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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

NOTÍCIAS SOBRE OS SOBRADOS, NO BRASIL ANTIGO

O SOBRADO DO "BREJO" A primitiva casa do Familiar. 

A ANTIGA MORADIA dos dois primeiros fazendeiros do Campo Sêco, no século XVIII, foi uma casa-grande, como tantas outras do sertão, de um só lanço, a rés-do-chão, acachapada. Segundo a tradição oral, situava-se em terras que se chamaram posteriormente do "Brejo". 
Ficava à beira de um grande tanque ou lagoa, reservatório das águas represadas do riacho do Brejo, a cem metros, mais ou menos, e a leste do local onde se ergueu o Sobrado. Nessa casa viveram Miguel Lourenço, sua mulher, seus filhos e demais dependentes. Nela faleceu o Familiar, talvez em 1785. Nela moraram Antônio Pinheiro Pinto, sua mulher, os dois filhos, os cunhados e a sogra Ana Francisca, viúva de Miguel Lourenço. Foi nessa velha casa da beira da lagoa, então já transformada em um grande brejo, que Pinheiro Pinto passou a mor parte de sua existência, até 1812, quando se mudou para o Sobrado
A construção da nova casa-grande foi uma consequência lógica da prosperidade e do enriquecimento alcançados pelo genro do Familiar. Alçado à condição de um dos maiores criadores e, principalmente, de um dos mais ricos capitalistas da região, viu-se o fazendeiro na obrigação de construir uma residência à altura de sua situação. Fêz então um sobrado. E sobrado dos grandes, digno, na verdade, de seus haveres e de sua projeção naqueles sertões. Tipo de construção nobre, e custosa, o sobrado é encontradiço na Colônia desde fins do século XVI. 
Nessa época já se apresentavam assobradadas as moradias dos principais de cada vila. Assobradadas foram quase todas as casas-grandes dos engenhos do Recôncavo, na Bahia. No século XVIII são desse tipo de edificação as residências das maiores e melhores propriedades rurais do país. 
Os construídos nos grandes centros urbanos da Colônia possuíam dois, três e até mais andares. Já na zona rural se limitavam ao térreo e mais um. 
No século XIX não houve pessoa abastada que não possuísse o seu sobrado na cidade. 
Controlado, ordeiro, minucioso, Pinheiro Pinto registrou no seu livro comercial, o "Livro de Razão", do início ao término, todas as despesas que teve na construção do grande edifício que se tornou conhecido, nos fastos do Nordeste, como o "Sobrado do Brejo". Anotou o dia do início das obras, as empreitadas, os ajustes, a aquisição do material necessário, a pintura, as obras de carpintaria, etc., etc. 
Paralelamente registrou os gastos que pedreiros, oleiros, canteiros, carpinteiros, marceneiros, serradores e pintores efetuaram no armazém com alimentação, roupa e mercadorias as mais diversas, descontando os débitos em periódicos ajustes de contas, do jornal vencido pelos mesmos. 
Dessa meticulosidade resultou uma descrição de interesse histórico-econômico, pois que dá a conhecer os pormenores observados na construção de uma casa de fazenda do tempo colonial, expondo principalmente a configuração monetária ou o aspecto financeiro. 
De acordo com o conservado pela tradição oral, a planta do edifício foi desenhada por um mineiro entendido no assunto, um mestre de risco habitante da capitania de Minas Gerais. Teria sido ele, então, o indivíduo registrado no "Livro de Razão" como Francisco Antônio dos Santos, de alcunha o "Ciência", único contratado a vencer um alto salário, o de 1$000 diários, nos primeiros 102 dias de construção. Pelo apelido ilustrativo - um "sabe tudo" - e pelo elevado ordenado, não seria despropositado atribuir-se-lhe a autoria do desenho da planta. Depreende-se dos assentamentos que esse mestre trabalhou a seco, sem direito a casa e comida, e despediu-se, ou foi despedido, ao cabo de três meses e pouco. Então, daí para a frente, o responsável pela construção, o substituto do "Ciência" na direção das obras, passou a ser o próprio fazendeiro. 
No aspecto geral, o Sobrado do Brejo assemelha-se a qualquer outro sobrado de qualquer ponto do país. O confronto através de desenhos e fotografias atuais de casarões coloniais, demonstra a perfeita semelhança. É o sobradão avantajado, quase quadrado, simples e despido de qualquer luxo ou requinte arquitetônico; é o telhado de quatro águas, com beiral, todo ele de telhas de meia cana, do tipo das portuguesas. São as numerosas janelas de folhas de madeira, sem vidraças e sem venezianas; são as também numerosas portas de madeira, interiores e exteriores, as do andar térreo com degraus projetados para fora do corpo do edifício, as do andar superior - as portas-janelas - com seus balaústres de ferro ou de madeira. Internamente são os quartos, as camarinhas, as alcovas, a sala grande, a sala menor, o oratório, os corredores, a despensa, a cozinha. 
Era assim o Sobrado do Brejo. Diferente das outras casas-grandes apenas num ou noutro detalhe. 
Assim, não existia um só alpendre, dependência encontradiça em outras habitações da época. Particularidade interessante a observar-se no Sobrado do Brejo foi a disposição da entrada principal, na frontaria. A grande porta central de madeira, de duas folhas, e de quase três metros de altura, a única exterior a dar acesso à escada para o primeiro andar, abria para um pequeno cômodo onde uma espessa parede escondia o corpo da escada. Situada paralelamente à porta de entrada, possuía essa parede um postigo quadrangular de observação e orifícios ou seteiras estrategicamente dispostas e apropriadas para receberem canos d'armas, de tal forma que uma ou mais pessoas, distribuídas pelos degraus da escada e escudadas pela grossa parede, poderiam comodamente atirar contra assaltantes que ousassem penetrar na casa depois de derribada a porta principal. Quando Pinheiro Pinto construiu o Sobrado, indígenas habitavam a região, e "cabras" facínoras atacavam frequentemente os solares nordestinos. 
Foi na previsão de incursões levadas a cabo por indígenas ou por bandidos, que o fazendeiro adotou suas medidas de defesa. Registrou a crônica sertaneja, entretanto, que o Sobrado foi atacado, não nesse tempo e nem por índios ou malfeitores, mas vinte anos depois da morte de Pinheiro e por fazendeiros vizinhos em luta contra a gente do Brejo. Do vetusto casarão, hoje em ruínas, restam as paredes e parte do telhado. Pois ainda podem ser vistos o postigo e as seteiras na parede que esconde e protege a escada. 
No vão interno de uma ou duas portas-janelas das salas havia uma tábua com as extremidades encravadas no adobe. Servia de assento. A sala de refeições, caiada de branco como as demais salas e quartos, ostentava no alto uma barra pintada, e os desenhos eram pequenos vasos de flores. 
Numa das paredes dessa mesma sala estavam pregados grandes e pequenos cabides, para chapéus, casacos, chicotes, espingardas ... Um dos quartos do andar superior servia de escritório do fazendeiro e nele guardavam-se documentos, papéis e livros manuscritos. 
Ao tempo de Exupério Canguçu, um grande cômodo do andar térreo foi transformado em sala de aulas de seus filhos. Como em toda habitação daquela época, não existia banheiro nem havia instalação sanitária. 
Os moradores serviam-se de urinóis ou de "bacias-de-pé-de-cama", na expressão empregada por Pinheiro Pinto. E tomavam o banho em alguma fonte ou riacho, ou então dentro do quarto de dormir - o banho de cuia - em grandes bacias de folha-de-flandres. A água utilizada provinha principalmente do riacho do Brejo e conservava-se, quando para beber, em potes de barro destituídos de torneira.  Instalada no andar térreo, a cozinha ocupava um grande cômodo de chão revestido de tijolos. Nela se encontravam, em profusão, caldeirões de ferro, tachos de cobre e vasilhame de barro, como panelas e seus testos ou tampas de barro, tigelas, alguidares, gamelas, púcaros sem ou com uma ou mais asas. 
E ainda a bacia de latão para as sangrias, utensílio indispensável em toda casa- -grande dos séculos passados. 
As dependências externas, situadas no terreiro dos fundos, constavam de senzala, paiol de milho, forno e abegoaria, isto é, o lugar coberto onde se guardam carros e instrumentos de lavoura. O terreiro da frente era ajardinado, havendo grama e plantas de jardim. No seu "Livro de Razão", Pinheiro Pinto assentou a aquisição de "potes do jardim". Seriam, esses vasos de barro, ornamentais. Estariam colocados junto à porta de entrada. 
Num dos lados da casa e desta separado por uma cerca, ficava o pomar. 
No lado oposto a este, alinhavam-se, bem distanciados do edifício, a casa de engenho e a tenda do ferreiro. 
Nesse mesmo lado, porém mais afastados ainda, localizavam-se a mangueira, ou curral, a estrebaria, os cercados para porcos e outras criações e a horta (esta apenas em meados do século XIX).

Extrato da obra de LYCURGO SANTOS FILHO, intitulada Uma comunidade rural do Brasil antigo

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