Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



terça-feira, 30 de novembro de 2021

O hábito de consumir carne e o que a falta do produto provoca nos seres humanos...

 ...segundo ECHEVERRIA, está na famosa obra El matadero,  que comecei a ler hoje. 

E eu sei?

"Ainda não consegui lobrigar a mais breve sombra de desânimo em seus rostos, onde se desenham privações de toda a sorte, a miséria mais funda; não tremem, não se acobardam e não negam as crenças mantidas pelo evangelizador fatal e sinistro que os arrastou a uma desgraça incalculável.

 

Mulheres aprisionadas na ocasião em que os maridos caíam mortos na refrega e a prole espavorida desaparecia na fuga, aqui têm chegado — numa transição brusca do lar mais ou menos feliz para uma praça de guerra, perdendo tudo numa hora — e não lhes diviso no olhar o mais leve espanto e em algumas mesmo o rosto bronzeado de linhas firmes e iluminado por um olhar de altivez estranha e quase ameaçadora. Uma delas acaba de ser conduzida à presença do general. Estatura pequena, rosto trigueiro, cabelos em desalinho, lábios finos brancos, rugados aos cantos por um riso doloroso, olhos vesgos, cintilantes, traz ao peito, posta na abertura da camisa, a mão direita, ferida por um golpe de sabre.

 

— Onde está teu marido?

 

— No céu.

 

— Que queres dizer com isto?

 

— Meu marido morreu.

 

E o olhar correu rápido e fulgurante sobre os circunstantes sem se fitar em ninguém.

 

O chefe da comissão de engenharia julgou conveniente fazer-lhe algumas perguntas acerca do número de habitantes e condições da vida, em Canudos.

 

— Há muita gente aí, em Canudos? 


— Há muita gente aí, em Canudos?

 

— E eu sei?... Eu não vivo navegando na casa dos outros. Está com muitos dias que ninguém sai por via das peças. E eu sei contar? Só conto até quarenta e rola o tempo pra contar a gente de Belo Monte...

 

— O Conselheiro tem recebido algum auxílio de fora, munições, armas?...

 

— E eu sei? Mas porém em Belo Monte não manca [mancar - faltar (manquer). É singular este galicismo no sertão] arma nem gente pra brigar.

 

— Onde estava seu marido quando foi morto?

 

Esta pergunta foi feita por mim e em má hora a fiz. Fulminou-me com o olhar.

 

— E eu sei? Então querem saber de tudo, do miúdo e do grande. Que extremos!...

 

E uma ironia formidável, refletida nos lábios secos que ainda mais se rugaram num sorriso indefinível, sublinhou esta frase altiva, incisiva, dominadora como uma repreensão

 

— Onde está Vila Nova?

 

—  Abancou para o Caipã.

 

— E Pajeú?

 

É de hoje que ele foi pro céu?

 

— Tem morrido muita gente aí?

 

E eu sei?...

 

Este e eu sei? é o início obrigado das respostas de todos; surge espontaneamente, infalivelmente numa toada monótona, encimando todos os períodos, cortando persistentemente todas as frases.

 

— Fugiram muitos jagunços hoje, no combate?

 

— E eu sei? Meu marido foi morto por um lote de soldados quando saía; o mesmo tiro quebrou o braço de meu filho de colo.. Fiquei estatalada, não vi nada... este sangue aqui na minha manga é de meu filho, o que eu queria era ficar lá também, morta...

 

E assim vão torcendo e evitando a todas as perguntas, fugindo vitoriosamente ao interrogatório mais habilmente feito E que as interrogativas assediem-nos demais, inflexivelmente, quando não é mais possível tergiversar, lá surge o infalível — e eu sei? tradução bizarra de todas as negativas, eufemismo interessante substituindo o não claro, positivo."


EUCLIDES DA CUNHA -  Diário de uma expedição

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

NEGÓCIOS ESTRANHOS - Jornalista aponta grande aumento de patrimonial da família de Deltan Dallagno

 

l28 de novembro de 2021, 15h45


Durante período de importantes desdobramentos da operação "lava jato", no ano de 2018, o então procurador do Ministério Público Federal e coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, teria adquirido um apartamento de luxo em Curitiba por R$ 1,8 milhão.
Mensagens mostraram interesse de Deltan em abrir empresas em nome de terceiros

Fernando Frazão/Agência Brasil

Esse e outros investimentos milionários e negócios paralelos ao trabalho de procurador foram compilados e divulgados pelo jornalista Luis Nassif.

Segundo a reportagem, no dia 12 de julho de 2021, Fernanda Mourão Ribeiro Dallagnol, com quem Deltan é casado em regime de comunhão parcial de bens, arrematou um segundo apartamento no mesmo edifício. Pagou R$ 2,1 milhões em um leilão judicial.

Neste ano ela também teria aberto a empresa Delight Consultoria Gerencial e Empresarial, com capital social de R$ 110 mil e adquirido em leilão da Caixa Econômica Federal um imóvel de escritório, por R$ 143 mil. Esses negócios foram todos feitos em um curto espaço de tempo.

Fernanda é sócia, desde 2010, da empresa Sanegraph Serviços de Informática, uma pequena empresa que desenvolve softwares na área de saneamento e tem como cliente preferencial prefeituras do Paraná e também a Fundação Nacional de Saúde.

Por sua vez, a irmã do ex-procurador, Édelis Martinazzo Dallagnol, também tem uma série de negócios no Paraná. Conforme apurado por Nassif, em julho desse ano, ela se tornou a de gestora da Hering Kids de Curitiba, uma rede com quatro lojas em shoppings da cidade. Coincidentemente, havia boatos de que Deltan tinha comprado quatro franquias da Hering para sua esposa.

No mês anterior, exatamente no dia 7 de junho de 2021, foram abertas várias empresas, todas em nome de Édelis, de Agenor Dallagnol e Vilse Salete Martinazzo Dallagnol, pai e mãe do coordenador da "lava jato".

A reportagem mostra que, em um único dia, foram abertas as seguinte empresas: Breakout Comércio de Confecções Eireli, de propriedade de Édelis; Chelsea Comércio de Confecções Ltda, com capital social de R$ 250 mil tendo Édelis e Sofia Ribeiro Dallagnol como sócias; Sunray Comércio de Confecções Ltda, tendo como sócios Vilse e Agenor e capital social de R$ 350 mil; e Cherish Comércio de Confecções Eirelli, de Édelis e Vilse, com capital social de R$ 450 mil. A família teria ainda uma quinta empresa de importação e exportação de artigos esportivos, aberta em 2018.

Mensagens da vaza jato mostraram que Dellagnol tinha intenção de criar um esquema para lucrar com a fama e contatos feito durante a operação "lava jato". Em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Deltan e um colega do MPF discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas.

As mensagens também revelaram que Deltan já tinha a ideia de criar uma empresas em nome de terceiros. O procurador e o colega dele na autoprocalamada "força-tarefa" Roberson Pozzobon criaram um grupo de mensagens específico para discutir o tema. Deltan propôs que uma empresa de eventos fosse aberta em nome das mulheres deles.

Para Nassif, é possível que parte dos investimentos citados tenha sido bancada pelos pais de Deltan, que se envolveram em indenizações vultosas e polêmicas junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Segundo o portal "De olho nos ruralistas", em 2016 foram efetuadas desapropriações de terras na Amazônia, mas o Incra teria identificado irregularidades nas desapropriações e abriu processo para recuperar o dinheiro. Dos R$ 41 milhões liberados, pelo menos R$ 36,9 milhões foram para a família Dallagnol.



Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2021, 15h45

Noivinha do Aristides?

Prisão arbitrária aconteceu na cidade de Resende (RJ), onde Bolsonaro foi participar de formatura de militares

29 de novembro de 2021, 05:29 h Atualizado em 29 de novembro de 2021, 05:29
Jair Bolsonaro (Foto: Polícia Rodoviária Federal)

247 – A prisão arbitrária de uma mulher que protestou contra Jair Bolsonaro, na cidade de Resende (RJ), se deu por motivo inusitado e arbitrário. O "insulto" foi chamá-lo de "noivinha do Aristides". 
Uma mulher de 40 anos foi detida pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) neste sábado (27) após xingar Jair Bolsonaro.
O chefe do governo estava em Resende, no Rio de Janeiro, para participar de um evento na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e foi até a margem da Via Dutra para acenar para motoristas e cumprimentar policiais.
A mulher, que passava de carro pelo local naquele momento, proferiu xingamentos contra Bolsonaro. Momentos depois seu carro foi abordado pela PRF e a mulher foi detida por injúria contra o presidente da República.

Fonte: Brasil 247

domingo, 28 de novembro de 2021

SPENCER, VELHO, VISTO POR EUCLIDES DA CUNHA, a ciência e a especialização



CIVILIZAÇÃO

Convenha-se em que Spencer — Spencer o da última hora, o Spencer valetudinário e misantropo que chegou aos primeiros dias deste século para o amaldiçoar e morrer - desgarrou da verdade ao afirmar que há nestes tempos, um recuo para a barbaria. 
Viu a vida universal com a vista cansada dos velhos. Não a compreendeu. Não lhe aprendeu os aspectos variadíssimos e novos. Certo, faltou-lhe às células cerebrais, exauridas pela idade, senão pelo mesmo acúmulo das imagens que se refletiram, a primitiva receptividade diante da época indescritível e bizarra em que as almas se dobram à sobrecarga de maravilhas e vacilam, deslumbradas, ora entre prodígios da indústria tão delicados, às vezes, que recordam uma materialização do espírito criador, ora entre as magias da ciência, tão poderosas que espiritualizam a matéria dinamizando-a na idealização tangível do rádio... 
Ou, então, afligiu-o um duro ferrotoar da inveja. Ia-se-lhe a vida, próxima a estagnar-se no emperramento das artérias — e ficavam-lhe na frente, maior e crescente, prefigurando novos encantos, novas revelações e novos ideais, o esplendor da civilização vitoriosa. 
Não se conteve. 
Partiu-se-lhe o aprumo de filósofo. Vestiu desastradamente a pele da raposa desapontada, e entrou na imortalidade através de uma fábula de La Fontaine. 
Que mais desejava o sábio?... Maior amplitude na ciência? 
Mas esta é, hoje, tal que obriga a inteligência a diferenciar-se numa especialização indefinida. 
O mais desvalioso, o mais tíbio aspecto particularíssimo de uma existência, exige uma existência inteira. Em torno da criptogama mais rudimentar arma-se uma biblioteca. A mais afanosa vida não basta a estudar todas as algas. Breve se organizarão academias para os zoóptos. 
O martelo do geólogo bate, nesta hora, na última aresta rochosa do último recanto perdido na anfratuosidade de um contraforte sem nome de uma montanha da África central. 
Aos sismógrafos, armados em toda a parte, não escapa o mínimo tremor, a mais célere crispadura da terra. 
A ocultação da estrela mais imperceptível, sem nome ou apequenada nas últimas letras do alfabeto grego, não se opera sem que a acompanhe o olhar perspícuo de um astrônomo — do astrônomo que não induz como Newton, Kepler, nem calcula como Gauss, porque lhe é escassa a vida para a infinitas minúcias que repontam e fulguram na poeirada cósmica dos asteróides. 
Neste momento, um oceanógrafo, um NN imortal qualquer, arranca o brilho de uma revelação da vasa secular de um dos tenebrosos abismos do Atlântico; ou pompeia, vaidoso, o fruto de vinte anos de análises, descrevendo rigorosamente o movimento respiratório das nereidas. 
E um anatomista, encanecido a estudar o grande zigomático, levanta-se gravemente numa academia real austera ou num instituto sisudo, e, diante da austera academia, que se edifica, ou do sisudo instituto, que se deslumbra, faz a psicologia do riso e a dinâmica hilariante da alegria... 
Maior idealização artística? 
Mas Shakespeare imortalizou-se, universalizando-se: foi a grande voz assombradora da natureza, ressoando com todas as tonalidades, da gagueira terrível de Caliban ao correntio harmonioso do rouxinol do Capuleto — ao passo que hoje os poemas irrompem, a granel, de um retalho qualquer da vida mais prosaica — e um largo, irresistível misticismo baralha na mesma ebriez espiritualista os cientistas e os poetas. 
Os raios não fulminam a positividade das ciências. E a crítica inexorável, que espantara os duendes e anulara o milagre, recua, por sua vez, surpreendida ante a ciência imaginária, que surge sobre os destroços da teoria atômica — e mostra-nos, em destaque, num quase eclipse da lei suprema da conservação da energia – o espiritista esmaniado ao lado do químico reportado, e a física de Roentgen desfechando nos mistérios telepáticos. 
Maior expansão industrial? 
Mas, posto de lado o indescritível das primorosas glorificações do trabalho, devia bastar-lhe, para aquilatar o império do homem sobre as coisas, este aproveitamento genial do solenóide terrestre na telegrafia sem fios: a Terra inteira transmudada em serva submissa do pensamento humano, e toda penetrada dele, e absorvendo-o, irradiando-o, e expandindo-o no consórcio maravilhoso da sua força magnética imensurável com as vibrações ideais da inteligência... Maior alevantamento moral? 
Aqui se nos emperra a pena, a ranger, trada e acobardada. 
O assunto é complexo e pregueia-se de inumeráveis refolhos. Não há abrangê-lo. O movimento industrial, ou científico, pode ao menos ser imaginado. Pode condensar-se num "bloc" resplandecente como essa Exposição de S. Luiz, que inscreve num quadrilátero de palácios o melhor de toda a atividade humana. 
Mas o progresso da moral... Entre os atrativos da Exposição de S. Luiz, um há, interessantíssimo. 
Não se trata de algum novo motor, ou de uma nova aplicação elétrica. 
Trata-se de uma pantomina heróica. Imagine-se o drama esquiliano da guerra do Transvaal sobre o palco amplíssimo de um vasto barracão de feira. 
A terra lendária, com o revesso dos seus alcantis arremessados e a angustura de seus desfiladeiros longos, aparece, à luz das gambiarras, na paisagem morta de lona chapada de largos borrões de tinta variadas e cruas ajustadas sobre pernas de serra e sarrafos. Ali, desenrola-se a luta nos estouros dos cartuchos de festim, no coruscar das espadas de papelão prateado, nos assaltos aos redutos de papier-maché, e no estavanado, e no tropear tumultuário dos guerreiros de rostos afogueados de vermelhão ou empalidecidos de pós-de-arroz, e ouvidos armados dos apitos do contra-regra... 
O ianque aplaude. A ilusão é completa. 
Vê-se a celeridade nervosa de De Wet, a calma patriarcal de Krueger, a tardeza ameaçadora de Botha... E, vibrando na distensão repentina dos atiradores, ou concentrando-se em cargas violentas e compactas, dispersas em escaramuças ou fundidas, de golpe, no tumulto convulsivo da batalha, as brigadas impetuosíssimas dos boers. 
Depois Ladsmith, Kimberley, Magersfontain, todos os lugares refeitos de reminiscência gloriosa. 
Por fim, o assalto de Paardeberg e a bravura espantosamente tranqüila de Cronje. 
Nesta ocasião a imagem real da campanha é absoluta e o protagonista surge como o não representaria o Fregoli mais protéico e plástico. Porque é o mesmo Cronje, o Cronje autêntico, palpável — com a sua linha magnifica de herói de envergadura atlética, aparecendo aos clarões da ribalta, entre explosões de palmas e gritos entusiásticos que lhe bisam as façanhas. 
Um cronista do Figaro, comentando o caso do único modo por que pode ele ser comentado — com um humorismo laivado de melancolia — declarou "que é preciso viver e que desgraçadamente ainda não há incompatibilidade entre a glória e a miséria"... 
Não comentemos, nós. Admiremos, absortos, este traço adorável e utilitário dos tempos. 
Acabou-se o tipo tradicional do herói transfigurado pela desfortuna; do herói importuno e triste; do herói que pede esmola ou morre escaveirado e tiritante, passando das palhas de uma enxerga para o mármore dos panteões. 
Não mais Camões e Belisários... 
Rompe o herói político, esplendidamente burguês; o herói que faz o trust do ideal; o herói que aluga a glória e que, antes de pedir um historiador, reclama um empresário. 
Alevantamento moral... 
Não prossigamos. Decididamente Spencer viu, pela última vez, este mundo com o olhar bruxoleante de um velho. O mestre errou; errou palmarmente, desastrosamente, escandalosamente. Os tempos que vão passando são, na verdade, admiráveis.

EUCLIDES DA CUNHA - Um texto que impõe muita reflexão

"UM VELHO PROBLEMA 

Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubos... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Thomaz de Aquino; e com tal brilho e cópia de argumentos, que a perigosa tese repontava com a estrutura inteiriça de um princípio positivo. 
Realmente a repassava uma nobre e incomparável piedade, fazendo que aquela extravagância resumisse e espelhasse um dos aspectos mais impressionadores da justiça. 
Tratava-se, ao parecer, de um código da indigência; e os graves doutores, no avantajarem-se tanto, rompendo com nobre rebeldia as barreiras da moral comum, para advogarem a causa da enorme maioria de espoliados, chegavam à conclusão de que a opulência dos ricos se traduzia como um delitum legale, um crime legalizado. 
Impressionava-os o problema formidável da miséria na sua feição dupla — material e filosófica — pois é talvez menos doloroso refletido nos andrajos das populações vitimadas, que na triste inópia de elementos da civilização para o resolver. E como lhes faleciam, mais do que hoje nos falecem, elementos para a extinção do mal, justificavam aos desvalidos num crudelíssimo título de posse a todos os bens – a fome. 
O indigente tornava-se um privilegiado afrontando impune toda a ortodoxia econômica. 
O roubo transmudava-se, do mesmo passo, num direito natural de legítima defesa contra a Morte e num dever imperioso para com a Vida. 
Mas não foram além deste expediente, e dessas declamações, os piedosos doutores. Tolhia-os, senão a situação mental da Idade Média imprópria a uma apreciação exata do conjunto do progresso humano, a mesma ditadura espiritual do catolicismo, na plenitude de força, e para o qual a miséria – eloqüentíssima expressão concreta do dogma do pecado original — era sempre um horroroso e necessário capital negativo, avolumando-se com as provações e com os martírios para a posse anelada da bem-aventurança, nos céus... 
Por outro lado, os pensadores leigos do tempo, e os que os encalçaram até ao século XVIII, não partiram esta tonalidade sentimental. 
Mais sonhadores que filósofos, o que os atraía era o lado estético do infortúnio, a visão empolgante do sofrimento humano, a que nos associamos sempre pela piedade. 
Os seus livros, pelos próprios títulos hiperbólicos, à maneira dos das novelas do tempo, retratam uma intervenção brilhante e imaginosa, mas inútil. 
São como títulos de poemas. 
De fato, na Utopia de Thomaz Morus, na Oceana de Hallis, ou na Basilidade de Morelly, a perspectiva de uma existência melhor, oriunda da riqueza eqüitativamente distribuída e dos privilégios extintos, irrompe num fervor de ditirambos, aos quais não faltam, para maior destaque, prólogos arrepiadores de agruras e tormentas indescritíveis... As medidas propostas raiam pelos exageros máximos da fantasia: do nivelamento absoluto de João Libburne, ao platonismo adorável de Fontenelle e ao niilismo religioso de Diderot; e para lhes não faltar grotesco, esse cruel e antilógico grotesco imanente às mais trágicas situações, culmina-as o desvairado comunismo de Campanella com os seus trezentos monges, trezentos ascetas barbudos e melancólicos, tentando uma república igualitária que seria o desabamento de todas as conquistas do progresso. 
Ora, tudo isto caracteriza bem o completo desequilíbrio das almas rudemente trabalhadas pelas doutrinas opostas e de todo desapercebidas, então, de uma síntese filosófica que ao mesmo passo as emancipasse do apego tradicional ao catolicismo, cuja missão findara, e dos impulsos demolidores da metafísica triunfante. 
Assim, ao arrebentar a crise decisiva de 1789, não é de estranhar ficasse inapercebido, e talvez sacrificado, o grande problema que desde Pitágoras e Platão vinha agitando os espíritos. 
E que a grande revolução, inspirada pela filosofia social do século XVIII, oferece o espetáculo singular de repudiar, desde os seus primeiros atos, os seus próprios criadores. 
A consideração de Guizot é profunda: nunca uma filosofia aspirou tanto ao governo do mundo e nunca foi tão despida do império. 
Os filósofos foram, de pronto, suplantados, na agitação revolta dos panfletos e da retórica explosiva dessa literatura política sempre efêmera, com ser modelada pelos desvarios repentinos da multidão. 
A sólida estrutura mental de um d’Alembert antepôs-se o espírito imaginoso e pueril de um Vergniaud, e aos sonhos desmedidos de Mably e excesso de objetivismo do trágico casquilho que passeou pelas ruas de Paris :a deusa da Razão... 
De sorte que a última pancada do antigo regime - já longamente solapado e prestes a cair por si mesmo — se fez com excesso de energias que atirou sobre os destroços da ordem antiga as ruínas da ordem nova planeada. 
Exclusivamente atraída pelo programa, que se lhe afigurava enorme e pouco valia, de derruir as classes privilegiadas, a Revolução firmou, nos “direitos do homem”, um duro individualismo que na ordem espiritual significava a negação dos seus melhores princípios e na ordem prática equivalia a destruir as corporações populares, isto é, a única criação democrática da Idade Média. 
“Os direitos do homem..."
No entanto, a fórmula superior daquela filosofia, visava, de preferência, através da solidariedade humana crescente, exatamente o contrário – os "deveres do homem”. 
Mas era exigir muito à loucura política do momento. Fazia-se mister, antes de tudo, que as franquias recém-adquiridas tivessem um traço incisivamente antiaristocrático. Que o camponês, absolutamente livre, fosse absolutamente dono da quadra de terra onde nascera e onde tanto tempo jazera aguilhoado à gleba feudal; enquanto o burguês das cidades pudesse agir libérrimo, dispondo a bel-prazer de todos os seus bens, despeado do liame das jurandes
E o trono vazio dos Capetos teve em roda a concorrência tumultuária de não sei quantos milhões de liliputinianos reis... 
Despojados o clero e a aristocracia de suas propriedades (não raro precárias como privilégios sujeitos aos caprichos do poder monárquico) ficou em seu lugar — intangível, absoluta e sacratíssima — a propriedade burguesa, para a qual o ilustre Condorcet não encontrara limites no texto que forneceu à Convenção. 
Por isto, a breve trecho, se patenteou a inanidade das reformas executadas; ao invés de um número restrito de privilegiados, nos quais o egoísmo se atenuava com as tradições cavalheirescas da nobreza, um outro, maior e formado pela burguesia vitoriosa, mais inapta ainda a compreender a missão social da propriedade, ávida por dominar na arena livre que se lhe abria, e tornando maior o contraste entre a sua opulência recente e a situação inalterável do proletariado sem voto — naquele tumulto e destinada apenas a colaborar anonimamente na epopéia napoleônica, quando em breve, culminando a catástrofe revolucionária, o mais pequenino dos grandes homens surgisse, concretizando a reação disfarçada do antigo regime, e fosse restaurar, entre os — fulgores de uma glória odiosa, o anacronismo da atividade militar. Destruída desta maneira a obra memorável da Convenção, vê-se, contudo, que ela tinha latentes e aguardando apenas um meio propício, os princípios de uma distribuição mais eqüitativa da fortuna. 
Para o rígido Camus a propriedade “não era um direito natural, era um direito social”; acompanhava-o neste conceito o romântico Saint Just; e sobre todos, mais incisivamente, num dizer claríssimo que lhe dá as honras de um precursor do coletivismo moderno, o incomparável Mirabeau atirava na anarquia das assembléias estas palavras singularmente austeras: “Le proprietarie n’est lui-même que le premier des salariés. Ce que nous appelons vulgairement la proprieté n’est autre chose que le prix qui lui paye la societé pour les distribuitions qu’il est chergé de faire aux autres individus par ses consommations et ses depenses. Les proprietaires sont les agents, les economes du corps social”. 
Estas frases admiráveis, porém, que ainda hoje, transcorridos cento e tantos anos, são a síntese de todo o programa econômico de socialismo, ninguém as escutou. 
De modo que à massa infelicíssima do povo, a quem a revolução libertara para a morte despeando-a da gleba para jungi-la ao carro triunfal de um alucinado, restavam ainda, como nos velhos tempos, apenas as fórmulas enérgicas, mas inócuas, de alguns doutores canonizados; e em pleno repontar do século XIX – quando a filosofia natural já aparelhara o homem para transfigurar a terra — um triste, um repugnante, um deplorável, e um horroroso direito: o direito do roubo.
Mas esta filosofia natural, tão crescentemente revigorada e favorecendo tanto, no século que passou, o ascendente industrial, era por si mesma – isolada no campo das suas investigações — inapta à verdadeira solução do problema. 
Dizem-no os insucessos de todos os que o consideraram esteando-se nela, das estupendas utopias de Saint-Simon e dos seus extraordinários discípulos, às alienações de Proudhon, às tentativas bizarras de Fourier e ao soçobro completo da política de Luiz Blanc. Fora logo acompanhá-los. Se o fizéssemos, veríamos que, malgrado todos os recursos das ciências, eles pouco se avantajaram aos sonhadores medievais: o mesmo agitar de medidas fantásticas, e tão radicais, algumas, abalando tanto os fundamentos da sociedade, a começar pela organização da família, que acerretavam ante novos elementos perturbadores e novas faces à questão, dando-lhe um caráter por igual revolucionário e complexo capaz de a tornar perpetuamente insolúvel. 
Assim ela chegou até meados do último século — até Karl Marx — pois foi, realmente, com este inflexível adversário de Proudhon que o socialismo científico começou a usar uma linguagem firme, compreensível e positiva. 
Nada de idealizações: fatos; e induções inabaláveis resultantes de uma análise rigorosa dos materiais objetivos; e a experiência e a observação, adestradas em lúcido tirocínio ao través das ciências inferiores; e a lógica inflexível dos acontecimentos; e essa terrível argumentação terra-a-terra, sem tortuosidades de silogismos, sem o idiotismo transcendental da velha dialética, mas toda feita de axiomas, de verdadeiros truísmos, por maneira a não exigir dos espíritos o mínimo esforço para a alcançarem, porque ela é quem os alcança independentemente da vontade, e os domina e os arrasta com a fortaleza da própria simplicidade. 
A fonte única da produção e do seu corolário imediato, o valor, é o trabalho. Nem a terra, nem as máquinas, nem o capital, ainda coligados, as produzem sem o braço do operário. Daí uma conclusão irredutível: – a riqueza produzida deve pertencer toda aos que trabalham. E um conceito dedutivo: o capital é uma espoliação. Não se pode negar a segurança do raciocínio. 
De efeito, desbancada a lei de Malthus, ante a qual nem se explicaria a civilização, e demonstrada a que se lhe contrapõe consistindo em que “cada homem produz sempre mais do que consome persistindo os frutos do seu esforço além do tempo necessário à sua reprodução” – põe-se de manifesto o traço injusto da organização econômica do nosso tempo. 
A exploração capitalista é assombrosamente clara, colocando o trabalhador num nível inferior ao da máquina. De fato, esta, na permanente passividade da matéria, é conservada pelo dono; impõe-lhe constantes resguardos no trazê-la íntegra e brunida, corrigindo-lhe os desarranjos; e quando morre — digamos assim — fulminada pela pletora de força de uma explosão ou debilitada pelas vibrações que lhe granulam a musculatura de ferro, origina a mágoa real de um desfalque, a tristeza de um decréscimo da fortuna, o luto inconsolável de um dano. Ao passo que o operário, adstrito a salários escassos demais à sua subsistência, é a máquina que se conserva por si, e mal; as suas dores recalca-as forçadamente estóico; as suas moléstias, que, por uma cruel ironia, crescem com o desenvolvimento industrial — o fosforismo, o saturnismo, o hidrargirismo, o oxicarborismo — cura-as como pode, quando pode; e quando morre, afinal, às vezes subitamente triturado nas engrenagens da sua sinistra sócia mais bem aquinhoada, ou lentamente — esverdinhado pelos sais de cobre e de zinco, paralítico delirante pelo chumbo, inchado pelos compostos de mercúrio, asfixiado pelo óxido de carbônico, ulcerado pelos cáusticos dos pós arsenicais, devastado pela terrível embriaguez petrólica ou fulminado por um coup de plombquando se extingue, ninguém lhe dá pela falta na grande massa anônima e taciturna, que enxurra todas as manhãs à porta das oficinas. Neste confronto se expõe a pecaminosa injustiça que o egoísmo capitalista agrava, não permitindo, mercê do salário insuficiente, que se conserve tão bem como os seus aparelhos metálicos, os seus aparelhos de músculos e nervos; e está em grande parte a justificativa dos socialistas no chegarem todos ao duplo princípio fundamental: Socialização dos meios de produção e circulação; Posse individual somente dos objetos de uso. Este princípio, unanimemente aceito, domina toda a heterodoxia socialista — de sorte que as cisões, e são numerosas, existentes entre eles, consistem apenas nos meios de atingir-se aquele objetivo. Para alguns, e citam-se apenas João Ligg e Ed. Vaillant, os privilégios econômicos e políticos devem cair ao choque de uma revolução violenta. É o socialismo demolidor que, entretanto, menos aterroriza a sociedade burguesa. Outros, como Emílio Vendervelde, se colocam numa atitude expectante: as reformas serão violentas ou não, segundo o grau de resistência da burguesia. Finalmente, outros ainda – os mais tranqüilos e mais perigosos – como Ferri e Colajanni, corretamente evolucionistas, reconhecendo a carência de um plano já feito de organização social capaz de substituir, em bloco, num dia, a ordem atual das coisas, relegam a segundo plano as medidas violentas, sempre infecundas e só aceitáveis transitoriamente, de passagem, num ou noutro ponto, para abrirem caminho à própria evolução
Ferri, em belíssimo paralelo entre o desenvolvimento social e o terrestre, mostra como os imaginosos cataclismos de Cuvier, perturbaram, sem efeito, a geologia para explicarem transformações que se realizam sob o nosso olhar, sendo os grandes resultados, que mal compreendemos no estreito círculo da vida individual, uma soma de efeitos parcelados acumulando-se na amplitude das idades do globo. Deslocando à sociedade este conceito, aponta-nos o processo normal das reformas lentas, operando-se na consciência coletiva e refletindo-se pouco a pouco na prática, nos costumes e na legislação escrita, continuamente melhoradas. Nada mais límpido. Realmente, as catástrofes sociais só podem provocá-las as próprias classes dominantes, as tímidas classes conservadoras, opondo-se a marcha das reformas - como a barragem contraposta a uma corrente tranquila pode gerar a inundação. 
Mesmo nesse caso, porém, a convulsão é transitória; é um contrachoque ferindo a barreira governamental. Nada mais. 
Porque o caráter revolucionário do socialismo está apenas no seu programa radical. 
Revolução: transformação. 
Para a conseguir, basta-lhe erguer a consciência do proletário, e — conforme a norma traçada pelo Congresso Socialista de Paris, em 1900 — aviventar a arregimentação política e econômica dos trabalhadores. 
Porque a revolução não é um meio, é um fim; embora, às vezes, lhe seja mister um meio, a revolta. Mas esta sem a forma dramática e ruidosa de outrora. As festas do primeiro de maio são, quanto a este último ponto, bem expressivas. 
Para abalar a terra inteira, basta que a grande legião em marcha pratique um ato simplíssimo: cruzar os braços... 
Porque o seu triunfo é inevitável. 
Garantem-no as leis positivas da sociedade que criarão o reinado tranquilo das ciências e das artes, fontes de um capital maior, indestrutível e crescente, formado pelas melhores conquistas do espírito e do coração..." 

- Excertos de Contrastes e confrontos

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Nem um nem outro, sempre

Porque assim como beber sempre vinho ou sempre água é coisa prejudicial, ao passo que é agradável fazer uso alternativo destas bebidas, assim também, se o estilo fosse sempre uniforme, não agradaria. - VULGATA
(...) 
Não continues a beber água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.- NOVO TESTAMENTO

Uma alegoria sempre atual, contida na VULGATA

Quando o rebanho é conduzido ao pasto ou à água, as ovelhas mais fortes não só avançam em primeiro lugar, afastando as mais fracas, mas também danificam o pasto ou a água que devia ficar para elas: Imagem dos grandes que não se contentavam com gozar os bens do pais, mas que privavam deles os que não se podiam defender.

Esqueceram do AR

As coisas mais necessárias à vida do homem são a água, o fogo, o ferro, o sal, o leite, e o pão da flor da farinha, e o mel, os cachos de uvas, o azeite e o vestido disseram os sábios que escreveram a VULGATA.

Mas esqueceram-se do ar.

A medição de uma casa, feita por um anjo

A agrimensura antiga, segundo a Bíblia (Vulgata) era feita assim:

"15 E, tendo (o anjo) acabado de tomar as medidas da casa interior, fez-me sair pela porta que olhava para o oriente; e mediu a casa por todos os lados em circuito. 16 Mediu pelo lado do oriente com a cana de medir, e tinha quinhentas medidas da cana ao redor. 17 E mediu pelo lado do setentrião quinhentas medidas da mesma cana ao redor. 18 E mediu pelo lado do meio-dia quinhentas medidas da mesma cana ao redor. 19 E mediu pela banda do ocidente quinhentas medidas da mesma cana (ao redor). 20 Mediu a sua parede por todas as partes, segundo os quatro ventos, andando à roda, achando ter o comprimento de quinhentos côvados, e a largura de quinhentos côvados, que era o espaço que havia entre o santuário e o lugar (ou átrio do) povo".

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

LEMBREI-ME DE GRANDES CAPITALISTAS, DE BANQUEIROS, DE ABUTRES DE MUITAS RELIGIÕES TAMBÉM

Comeram a carne do meu povo, e arrancaram-lhe a pele, e quebraram-lhe os ossos, e partiram-no como para fazer cozer num caldeirão, e como carne que se quer fazer ferver dentro duma panela.

Excertos da VULGATA

DAVID, O CRUEL

 VULGATA - REIS - E, tendo-lhe tomando David mil e setecentos cavaleiros e vinte mil peões, cortou os jarretes (*) a todos os cavalos das carroças; e deles reservou somente (os precisos) para cem carroças.


-=-=--=


(*) Articulações do meio das pernas traseiras, como se fossem nossos joelhos. 

DIREITO AMBIENTAL - Município pode editar lei sobre proteção e do meio ambiente local, diz STF

COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL
24 de novembro de 2021, 9h34

Município tem competência para editar lei sobre proteção e integridade do meio ambiente local. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou, nesta terça-feira (23/11), recurso da empresa Dow Agrosciences Industrial contra lei do município de Saudades (SC) que impôs restrições ao uso de herbicida.

Ministro aposentado Celso de Mello argumentou que município pode legislar sobre Direito Ambiental
SCO/STF

O julgamento, que se iniciou em 2017, foi concluído com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes pela competência do município para legislar sobre assunto local ambiental, na linha do voto do relator, ministro aposentado Celso de Mello. Gilmar será o redator do acórdão.

A companhia interpôs agravo regimental contra decisão de Celso de Mello, tomada no Recurso Extraordinário com Agravo 748.206, que manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A corte estadual considerou não haver qualquer vício ou inconstitucionalidade na Lei municipal 1.382/2000, que implementa restrições ao uso de um herbicida à base de 2.4-D, visando proteger determinadas culturas desenvolvidas na cidade e prevenir danos ambientais futuros.

Segundo o TJ-SC, há interesse local na medida, e o artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal estabelece que o município tem competência para legislar sobre matérias de interesse local, além de poder suplementar normas federais e estaduais.

Voto do relator

Ao apresentar seu voto para negar o agravo, mantendo sua decisão monocrática, Celso de Mello lembrou os óbices de natureza processual que apontou para rejeitar o trâmite do recurso extraordinário no STF, entre eles a impossibilidade de reexame de fatos e provas e a ocorrência de ofensa reflexa ou indireta à Constituição Federal. Mas observou que, caso se pudessem superar essas questões processuais, ainda assim seria legítima a edição da lei municipal.

"O exercício da competência do município está fundado na defesa e na proteção da saúde e na tutela da integridade do meio ambiente local", afirmou. Segundo o ministro, a competência se legitima desde que o município legisle para tutelar e regular assuntos de interesse estritamente local, nos limites do artigo 30, inciso I, da Constituição Federal.

O relator também destacou que incide no caso o postulado da precaução, que visa evitar, neutralizar ou minimizar riscos em potencial à qualidade de vida e ao meio ambiente, e observou que a lei municipal reconheceu, com apoio em pareceres técnicos, a potencial nocividade do uso do agrotóxico. Esses motivos, segundo Celso de Mello, têm levado o Supremo a reconhecer o direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de cada um dos entes políticos da federação.

Por fim, o magistrado assinalou que, na área da proteção ambiental, os interesses corporativos dos organismos empresariais devem estar, necessariamente, subordinados aos valores que conferem precedência à preservação da integridade do meio ambiente, conforme o artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, e ressaltou que o Supremo já se manifestou no sentido de que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais, nem ficar dependente de motivações meramente econômicas. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ARE 748.206Ad


terça-feira, 23 de novembro de 2021

Era isso que almejavam!!!




Algozes de Lula, juízes do TRF4 são candidatos a vaga no STJ
- 23 de novembro de 2021

Apoie o DCMOs desembargadores do TRF4 Victor Laus, Leandro Paulsen e João Pedro Gebran, que aumentaram condenação de Lula, são candidatos ao STJ. Fotos: Sylvio Sirangelo/TRF4


Os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, responsáveis pela decisão em segunda instância que prendeu Lula, aumentou sua pena e o tornou inelegível, são candidatos, ao lado de outros 13 postulantes, a duas vagas abertas no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A informação é da coluna Maquiavel, da revista Veja.

PUBLICIDADE

Leia mais:





O voto dos três ajudou, em 2018, a corroborar a sentença do ex-juiz federal Sérgio Moro, atualmente filiado ao Podemos, e aumentou a condenação do ex-presidente Lula para doze anos de prisão.


Outros 13 candidatos em outros estados disputam, contra os três do Rio Grande do Sul (onde fica sediado o TRF4), as vagas abertas no STJ pela aposentadoria dos ministros Napoleão Nunes Maia e Néfi Cordeiro.

A decisão em segunda instância contra Lula, tomada pelo tribunal de Porto Alegre, foi o que tornou o petista inelegível no pleito de 2018, abrindo caminho para a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido). Lula ficou um ano e sete meses preso no prédio da Polícia Federal em Curitiba.

PUBLICIDADE


O STJ é composto por 33 ministros, nomeados pelo presidente da República a partir de uma lista indicada pelo próprio tribunal. Como há duas cadeiras vagas, a corte irá decidir se irá formar duas ou apenas uma lista tríplice com os nomes mais votados entre o total de 16 desembargadores candidatos. A votação ocorrerá em fevereiro de 2022.


Após ser indicado, o candidato deve ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e depois aprovado em Plenário.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O DESMATAMENTO E CONSEQUÊNCIAS, JÁ NA VISÃO DOS ANTIGOS

 DESMATAMENTO

- Em 1876, Smith ficou doente e morreu enquanto estava procurando mais tabletes perdidos em torno de Nínive. Mas não antes de traduzir o primeiro poema escrito da história — as tábuas de pedra que juntas formam o Épico de Gilgamesh. O épico nos conta que na Antiguidade vastas florestas cresciam no Oriente Médio. Isso pode ser difícil de acreditar hoje, quando o que se vê frequentemente, em particular nas notícias ou documentários sobre o Oriente Médio, é uma paisagem árida e impiedosamente implacável de terra dura, ressequida, cozida pelo sol. 

No entanto, no início do terceiro milênio antes de Cristo, as encostas das montanhas da região eram cobertas com densas florestas de cedro. Nos milênios ávidos de recursos, antes do nascimento de Cristo, esses milhões de árvores, incluindo muitos dos altamente valorizados cedros do Líbano, essenciais para a construção de navios, estavam a ponto de desaparecer totalmente. 

O Gilgamesh da vida real foi um rei sumério de Uruk, que viveu em torno de 2700-2500 a.C. Depois de uma série de vitórias nas guerras, ele governava todo o sul da Mesopotâmia. As histórias do meio do Épico de Gilgamesh alertam sobre os perigos de desmatamento. 4 Aproximadamente 4.700 anos atrás, em Uruk, uma cidade-estado no sul da Mesopotâmia, o rei e seu companheiro partiram para o Líbano para cortar seus famosos cedros. Eles incorreram na ira do deus da floresta, Humbaba, que por sua vez pune Gilgamesh. A história ilustra o fato de que a Mesopotâmia não tinha madeira suficiente para manter a sua florescente civilização da Idade do Bronze. À medida que a Mesopotâmia construía milhares de estradas, cidades, canais e palácios usando bronze, as florestas foram derrubadas para alimentar os fornos. 

Essas novas cidades necessitavam de edifícios públicos, palácios e cisternas para armazenar água nos meses secos do verão. Para estes também se precisava de cimento, gesso, tijolos e terracota, os quais exigiam combustível para a sua fabricação. É interessante que Platão também fala sobre uma crise ambiental. Em seus diálogos, ele descreve as consequências do desmatamento na Acrópole: A terra era a melhor do mundo... Naqueles dias, o país era belo como agora e gerava uma produção muito mais abundante... restam apenas os ossos do corpo desgastado, se assim podem ser chamados, como no caso das pequenas ilhas. Todas as partes mais ricas e mais suaves do solo se desvaneceram, e sobrou o mero esqueleto da terra. . . havia [há muito tempo] abundância de madeira... os vestígios ainda permanecem. O problema do desmatamento se tornou tão grave que por volta de 1750 a.C. o rei Hamurábi da Mesopotâmia criou leis contra o corte não autorizado de árvores. 

Então, eu estava começando a suspeitar que a guerra possa não ter sido a única razão de a mineração de estanho não recomeçar em Göltepe depois de ter sido saqueada — talvez tivesse exaurido seu estoque de madeira. 

As dificuldades envolvidas na substituição e replantio de árvores são muito mais agudas nos países mediterrâneos secos do que no norte úmido da Europa, onde as árvores crescem de forma relativamente rápida. No Mediterrâneo, a chuva se restringe ao inverno e tende a ser repentina e violenta. A ironia é que, sem árvores para ancorá-lo, o próprio solo fica empobrecido — exatamente como Platão tinha descrito. ... as chuvas de inverno em encostas desmatadas íngremes degradam rapidamente o solo, lavando-o para baixo. 

As mudas têm dificuldade em restabelecer a floresta, especialmente após o corte limpo, e o solo se degrada rapidamente, a ponto de a floresta de pinheiros não poder se recuperar... 

A tremenda quantidade da antiga escória de cobre em Chipre sugere que a indústria do cobre cipriota colapsou em torno de 300 d.C., simplesmente porque a ilha ficou sem combustível barato. Os depósitos de escória sugerem uma produção total de talvez 200.000 toneladas de cobre — o que, por sua vez, sugere que combustível equivalente a 200 milhões de pinheiros foi cortado para abastecer a indústria de cobre, uma área de florestas 16 vezes a área total da ilha. - GAVIN MENZIE -  O império perdido de Atlântida.


China no Brasil muito antes dos portugueses?

 Há ainda indícios lingüísticos de visitas chinesas à América do Sul. O navio à vela é chamban na Colômbia, sampan na China; uma balsa, balsa na América do Sul, e palso na China; uma balsa de troncos é jangada no Brasil e ziangada em tâmil.

(...) 

Nessa época, um após outro, um grande número de exploradores chegou à América do Sul: Vespúcio, Pinzón e De Lepe, em 1499, e Mendoza no ano seguinte. Os três primeiros fundearam no Delta do Amazonas e, em seguida, navegaram no sentido noroeste. Essa costa nordeste do Brasil, descoberta pelas frotas de tesouros de Zhou Man e Hong Bao, aparecia em numerosos mapas desenhados antes de esses exploradores europeus se fazerem ao mar. O mapa de Andrea Bianco, de 1448, referia-se a Ixola Otinticha X e Longa a Ponente í 500 mia — “uma ilha de verdade existe a 1.500 milhas daqui [África Ocidental]” —, e o mestre João de Barros, na expedição de 1500 à costa brasileira, confirmou que a terra constava de mapas anteriores: “O Rei pode ver as terras representadas no mapa mundial que foi usado por Pero Vaz Bisagudo.”3 Bisagudo era o apelido dado ao famoso explorador Pero da Cunha, que fora enviado com um mapa mundial português para colonizar o que hoje é Gana, na África. Disse João de Barros que a única diferença entre o que a expedição de Cabral viu em 1500 e o que aparecia no “mapa mundial” anterior era que ele, Barros, podia agora confirmar que o Brasil era habitado. Cristóvão Colombo confirmou também que o Brasil era conhecido dos portugueses antes que qualquer uma de suas expedições partisse para a América do Sul. Disse ele em seus diários que teve vontade de prosseguir viagem mais para o sul de Trinidad “para descobrir o que o rei João de Portugal queria dizer quando afirmou que havia terra firma ao sul”.4 Em suma, Andrea Bianco, Colombo e João de Barros afirmaram sem discrepância que existia um mapa do Brasil antes que a primeira expedição portuguesa se dirigisse para o local. As únicas possíveis fontes de informação para esse mapa, o Mapa Mundial de 1428, eram os cartógrafos que viajaram com as frotas chinesas em 1421-23. O porto de São Luís é imediatamente reconhecível no mapa de Piri Reis (baseado no mapa de 1428), e as latitudes dos deltas do Orinoco e do Amazonas estão absolutamente corretas. Além disso, não há falta de outros vestígios, mais permanentes, da visita chinesa à América do Sul: galinhas asiáticas foram encontradas no Delta do Orinoco pelos primeiros exploradores europeus, e índios venezuelanos possuem grupos sangüíneos que são exclusivos do sudoeste da China. 

(...)

Não obstante, uma grande esteia entalhada no que os especialistas dizem ser caligrafia em tâmil ergue-se no ponto onde o rio deságua em um pequeno ancoradouro. Em forma, tamanho e localização, a esteia corresponde a outras erguidas por navegadores chineses no estuário do Yangtze, em Dondra Head, em Cochim, na costa de Malabar, na índia, em Janela, nas Ilhas de Cabo Verde e na Cachoeira de Matadi, no Delta do R io Congo. Além da caligrafia, a esteia de Ruapuke apresenta os mesmos tipos de círculos concêntricos da pedra de Janela. Eu mesmo já encontrei certo número de esteias talhadas em locais visitados pelas frotas chinesas, de modo que meu passo seguinte era óbvio. E, conforme esperava, uma busca na Internet revelou sem demora várias outras na rota das Ilhas de Cabo Verde até a Patagônia, em Santa Catarina, na Ilha de Coral, em Campeche e na Ilha de Arrorado (Arvoredo?), na costa leste da América do Sul. Todas estão situadas ao lado de um local de aguada e voltadas para o mar, com círculos concêntricos entalhados que com binam com os encontrados em Ruapuke. Mas isso ainda poderia ter sido uma coincidência. Afinal de contas, pirâm ides foram construídas não só no Egito, mas tam bém nas Américas Central e do Sul. A prova seria mais conclusiva se eu conseguisse encontrar esteias semelhantes na China. O utra longa pesquisa revelou mais três, em Wong Chuk Ha, Chang Zhou e Po Ti, em Hong Kong. Mais uma vez, elas apresentavam marcas semelhantes às que eu já havia encontrado. Acredito agora que os círculos concêntricos eram uma “assinatura” previamente escolhida, antes que a frota se fizesse ao mar, indicando locais onde cada frota arribara e se abastecera de água. 

- GAVIN MENZIES -  O ano em que a China descobriu o mundo

IMPERDÍVEL - Parceria Lava Jato-EUA foi movida por ódio e dinheiro, diz ao DCM ex-agente da CIA


EXCLUSIVO: 
Publicado por Kiko Nogueira
- 21 de novembro de 2021


O DCM falou com exclusividade com John Kiriakou, ex-agente da CIA que foi condenado em 2013 à prisão por vazar informações sobre o programa de interrogatórios de prisioneiros da Al Qaeda.

Por “programa de interrogatórios” leia-se “tortura”.

Ele foi o primeiro whistleblower a denunciar esses crimes no contexto da “Guerra ao Terror”.

“Quero dizer que saio da corte com um espírito positivo, confiante e otimista”, disse ele ao se declarar culpado. Libertado em 2015, lançou livros e dá palestras contando sua experiência.

Kiriakou falou com Sara Vivacqua sobre sua carreira, o recrutamento, o cárcere, e também de Moro, Dallagnol, os Bolsonaros e Steve Bannon.

A Lava Jato, diz ele, “é um excelente exemplo da interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outro país”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DCM: Você era agente da CIA, se identificava muito com a instituição e, ao olhar para sua carreira, é possível dizer que seguia os valores e que gostava do seu trabalho…

John Kiriakou: Sim, eu gostava.

Você pode nos contar como se tornou um agente?

Claro, é uma história engraçada. Quando eu estava na pós-graduação na George Washington University, em Washington DC, fazendo mestrado em assuntos legislativos, cursei uma disciplina chamada psicologia da liderança, que era ministrada por um psiquiatra muito importante. Ele tinha um PhD em Ciência Política, um PhD em Psicologia, graduação em medicina e ele se autodenominava “psiquiatra político”.

Um curso muito interessante sobre como os líderes estrangeiros tomavam suas decisões e então ele nos deu a tarefa de escrever um artigo sobre isso e tivemos que seguir nossos chefes por uma semana. Na época, eu estava trabalhando para um sindicato em Washington, o United Food and Commercial Workers Union, e eu tinha que acompanhar meu chefe por uma semana e, em seguida, escrever um perfil psicológico sobre ele.

No meio da semana, ele e eu tivemos uma discussão muito séria e eu o chamei de racista, o que ele era, e ele ficou muito zangado, e cerrou os punhos para me dar um soco e levantei as mãos para me proteger e o rosto dele ficou vermelho, e ele disse: “meu pênis é maior que o seu”.

E eu disse “o quê?”, e ele repetiu: “meu pênis é maior que o seu”. E eu disse: “você sabe que você é maluco”, e então eu parei e saí, realmente desisti. Escrevi o perfil e contei essa história e disse que acreditava que ele era um sociopata com tendências psicopáticas e citei exemplos.

Entreguei o trabalho e uma semana depois o recebi de volta, e numa margem do texto o professor escreveu: “por favor, fale comigo depois da aula”. Fui vê-lo, ele fechou a porta de seu escritório e me disse: “olha, não sou realmente um professor, sou um oficial da CIA disfarçado como professor e estou procurando pessoas que acho que se encaixariam na cultura da CIA”?

A verdade é que eu ia me casar em 6 semanas, não tinha trabalho e não sabia o que iria fazer; então eu disse que gostaria. E a próxima coisa que soube, depois que passei em todos os testes, é que eu estava na CIA.

Ele explicou como achou que você se encaixaria?

Sim, ele me recrutou para o lado analítico e assim, na primeira metade da minha carreira, fui o que na comunidade de inteligência é classificado como biógrafo de Saddam Hussein.

Fui eu que coordenei todas as análises e perfis psicológicos de Saddam Hussein, e a razão pela qual me deram aquele emprego, quando eu era tão jovem, 25 anos apenas, foi porque nada acontecia no Iraque, era o mesmo governo desde 1968, a mesma liderança.

Tínhamos uma embaixada muito pequena lá, não tínhamos nenhum interesse nacional no Iraque até que o Iraque invadisse Kuwait e esse ato me tornou uma estrela na CIA.

Ainda hoje é uma prática que professores ou agentes da CIA se disfarcem como professores em instituições para recrutar pessoas?

Não, eles não fazem mais isso por causa deste ato de igualdade de oportunidades de emprego, mas eles têm professores em universidades por todos os EUA. É chamado de “programa escolar em residência”. Agora eles vêm e dizem “eu sou um oficial da CIA e vou me aposentar em 3 anos, então de nos últimos 3 anos da minha carreira, serei professor aqui”; então é tudo muito público e transparente. Eles não fazem mais isso secretamente.

Você disse que se tornou uma estrela de repente; poderia explicar melhor?

Sim, era na manhã de 2 de agosto de 1990. Eu estava na CIA há cerca de 9 meses e começava a sentir que eu realmente sabia o que estava fazendo, e eu realmente sabia do que estava falando. Desde a noite anterior todos nós esperávamos que Saddam cruzaria a fronteira do Kuwait e atacaria o governo kuwaitiano.

Então eu me levantei cedo, com a certeza de que durante a noite o Iraque invadira o Kuwait. Então tomei banho, fiz a barba e me vesti o mais rápido que pude e cheguei no escritório às 7 horas. E meu chefe me disse, assim que cheguei lá: ”não tire o paletó, vamos para a Casa Branca”. Eu nunca tinha estado na Casa Branca antes e de novo, tinha apenas 25 anos. Então pegamos um carro para a Casa Branca e um fuzileiro naval nos acompanhou até o Salão Oval. Estava eu sentado com o presidente, o vice-presidente, o secretário de estado, o secretário de defesa, o conselheiro de segurança nacional, o diretor da CIA, meu chefe e eu. Me lembro de ter pensado se meus amigos pudessem ver aquilo, eles não acreditariam, nem em um milhão de anos.

E nós estávamos sentados lá e o presidente diz: “bem, e agora, o que faremos?”. E todo mundo se vira e olha para mim e pensei que essa era a minha chance. E então eu disse: “bem, senhor presidente, as forças do Iraque entraram no país às 2 da manhã; elas se moveram para cá; a família real voou para a Arábia Saudita…”.

Eu dei o briefing completo porque eu realmente sabia do que estava falando. Havia um médico kuwaitiano que foi um dos membros fundadores da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) e eu tinha escrito um artigo sobre ele na semana anterior, apenas porque ele era interessante para mim e durante a noite os iraquianos anunciaram que ele seria o novo presidente do Kuwait ocupado. Então eu era um especialista nesse cara, eu sabia tudo sobre ele, e quero dizer que isso mudou o curso da minha carreira, eu me tornei uma estrela naquele dia.

Você disse que depois daquele dia que se tornou estrela, mas sua carreira não acabou aí. Você ocupou um cargo de alto escalão na CIA. Qual era exatamente o seu papel como analista sênior e o que você fazia?

Nos primeiros 7 anos em que fui analista, fui promovido e trabalhei sempre com Iraque e então, só para dar um exemplo, eu fui um dos os coautores da Resolução 986, do Conselho de Segurança da ONU, que criou o regime de sanções no Iraque e permitia que o Iraque comprasse alimentos e medicamentos, mas praticamente nada mais.

Eu não gostava daquele trabalho, ficar sentado em uma mesa o dia todo, você tem grandes ideias e escreve trabalhos que na maioria das vezes ninguém lê e todos os dias durante anos e anos foi Iraque, Iraque, Iraque o tempo todo e fiquei entediado. Eu falo fluentemente árabe e grego e descobri que eu era a única pessoa em toda a CIA fluente nas 2 línguas. E, em seguida, abriu uma vaga em Atenas, em operações de contraterrorismo e eles procuravam alguém que falasse grego ou árabe.

Então fui ao oficial encarregado de contratar para esse profissional e disse, “eu sou um analista e eu tenho literalmente zero experiência em operações, mas falo fluentemente grego e árabe”, e ele me disse “você está brincando”. E eu respondi “não”, e ele perguntou se eu estava disposto a ser testado.

Eu disse “claro”. Então eles me testaram e eu testei fluente e ele me disse “o trabalho é seu”. Ele disse que é mais fácil, mais barato e mais rápido contratar um linguista e ensiná-lo operações, que pegar um oficial de operações e ensiná-lo a falar grego e árabe. Então eles me deram o trabalho e eu passei por todo o treinamento operacional. Armas, explosivos, condução, recrutamento de espiões para roubar segredos e eles me enviaram para Atenas e eu trabalhei contra um grupo terrorista específico chamado Organização Revolucionária 17 de Novembro e contra uma miríade de grupos árabes.

Abu Nidal, os líbios, FPLP (Frente Popular para Libertação da Palestina), FPLP-CG (Frente Popular para Libertação da Palestina – Comando Geral), FDLP (Frente Democrática para Libertação da Palestina). Estavam todos em Atenas e foi isso que fiz nos 2 anos seguintes.

Você foi o primeiro oficial a denunciar esta prática e a dizer adeus a toda a sua carreira. Você pode nos contar sobre o processo que levou você a mudar sua vida em 180 graus?

Sim, sempre acreditei firmemente no império da lei, e no respeito aos direitos humanos, direitos civis e liberdades civis que me faziam ser um oficial da CIA incomum. Eu tinha sido o chefe das operações de contraterrorismo da CIA no Paquistão após os ataques do 9/11 e fui responsável, como você disse, pela captura de Abu Zubaida que era considerado, na época, o número três da Al Qaeda.

Ele era o primeiro alvo importante que capturamos. Quando cheguei em casa, no Paquistão, um oficial sênior me perguntou se eu estava interessado em ser treinado no que chamou de técnicas de interrogatório aprimoradas, ele me explicou o que isso era, e eu disse que parecia um programa de tortura, e ele disse que não, “não é um programa de tortura, o Departamento de Justiça aprovou e o presidente aprovou e é legal”. Eu disse que me soava mal, que não estava interessado…
Moro é homenageado na Universidade de Notre Dame, nos EUA

Nunca passou pela sua cabeça que talvez a CIA tenha feito isso?

A CIA não fez isso até 1º de agosto de 2002. Em 1975, a CIA derrubava governos e assassinava líderes mundiais e o Congresso criou 2 comitês de supervisão, o Comitê de Inteligência do Senado e o Comitê de Seleção Permanente de Inteligência e, a partir de 1975, graças à Ordem Executiva 12333, assassinatos e ações secretas para derrubar governos foram tornados ilegais. Mas o 11 de setembro mudou tudo. O presidente secretamente revogou a Ordem Executiva 12333. Eles queriam matar e eles simplesmente decidiram que o ato de tortura não existia e eu disse que se você vai torturar prisioneiros, não quero fazer parte disso, absolutamente.

Mas eu esperei que alguém dissesse algo, pensei que certamente isso é tão ilegal que é tão notório que alguém iria sair e dizer algo e ninguém disse uma palavra então, a partir de 2002, do início de 2002 até dezembro de 2007, ninguém disse uma palavra e então em dezembro de 2007 decidi que diria e recebi um pedido do abc news, uma das principais redes de transmissão aqui nos Estados Unidos e eu decidi que só contaria a verdade, que eu pensava que o povo americano tinha o direito de saber o que o governo estava fazendo em seu nome, que eles tinham o direito de saber que a CIA estava violando tanto o direito dos EUA quanto o direito internacional.

Além do fato de que a tortura simplesmente não funciona. Você tinha certeza, pois você parecia tão seguro, o quão certo você estava de que isso estava realmente acontecendo para ir na tv ao vivo, na tv americana, e pôr a público, você deve ter visto coisas. O que você havia visto?

Quando voltei do Paquistão, fui promovido e me tornei o assistente executivo para o vice-diretor de operações da CIA e como assistente do vice-diretor eu tinha acesso a literalmente tudo o que a CIA estava fazendo ao redor do mundo. Eles relatavam prisões secretas em todo o mundo, o que estavam fazendo com esses prisioneiros e simplesmente não havia dúvida em minha mente de que esse era um programa ilegal.

Como você conseguiu essas provas?

Não retirei nenhum documento da CIA pois seria espionagem. E, na verdade, tenho uma ótima memória para detalhes e pude fornecer detalhes desses programas ilegais: o sistema prisional secreto, o programa de rendição internacional, onde eles sequestrariam pessoas e depois as levariam para outros países para serem torturadas, e o programa de tortura. E forneci aos jornalistas da ABC News nomes de ex-oficiais da CIA que puderam confirmar o que eu havia dito.

Você falou sobre leis americanas que não aceitam que se classifique documentos quando se tenta esconder crimes. Que lei é essa?

Há muito disso nos livros há muito tempo desde, na verdade, 1975, desde a reformulação da CIA. Na verdade, o czar de classificação de George W. Bush era seu título não oficial, acho que ele era o chefe da classificação oficial do Pentágono, disse no tribunal que até 80% dos documentos confidenciais na comunidade de inteligência dos EUA não devem ser classificados [como confidenciais], eles não deveriam ter sido classificados.

Que tipo de penetração você acha que a CIA tem no sistema judicial e no legislativo dos EUA?

É muito profundo, e acho que vemos exemplos disso todos os dias no caso Julian Assange, no meu próprio caso. Pesquisando encontrei memorandos do Departamento de Justiça, e dentre esses memorandos havia uma série. Um era de John Brennan, da CIA, para Eric Holder, o procurador-geral, e dizia: “Acuse-o de espionagem”, e Holder respondeu de volta dizendo: “Meu pessoal não acha que ele cometeu espionagem”. E John Brennan respondeu: “Acuse-o de qualquer maneira e faça-o se defender.” Foi isso que eles fizeram. Eles esperaram até que eu fosse à falência, e então retiraram todas as acusações de espionagem. Porque eles sabiam que eu não havia cometido espionagem. Mas é isso que eles fazem.

Isso é vingança, a revanche da justiça.

Sim o Departamento de Justiça faz o que a CIA manda ele fazer. É assim há muitos anos.

Você pode explicar um pouco como o DOJ, Departamento de Justiça, funciona?

Tem um escritório específico no Departamento de Justiça chamado Office of Legal Counsel, OLC. A função do OLC é decidir se as coisas que a CIA deseja fazer são legais ou ilegais. Então digamos que a CIA diga: “Queremos derrubar o governo britânico”. A OLC dirá não, você não pode fazer isso, isso não é legal. Então a CIA diz: “Está bem”. Mas “Queremos derrubar o governo líbio”. Ok, isso é legal, você pode fazer isso.

Mas o que acontece é que o OLC se torna realmente mais que um carimbo pois se a CIA quer fazer algo, a OLC irá justificar isso, legalmente. Então, por exemplo, a CIA queria criar um programa de tortura. Então eles foram ao OLC e disseram que queriam criar um programa de tortura. O OLC disse “bem, você não pode fazer isso porque a tortura é ilegal, temos o Ato de Tortura Federal de 1946 e somos signatários, não apenas signatários, mas também os redatores reais da Convenção das Nações Unidas contra a tortura. E eles disseram “bem na CIA, nós realmente queremos fazer esse programa de tortura”. Então em uma série de memorandos chamados memorandos UBI.

Eles disseram “a lei diz que você não pode torturar pessoas, mas se não deixa uma marca no seu corpo, é realmente tortura? Pensamos que não é, então a tortura é legal”. E como tudo isso era classificado, era ultrassecreto, ninguém poderia processá-los nos tribunais federais. A lei é muito clara, a tortura é ilegal e este memorando UBI está errado. Ninguém sabia que havia um memorando UBI porque ele foi classificado, então é assim que a CIA exerce sua influência.

Agora avance rapidamente para Mike Pompeo. Mike Pompeo, decidiu que queria matar Julian Assange por causa das revelações do Vault7 (uma coleção substancial sobre CIA obtida pelo WikiLeaks). Ele ficou tão zangado que disse “vamos matá-lo”. Eles foram ao OLC e disseram “nós queremos matar esse cara”. “Você não pode”. “Você não pode porque ele é um cidadão australiano, e você não pode matar um cidadão de um país aliado, especialmente um país da Aliança dos 5 Olhos: Canadá, Austrália, Nova Zelândia, EUA, Reino Unido.

Você não pode fazer isso. Mas o OLC disse “Bem, o que podemos fazer é dizer que ele é um representante do serviço de inteligência de um não-estado hostil. Isso não era apenas retórica ou licença para qualificá-lo, esse era um termo técnico que ele usou para autorizar a perseguição, mas ninguém percebeu, ninguém percebeu isso na época.

Na verdade nós rimos sobre isso. Eu até escrevi um artigo sobre isso, “por que ele está dizendo algo tão estúpido, que ele é um agente não-estatal hostil?” Bem, havia uma razão muito séria pela qual ele disse isso, porque isso permitiria que o OLC justificasse legalmente o assassinato de Julian Assange.

Então por que Julian não foi assassinado?

Porque o que aconteceu é que o pedido foi da CIA para o OLC e então do OLC, para o Conselho Geral, os promotores, do Conselho de Segurança Nacional, na Casa Branca. Indiferente do que a CIA e o OLC queiram fazer eles apenas aprovam, nunca dizem não. Então vai para o Consultor de Segurança Nacional e, se ele assinar, vai para o Presidente, e o Presidente assina e torna-se um documento chamado Despacho Presidencial.

O que aconteceu no caso de Julian Assange é que chegou ao Conselheiro de Segurança Nacional, general H.R. Mcmaster, e ele disse: “O seu pessoal está louco? Não vamos assassinar um cidadão australiano”. Foi ele quem parou tudo.

Você falou de sua admiração por certos líderes mundiais…

Tenho grande admiração por pessoas como Nelson Mandela, presidente Lula e Martin Luther King, e essas pessoas, em minha opinião, foram gravemente prejudicadas por seus governos, injustiçadas de maneiras muito piores do que eu. Você conhece pessoas que foram para a prisão por décadas, pessoas como Martin Luther King, que foi assassinado por causa do que acreditava, e assim, se eles puderam perdoar as pessoas que os injustiçaram, eu também podia perdoar as pessoas que me injustiçaram. Só perdi 2 anos da minha vida, não 35 anos. E então, eu decidi que o futuro seria mais brilhante do que o passado e eu iria tratar aquilo tudo como água que passou debaixo da ponte, e foi o que fiz.

Então, esse era um lugar difícil. A CIA tinha me treinado para viver em alguns dos piores lugares da Terra e Deus sabe que eu tinha servido em lugares que eram muito piores do que esta prisão. Então eu decidi confiar no meu treinamento da CIA para me manter seguro e no controle da minha sanidade.

O ex-juiz e ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol tiveram uma colaboração secreta, extraoficial e conivente com o Departamento de Justiça dos EUA, o DOJ Tudo em nome da luta anticorrupção. Você pode nos explicar qual é o papel do governo dos EUA em tais operações no exterior e como eles cooptam essas figuras como Moro e Dallagnol?

Esta não é uma teoria da conspiração. Esse é um excelente exemplo da interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outro país. Isso é algo que em qualquer outra situação resultaria em um muito forte protesto diplomático, porque realmente é uma interferência.

E não é apenas o Departamento de Justiça. Eu gostaria de alertar as pessoas que também o Departamento de Estado, o Departamento de Justiça e o Departamento do Tesouro se envolvem em acusações de lavagem de dinheiro que aparecem do nada, ou acusações de corrupção. Esse é o Departamento do Tesouro. E agora, temos que nos preocupar com o Departamento de Segurança Interna também. E o tempo todo você também tem a CIA trabalhando nos bastidores.

Então isso não é uma conspiração, este é um esforço concertado dos elementos mais importantes do governo americano para, essencialmente, instalar líderes no exterior de quem eles gostem e que irão apoiar a agenda americana, e para destruir, não apenas para atrapalhar, mas para destruir aqueles líderes que não apóiam a agenda americana. Além disso, nos Estados Unidos têm dois partidos: os democratas e os republicanos; e os republicanos chamam os democratas de “esquerda radical”, e os democratas chamam os republicanos “a direita radical”.

A verdade é que ambos são partidos de centro. Os democratas estão um pouco à direita de centro e os republicanos estão muito à direita do centro. Não há nada de radical nos democratas, não há nada de esquerda nos democratas, mas com isso dito, no exterior qualquer pessoa cuja ideologia esteja à esquerda dos democratas é comunista e o comunismo é uma ameaça aos Estados Unidos. Essa é a mentalidade aqui, e aqui estamos todos esses anos depois da queda do muro de Berlim e da dissolução da União Soviética, as pessoas ainda estão obcecadas com a ideia de movimentos políticos progressistas no exterior.

Nos Estados Unidos as pessoas estão indignadas agora que Daniel Ortega voltou a ganhar a presidência da Nicarágua, por exemplo. O governo Biden, que se supõe tão progressista e radicalmente de esquerda, recusa-se a restabelecer relações diplomáticas com o governo de Cuba.

Olhe o Brasil, olhe o presidente Lula, olhe para Dilma Rousseff, eles não tinham más intenções contra os Estados Unidos. Eles foram eleitos democraticamente em seu país e os Estados Unidos decidiram: “Não gostamos deles, queremos alguém bem mais à direita”. Então, ao invés de interferir na eleição ou talvez eu deva dizer apenas interferindo nas eleições, um programa foi traçado para destruí-los e assim o pobre presidente Lula acabou na prisão, a presidenta Dilma Rousseff acabou com a reputação destruída e o mundo acabou com Jair Bolsonaro.

Todos esses vazamentos mostrados para quem tem olhos e pode ler, pode ver o vazamento e pode ver por sua própria boca e sua própria admissão de que eles se envolveram extraoficialmente com o Departamento de Justiça, mas não só, que havia mais. Vazaram mensagens em que o procurador Dallagnol se referia à prisão de Lula como um presente da CIA. E depois Jair Bolsonaro e Sergio Moro, o juiz que colocou Lula na prisão, fizeram uma visita inédita à sede da CIA, em Langley, logo após chegar ao poder com o apoio de Wall Street.
Lula, no dia em que foi preso

Como você acha que essa cooperação da CIA aconteceu?

Muito facilmente. Em primeiro lugar, deixe-me enfatizar o quão incomum é um líder estrangeiro ir à sede da CIA. Muito, muito incomum. De vez em quando eu era chamado por ser um líder estrangeiro, mas normalmente era como, numa vez, o primeiro ministro de Fidji, ou o vice-primeiro-ministro da Albânia, mas o presidente de um grande país como o Brasil ir à sede da CIA, e quando você mencionou pela primeira vez eu estava tentando pensar em outro exemplo onde algo assim aconteceu, eu não consegui lembrar de nenhum momento enquanto eu estava na CIA que algo assim tenha acontecido.

É tão inapropriado que nem consigo imaginar como foi autorizado. Em primeiro lugar, a menos que fosse parte de uma operação para destruir essencialmente Lula e assumir o governo brasileiro. Eu acho que é isso mesmo o que aconteceu.

Tem uma piada na CIA, que é uma espécie de piada de batismo, que a inteligência é um negócio de grana. Quando eu estava no Paquistão, em 6 meses eu provavelmente gastei 10 milhões de dólares em dinheiro vivo. Jogávamos dinheiro para fora do helicópteros para os senhores da guerra afegãos. Não consegui gastar o dinheiro rápido o suficiente, literalmente, um orçamento ilimitado. A CIA não é avessa a fazer pequenos acordos laterais. Talvez esse juiz gostaria de ter uma casa nova, ou talvez o seu filho gostaria de ir para uma universidade americana com todas as despesas pagas.

Ele foi para o programa “60 minutes”. Ninguém sabia quem ele era no “60 minutes”…

Então, sempre tem um acordo, todo mundo tem um preço. Eles nos ensinam na escola de espionagem quais são os fatores motivacionais. Por que as pessoas querem trabalhar para a CIA? Por que eles querem espionar para a CIA? Para 90% deles, é dinheiro. O dinheiro é fácil. Temos mais dinheiro do que podemos contar, vamos apenas dar a você quanto dinheiro você quiser, se você produzir para nós. Para algumas pessoas, é ideologia.

Eles são verdadeiros crentes nos Estados Unidos e querem fazer algo para ajudar os Estados Unidos. Há muitas pessoas assim.

Mas o outro é o outro fator motivador é o ódio. Você odeia seu chefe, você odeia o outro partido político, você odeia o Lula, você quer arruiná-lo. O ódio é um fator muito motivador, o dinheiro é secundário, mas se você estiver alguém que tem um ódio profundo por alguém e você está em uma posição de destruir a vida dele você ficaria surpreso com o número de pessoas que realmente buscam isso. E então, acho que estamos vendo uma combinação de coisas aqui. Eu não ficaria surpreso se o dinheiro mudasse de mãos; provavelmente muito dinheiro, mas também não ficaria surpreso se o ódio fosse um dos fatores de motivação

Portanto, não é apenas instrumental. Há algo que aconteceu recentemente. Você acha que é possível que a CIA esteja monitorando o filho de Jair Bolsonaro?

Com certeza, absolutamente. Eles ainda estão me monitorando e eu não sou ninguém. Então, você sabe, temos uma situação aqui nos Estados Unidos, onde a tecnologia agora está tão avançado que todos, literalmente todos, estão sujeitos à vigilância.

A NSA construiu uma nova instalação no estado de Utah que tem armazenamento de memória suficiente, para guardar cada chamada, cada mensagem de texto e cada e-mail de cada americano pelos próximos 500 anos.

Os tribunais também decidiram que escutas telefônicas sem justificativa não é uma violação constitucional e não é porque tudo o que você tem a dizer é “terrorismo” “11 de setembro”, “terrorismo”… e assim todos estão sujeitos a serem espionados. Não é apenas contra a lei, mas é parte do estatuto da NSA, seu estatuto de fundação, que eles não tem permissão para espionar pessoas dos EUA que sejam cidadãos americanos ou qualquer pessoa nos Estados Unidos com um visto de imigrante.

Mas eles fazem isso todos os dias e os tribunais se recusam a impedi-los. Então, pegue isso e associe-o à ideia de que o trabalho do FBI é vigiar a todos. É uma organização de aplicação da lei e o trabalho da CIA é, pelo menos, vigiar eletronicamente cidadãos estrangeiros. Sabemos, por exemplo, graças a Ed Snowden, que a CIA estava interceptando o celular de Angela Merkel há anos.
Steve Bannon e Eduardo Bolsonaro. Foto: Reprodução

Você acha que Eduardo Bolsonaro deveria ter medo da CIA?

Não acho que ele deva ter medo porque acho que a CIA o ama, eles amam homens fortes e políticos fascistas de direita. Mas eu também presumo, se eu fosse Jair Bolsonaro, que todas as suas comunicações estão sendo monitoradas. Todos elas. E você pode perguntar por quê? Você perguntaria por que Angela Merkel? Parece uma contradição. Mas as informações coletadas não são apenas para ficar nos arquivos da CIA, é para compartilhar com as empresas americanas, dar-lhes vantagens no comércio, na banca, nas finanças. Você pode usar essas informações de fechamento, de retenção de várias maneiras e, geralmente, no final do dia, o motivo é financeiro.

Quero abordar um pouco uma temática diferente. Gerald Ford, ex-presidente dos EUA, admitiu que a CIA usava missionários evangélicos como agentes. Você pode confirmar isso e se ainda é uma prática?

Posso confirmar e, oficialmente, eles interromperam essa prática em 1975, durante o governo Ford. Mas isso é apenas a CIA. O FBI cultiva esses movimentos. Eu estive na Guatemala também, há bastante tempo e uma das coisas que aprendi lá é que as 2 mais rápidas religiões em crescimento na Guatemala, que é um país tradicionalmente católico, religiões em crescimento eram evangélicas, este cristianismo evangélico de direita e o Islã, ao estilo saudita. Como praticante ortodoxo grego, e nós somos muito semelhantes, é claro, aos católicos voltados ao cristianismo primitivo, nem mesmo consideramos esses grupos como cristãos. Nós os consideramos grupos políticos de direita, e em muitos casos, na maioria dos casos, sua maior questão, sua maior causa, é o apoio a Israel.

Eles querem que todos os judeus voltem para Israel porque isso vai apressar o retorno de Cristo. Eles querem impulsionar a segunda vinda de Cristo e a única maneira de fazer isso é trazer todos os judeus de volta para Israel. Então, muitas vezes é nisso que eles se concentram. Esses grupos de direita são muito políticos, muito mais políticos do que religiosos. Eles são perigosos e eles estão ativamente em oposição ao que eles pensam ser a “esquerdista” Teologia da Libertação. E é engraçado porque em muitos casos a teologia não é libertação de forma alguma, é apenas o catolicismo dominante. É o original, é apenas o cristianismo primitivo, o que chamamos de fé.

Essa tradição de tortura vinha com a CIA, que treinava militares brasileiros para torturar. Isso foi no Brasil, Uruguai, Argentina, México. Por todo o lugar. por que eles estão tão interessados na América Latina, por que somos os alvos?

Porque este é o nosso quintal. Temos a Doutrina Monroe, que ainda é uma preocupação primordial na política externa americana. Nós vemos isso como nossa área. Não queremos os russos aqui, não queremos chineses aqui, não queremos ninguém mais. Eu escrevi um artigo de opinião em 2008 para o Los Angeles Times falando exatamente sobre isso, de como os iranianos tinham investido em uma fábrica de bicicletas na Venezuela, e como nós pensamos que eles estavam construindo armas nucleares para apontar para os Estados Unidos. A CIA ficou muito louca, muito brava, só porque os iranianos abriram uma fábrica de bicicletas. Não queremos ninguém na América Latina além de nós. É isso.

Seria muito interessante entender como a CIA pode mudar sua cultura se você tem Trump no poder ou se você tem Biden no poder. Você vê alguma mudança ou é apenas mais do mesmo?

A política de inteligência e a política externa são quase sempre consistentes. Certamente a CIA é consistente entre os partidos, seja democratas ou republicanos, nada vai mudar. Donald Trump foi um presidente incomum porque ele era tão fora do mainstream, ele era um extremista protecionista de direita.

Houve algumas diferenças na política externa, mas Donald Trump se foi e não importa quem serão os indicados democráticos e republicanos em 2024. Não acho que haja quaisquer mudança significativa na política externa, política de defesa ou política de inteligência. Então Brasil, América Latina, desde que existimos como países fomos colonizados, quer pelos portugueses ou espanhóis, quer pelos norte-americanos.

Você vê alguma saída para que alcancemos nossa soberania? Como podemos, como podemos ir contra essa enorme máquina que existe na América?

Isso foi algo que aprendi no Paquistão: se você quiser os EUA fora do seu negócio, a única maneira de fazer isso é educar sua população e desenvolver sua economia. É isso mesmo, caso contrário, você terá intromissão e manipulação americanas e os Estados Unidos vão sair com sacos gigantes de dinheiro, subornando seus oficiais e essencialmente comprando sua política externa. A única maneira de fazer com que isso pare é por meio da educação e do desenvolvimento econômico.

Você faria tudo de novo?

Absolutamente! Valeu a pena. Alguém tinha que dizer algo sobre o programa de tortura. Eu apenas assumi que outra pessoa não diria. Mas estou feliz. O custo foi alto, foi muito alto, mas valeu a pena. Eu consigo dormir à noite, meus filhos têm orgulho de mim e valeu a pena porque tinha que ser feito.
Deltan Dallagnol e Sergio Moro.
Foto: Jorge Araújo/Folhapress

Você me enviou um artigo sobre o filme “O Caçador de Pipas” publicado na primeira página do New York Times. Você salvou a vida de muitas crianças no Afeganistão. Pode nos contar sobre isso?

Depois que saí da CIA, estava trabalhando para uma empresa privada e recebi um telefonema da Paramount Studios me perguntando se eu consideraria ir ao Afeganistão para resgatar algumas crianças que haviam aparecido no filme Kite Runner. Afegãos são pessoas muito simples, talvez a maioria deles, e eles não acreditavam que essa era apenas uma história inventada, eles achavam que era real e havia duas cenas questionáveis ​​no filme.

Numa um menino fora estuprado por outro menino, e a outra em que um menino foi forçado a fazer uma dança homoerótica para um membro do Talibã. Então, o estúdio me disse para ir ao Afeganistão, avaliar a situação de segurança, avaliar o perigo para o crianças e, em seguida, se as crianças estivessem de fato em perigo, eu devia retirá-las e suas famílias do país.

Tirei duas semanas de férias, fui para o Afeganistão secretamente, passei pela Índia e encontrei muitas pessoas, determinei que aquelas crianças realmente estavam em perigo e para encurtar a história, acabei colocando 27 pessoas, as crianças e todos os membros de sua família fora do país. Eu subornei todos no Ministério das Relações Exteriores para nos dar vistos de saída e passaportes.

Depois alugamos vans e nos dirigimos para o aeroporto, e eu fui e disse que precisava de 27 assentos mais um, no primeiro voo para fora e que eu não me importava para onde o voo ia.

Eu disse que precisávamos chegar bem a Dubai, e eles disseram que tinha um voo para a Índia em 11 horas e então você pode ir da Índia para Dubai. Eu disse não, nós temos que sair agora e eles disseram Tem um voo para o Irã. Bem, eu sou um americano e ex-oficial da CIA, que não posso voar para o Irã. Mas eu não tive escolha, então eu disse para me dar 28 passagens para o Irã. Então voamos para o Irã na CanAir, uma companhia aérea iraniana e nós saímos do avião no Irã, e eu consegui mais 28 passagens para Dubai. Quer dizer, havia voos de 2 em 2 horas para Dubai, um amigo meu nos encontrou em Dubai e acabamos matriculando as crianças em escolas, em escolas de idiomas, conseguimos empregos para os pais e apartamentos para todos os 27 viverem juntos como uma família.
E os resgatei e então voei de volta para casa e voltei direto para o trabalho para fazer meu trabalho normal.

Foi em 2007, eu estava trabalhando na Deloitte na época uma das quatro grandes empresas de contabilidade. Fico muito desapontado em dizer que depois de um ano os pais decidiram voltar para o Afeganistão e o estúdio me pediu para ligar para eles. Então eu liguei e disse que eles estavam cometendo um erro terrível. Nós demos a todos vocês uma vida nova em Dubai. Todos eles, todos os 27 deles, e então eu perdi contato com eles.

Fonte: DCM

Gostaria de ouvir suas palavras finais

Apenas lembra-te. Eu digo isso a mim mesmo o tempo todo. Nós somos os mocinhos, estamos certos e eles estão errados e então, se você acredita no que está comprometido, continue lutando e pressionando, porque eventualmente todo mundo vai voltar. Uma clara maioria do povo americano apoiava uma política de tortura, mas eu sabia que a tortura era errada e agora chegamos a um ponto onde a tortura foi proibida nos Estados Unidos, que Gina Haspel, ex-chefe da CIA, admitiu que o programa de tortura foi um erro, o senador John Mccain levantou-se no Senado e disse que o povo americano nunca saberia o que seu país estava fazendo se eu não tivesse contado a eles. Se você confia no que acredita, mantenha-se firme e continue lutando.