Maricel Seeger.
Buenos Aires, 3 jan (EFE).- Os buracos de bala nas paredes e os ganchos que eram utilizados para torturas, rastros da repressão coordenada no Cone Sul durante os anos 1970, persistem no antigo centro clandestino "Automotores Orletti", cenário de muitos crimes que atualmente são julgados na Argentina.
Situado no bairro portenho de Floresta, o centro clandestino de
detenção que funcionou durante a ditadura militar na Argentina
(1976-1983) ainda conserva aquela fachada de oficina mecânica que
escondeu o sequestro de cerca de 200 pessoas, vítimas da repressão
coordenada com países vizinhos.
"O Automotores Orletti foi um símbolo do Plano Condor", tal como
se denomina a repressão das ditaduras de Argentina, Brasil, Bolívia,
Chile, Paraguai e Peru durante a década do 70, destacou à Agência Efe
Blanca Santucho.
Blanca é irmã de Carlos Santucho, assassinado no centro
clandestino, e de Mario Santucho, que foi líder da guerrilha Exército
Revolucionário do Povo (ERP) e morreu em julho de 1976 em um
enfrentamento com forças militares.
Carlos Santucho foi assassinado após ser pendurado de um gancho e
submetido a uma tortura em que era afundado em um tanque de 200 litros
de água até se afogar, segundo Ricardo Poggio, responsável pela
conservação do centro.
Aquele gancho ainda existe no antigo "Automotores Orletti", onde
ficavam alguns dos detidos, entre os quais havia argentinos, uruguaios,
chilenos, cubanos, bolivianos e paraguaios.
Outros presos eram levados para salas de torturas e
interrogatórios, onde havia um quadro de Adolf Hitler pendurado. No
centro havia ainda uma cela para detidos e outra de isolamento, destaca
Poggio.
A antiga prisão clandestina passou a pertencer ao Instituto
Espaço para a Memória, mantido pela Prefeitura de Buenos Aires e
entidades humanitárias.
As salas do centro, que ainda conservam os buracos das balas,
várias disparadas durante simulações de fuzilamentos contra os presos da
antiga prisão, são comparadas por um juiz de instrução com "os campos
de concentração do nazismo".
"Um dos detidos morreu pelas torturas na cela. Quando seus
companheiros pediram ajuda, os repressores responderam com uma série de
disparos da outra sala", afirmou Poggio.
Entre os detidos estiveram Marcelo Gelman e María Claudia García
Iruretagoyena, o filho e a nora do poeta argentino Juan Gelman, quem em
2000 recuperou sua neta, Macarena Gelman, nascida em cativeiro no
Uruguai e uma das testemunhas do julgamento.
Para Blanca, há várias testemunhas da repressão no "Automotores
Orletti", "a ponto de no julgamento cerca de 130 pessoas terem
presentado dados sobre os fatos que ocorreram no local, que era dirigido
pelo coronel argentino Aníbal Gordon, já morto, também acusado de ser
membro do grupo de extrema-direita Triple A.
O tribunal de Buenos Aires encarregado de julgar esses crimes
iniciará em fevereiro a etapa final de um processo no qual se julga os
autores de crimes cometidos contra 65 dos detidos do "Automotores
Orletti", que funcionou entre maio e novembro de 1976, disseram à Efe
fontes do Instituto Espaço para a Memória.
Entre os julgados estão o ex-agente de inteligência Raúl
Guglielminetti, o ex-coronel Ruben Visuara, o ex-general Hector Eduardo
Cabanillas e os ex-espiões de inteligência Honorio Martínez Ruiz e
Eduardo Ruffo.
Os militares que comandavam o centro decidiram fechá-lo em
novembro de 1976, depois que um casal de reféns argentinos conseguiu
escapar aproveitando-se que os agentes encarregados de vigiá-los estavam
bêbados, destacou Poggio.
Ao fugir, o casal viu um cartaz em que se lia algo parecido com
"Automotores Orletti", mas que na realidade era "Automotores Cortell",
tal como se chamava o antigo dono da propriedade.
Segundo Poggio, o antigo centro clandestino agora se propõe a ser "um espaço para a memória urbana". EFE
ms/abb
Fonte: DEUTSCHE WELLE
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