na extração, no transporte e no comércio ilegais de pau-brasil, no Brasil e no exterior. Segundo o Ministério Público Federal do Espírito Santo, foram apreendidos mais de 233 mil varetas e arcos prontos, 321 toretes de pau-brasil e instaurados cinco processos judiciais. O valor de mercado do material confiscado ultrapassou milhões de reais. Até a publicação desta reportagem, nenhum desses processos havia sido concluído.

Como nenhuma empresa da indústria brasileira de arcos conseguiu comprovar a origem do pau-brasil utilizado, as exportações brasileiras permanecem paralisadas até hoje.

Felipe Guimarães, analista ambiental do Ibama e biólogo mestre em anatomia de madeira que há sete anos rastreia toda a cadeia do comércio ilegal do pau-brasil — trabalho que se tornou tema de sua pesquisa de mestrado na Universidad Internacional de Andalucía —, encabeçou as ações das Operações Dó Ré Mi e Ibirapitanga I e II. Guimarães evita classificar o esquema como criminoso, alegando as limitações impostas por sua função pública. “Formalmente, só podemos dizer que esses indivíduos agiram em conluio, porque o Ibama só pode aplicar sanções administrativas”, explicou. “Na minha visão, porém, trata-se de uma organização criminosa que atua de forma deliberada, com uma hierarquia e papéis claramente definidos.”

Após a descoberta desses esquemas, o Ibama e o governo federal passaram a pressionar pela inclusão do pau-brasil no Anexo I da CITES. Nessa pauta, encontrou um aliado improvável: a própria ANAFIMA, representada por Neves, e alguns dos mesmos archetiers que haviam sido multados em milhões de reais e que enfrentaram processos criminais. Trata-se do único ponto em que todas as peças deste complexo tabuleiro parecem estar de acordo no Brasil. Na prática, essa mudança imporia controles muito mais rigorosos a fabricantes e músicos em todo o mundo — hoje, essas restrições recaem apenas sobre as partes brasileiras.

Embora, à primeira vista, esteja alinhado ao Ibama, o grupo de Neves miraria outro objetivo: garantir a continuidade do uso comercial do pau-brasil e preservar a indústria de arcos. Neves afirmou à Pública que “o problema real não está no Brasil, mas no mercado internacional, onde brechas de controle permitem a circulação de madeira com documentação irregular”.

A mudança de posição da ANAFIMA, reforça Claudia Mello, analista ambiental e coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) Pau-Brasil do Ibama, se dá pela percepção de que arcar com todo o peso das regras não era bom negócio. “Eles viraram a favor do Anexo I por esses motivos”, explica.

Nos bastidores, Neves tornou-se o rosto de um novo bloco de poder que emergiu em 2024, apoiado por dois dos archetiers mais conhecidos do país: Marco Raposo — dono da Arcos Marco Raposo e da Raposo Bows, com sede nos Estados Unidos — e Júlio Batista, proprietário da J.B. Atelier e da Souza Bows, também nos Estados Unidos. Ambos foram alvos das operações Do Ré Mi e Ibirapitanga I e II.

Em 2022, Raposo teve mais de 4 mil varetas de pau-brasil apreendidas. Ele já havia sido barrado em aeroportos duas vezes anteriormente, ao tentar transportar ilegalmente varetas e arcos acabados para a Inglaterra e França.Estoque de pau-brasil apreendido pela PF em Guaraná (ES) pertence a Horst John Brazilian Bows
Arcos de pau-brasil no ateliê de Marco Raposo, autuado por transporte irregular

Baseada no Espírito Santo — o maior polo de archetiers do país —, a coalizão representada por Neves reúne ainda cientistas, deputados, o prefeito da cidade de Aracruz (ES), músicos e outros fabricantes de arcos. Todos assinaram a “Carta de Vitória”, divulgada em novembro de 2024 e enviada à secretaria da CITES pedindo a mudança para o Anexo I, além de propor a criação de sistemas de rastreabilidade que permitam o uso de madeira proveniente de plantações sustentáveis.

Confirmando-se a mudança para o Anexo I, passa a ser necessária a apresentação de documentos emitidos pela CITES que comprovem a origem florestal da madeira como condição para autorizar a comercialização de qualquer produto derivado da árvore — incluindo arcos prontos —, além da necessidade de autorizações alfandegárias para viagens internacionais de músicos que desejem transportar arcos feitos de pau-brasil. Para Claudia Mello, do Ibama, esse é, justamente, um dos pontos mais controversos na proteção da espécie desde 2007. “Há um lobby muito forte da União Europeia e dos Estados Unidos contra o controle da comercialização dos arcos”, afirma. “Eles têm estoques enormes de pau-brasil há décadas e exportam muitos arcos por ano. É uma madeira que é nossa, saiu do Brasil, mas esses países não querem ter o incômodo de fiscalizar ou emitir documentos comprovando a origem legal dessas árvores.”Artesãos realizam as primeiras etapas da fabricação de um arco no ESClaudia Mello, coordenadora do GT Pau-Brasil do Ibama

Lobby internacional contrário à mudança

Uma tentativa anterior de inclusão no Anexo I, apresentada na CoP de 2022, havia fracassado. A credibilidade ambiental do Brasil sob Jair Bolsonaro estava abalada, e associações de músicos e luthiers — artesãos que fabricam instrumentos musicais — nos Estados Unidos e na Europa convenceram seus governos de que essa inclusão causaria danos incalculáveis à indústria centenária do arco — e, consequentemente, à música clássica.

Com processos criminais ainda em andamento e novas apreensões registradas até 2024, o Ibama manteve a pressão pela mudança. Em junho deste ano, o órgão enviou uma nova rodada de documentos à CITES defendendo a inclusão do pau-brasil no Anexo I, consolidando anos de combate ao tráfico e detalhando por que grande parte das plantações existentes não atende aos critérios mínimos de sustentabilidade.O artesão italiano Emilio Slaviero abriu ateliê em 1982 em Cremona e se especializou na produção de arcos de alto padrão

Do outro lado da disputa está uma coalizão de organizações de archetiers e músicos europeus e norte-americanos, que alegam que os novos controles trariam custos e entraves burocráticos inviáveis para o setor. Na linha de frente está a International Pernambuco Conservation Initiative (IPCI), grupo transnacional criado em 1999. Os Estados Unidos também contam com a International Alliance of Violin and Bow Makers for Endangered Species, fundada em 2018. Essa rede tem o respaldo de alguns dos maiores nomes da indústria musical. No Uzbequistão, porém, o setor deve revelar suas próprias fissuras internas.



Conteúdo produzido pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo, uma organização sem fins lucrativos que promove reportagens de interesse público com foco em direitos humanos, política e justiça.

Fonte: DIARINHO

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