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segunda-feira, 29 de março de 2010

Referido pelo Saramago

Numa entrevista feita com o prêmio Nobel português, escritor daquela nacionalidade considerado o mais polêmico de todos os tempos, vi uma referência a um escritor espanhol e sua obra: Fernando Vallejo, La puta de Babilonia.
Saramago, um irreverente e ousado, disse que se fosse eu a escrever aquilo cá em Portugal tinham-me dependurado num desses candeeiros da avenida. É de uma violência de denúncia e de crítica que é um autêntico bota-abaixo.



Eu irei atrás de tal obra. Deve ser deliciosa, porque se mereceu os comentários acima, vindos do Saramago, deve ser mesmo impactante.

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Fernando Vallejo

Fernando Vallejo (2008)

Fernando Vallejo Rendón (Colombia, 24 de outubro de 1942) é escritor, biólogo e cineasta nascido na Colombia e naturalizado mexicano (2007). Recebeu numerosos reconhecimentos por sua obra, incluindo o Prémio Rómulo Gallegos em 2003 pelo livro O Despenhadeiro (em espanhol, El desbarrancadero). É também conhecido por suas fortes críticas, especialmente em relação à Igreja Católica, à dupla moralidade, e à política colombiana.


Biografia

Filho do político e jurista colombiano Aníbal Vallejo Alvarez.

Nasceu e cresceu na cidade de Medellín. Aficionado por música, chegou a ser um excelente pianista, tendo preferência pelas obras de Mozart, Chopin, Gluck e Richard Strauss. Depois de um ano de estudo na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidad Nacional de Colombia em Bogotá, licenciou-se em Biologia na Universidad Javeriana. Viajou a Europa para estudar cinema na Itália, na Escola Experimental de Cinecittà.

Em 25 de fevereiro de 1971, Vallejo mudou-se para a Cidade do México, onde produziu a totalidade de sua obra. Desde então, não voltou a viver na Colômbia.

Vallejo destacou-se mundialmente como escritor. Além de nove romances (cinco dos quais formam um ciclo autobiográfico), publicou três livros de ensaios, uma gramática da linguagem literária, e duas biografias de poetas colombianos (José Asunción Silva e Porfirio Barba Jacob). Sua atividade como diretor e cineasta, anterior a toda sua obra literária, produziu três filmes, dois de temáticas colombianas, porém produzidos no México.

Nacionalidade

Em abril de 2007, obteve a nacionalidade mexicana, e, em 8 de maio do mesmo ano, renunciou a colombiana.

Conforme explicou Vallejo posteriormente, na raiz de sua renúncia à nacionalidade colombiana estava a denúncia oferecida por um grupo de pessoas contra ele e o diretor da revista colombiana SoHo pela publicação de um artigo que os denunciantes consideraram como um insulto à religião católica. Em uma primeira instância, um juiz decidiu que tanto Vallejo, quanto o diretor da revista, Daniel Samper Ospina, deveriam ser presos. Devido a isso, Vallejo decidiu iniciar os tramites para obter a nacionalidade mexicana, pois considerou tal condenação absurda, por violar seus direitos de liberdade religiosa e de liberdade de expressão. Houve uma apelação de tal decisão, e ela foi reformada, com a consequente absolvição tanto de Vallejo quanto de Daniel Samper Ospina. Porém, o tramite para a nacionalização mexicana de Vallejo seguia em curso, e uma das condições para ela ser concedida era firmar um papel renunciando a nacionalidade colombiana.[1][2]

Em outubro de 2007, afirmou que começaria os tramites legais para retomar a nacionalidade colombiana.[3]

Obra

Fernando Vallejo é autor de uma autobiografia, El río del tiempo, composta por cinco livros. O primero, Los días azules (1985), reflete vários episódios da infância do autor, tendo como cenários o sítio de seus avós (Santa Anita) e o tradicional bairro Boston de Medellín. Em El fuego secreto (1987), explora como adolescente os caminhos da droga e da homossexualidade em Medellín e Bogotá. As obras seguintes, Los caminos a Roma (1988) e Años de indulgencia (1989), narram as suas experiências na Europa, especialmente em Roma e em Nova York. O quinto volume de El río del tiempo, Entre fantasmas, apareceu em 1993 e abrange os anos em que residiu na Cidade do México, onde vive desde 1971. Vallejo é autor da biografia do poeta do departamento colombiano de Antioquia, Miguel Angel Osorio, mais conhecido como Porfirio Barba Jacob. Intitulada El Mensajero (1987), é o produto de mais de dez anos de constante e rigorosa investigação pela Colômbia, América Central e México. Em 1994, publicou um romance fora de seu ciclo biográfico, A Virgem dos Sicarios, sobre a violência do narcotráfico em Medellín, que foi levado ao cinema por Barbet Schroeder. Ganhou o Prémio Rómulo Gallegos, um dos mais prestigiados da língua espanhola, em 2003, por O Despenhadeiro. Por meio de alusões autobiográficas e com uma força original de uma linguagem franca e aberta, Vallejo descreve nessa obra a doença e a morte de seu irmão Darío, apresentando reflexões sobre os temas da doença (dito especificamente, a SIDA), a crise da família, a violência cotidiana e a igreja católica como mal social. Em La rambla paralela (2002), um cadáver ambulante circula alucinadamente por uma Barcelona asfixiada pelo calor e que pela voz do narrador se confunde com Medellín e o México, através de uma prosa cheia de fúria e nostalgia, onde se fundem em uma coisa só passado, presente e futuro. Em Mi hermano el alcalde (2004), inspirando-se na figura de seu irmão Carlos, prefeito do município de Támesis, em Antioquia, descreve irônica porém festivamente os rituais eleitorais sul-americanos: promessas irrealizáveis, votos comprados, eleitores "fantasmas", e apadrinhamentos. Depois de não dar o braço a torcer a tais rituais devido a sua honradez congênita, o protagonista é eleito prefeito e sua administração, saturada de problemas econômicos e judiciais, resulta em um grande progresso para a cidade.

Como cineasta, escreveu e dirigiu no México dois filmes sobre a violência na Colômbia: Crónica Roja (1977) e En la tormenta (1980). Um terceiro filme, "La derrota" (1984), co-escrito com Kado Kostzer significou seu último trabalho como diretor.

Em 1985 a Procultura publicou a sua edição da Poesía completa de Porfirio Barba Jacob. No ano de 1995 publica o resultado de sua extensa pesquisa sobre a lembrança de quem foi um dos grandes poetas colombianos, José Asunción Silva; essa biografia, chamada Almas en pena, chapolas negras, descreve o desfalque financeiro do poeta e reflete, com grande êxito, o ambiente de Bogotá em finais do século XIX.

A maior parte de seus romances têm por cenário a Colômbia e seus temas recorrentes são a violência, a homossexualidade, a adolescência, as drogas e a morte.

Vallejo também cultivou o ensaio: em 1983, o Fondo de Cultura Económica publicou no México Logoi. Una gramática del lenguaje literario, um ambicioso projeto investigativo sobre a escrita literária, ressaltando pontos de vista originais e críticos sobre a linguagem, seu uso e seus limites; em La tautología darwinista (1998) tenta refutar a teoria darwiniana da seleção e adaptação como causas da evolução, teoria que ele aceita, porém tendo como causa exclusiva as modificações que aleatoriamente podem produzir-se no ADN a nível molecular, sem intervenção nem influência do meio ambiente nem de alguma causa exterior.

Como narrador oferece uma visão atrevida, iconoclasta, negra, e profundamente pessimista do mundo. Seu estilo é áspero e vigoroso e em conjunto representa um dos melhores da atual narrativa em língua espanhola. Um outro ensaio, o Manualito de imposturología física (2005), oferece uma discussão, na forma de sátira, das construções teóricas da física; na voz de um narrador erudito, Vallejo acusa de impostores os maiores representantes da física com a ajuda da 'imposturología', uma ciência da impostura inventada por ele.

Sua publicação mais recente, La Puta de Babilonia (2007), é um ensaio histórico extenso e prolixo, no qual Vallejo expõe uma mui bem documentada crítica ao cristianismo e a Igreja Católica. Uma ilustrativa menção do conteúdo de tal livro foi feita por Saramago em um entrevista. Saramago, respondendo sobre as polêmicas nas quais estava envolvido quando do lançamento do livro Caim em 2009, e se o lançamento de tal livro iria causar polêmicas na Espanha, disse o seguinte: “Não, em Espanha, não. Publicou-se lá recentemente um livro do Fernando Vallejo, La puta de Babilonia, que se fosse eu a escrever aquilo cá em Portugal tinham-me dependurado num desses candeeiros da avenida. É de uma violência de denúncia e de crítica que é um autêntico bota-abaixo”.[4]

Fernando Vallejo segue a tradição contestadora da intelectualidade de Antioquia, na esteira de nomes como o próprio Barba Jacob, Fernando González Ochoa, e dos nomes do Nadaismo, com Gonzalo Arango como principal referência.

Em Setembro de 2009 Fernando Vallejo foi premiado com o título de doutor honoris causa pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidad Nacional de Colombia, depois de muita contestação, devido à polêmica em torno de sua obra.

Polêmicas

Dono de uma personalidade forte, Vallejo é autor de muitas declarações polêmicas.

Críticas a Igreja Católica

As críticas à Igreja Católica são um tanto comuns para Vallejo. Em outubro de 2007, quando do lançamento de La Puta de Babilonia, disse em uma entrevista quando perguntado sobre uma possível influência pérfida da Igreja Católica: “Pérfida es un calificativo que no se me había ocurrido para esta plaga que ha torturado mientras ha tenido el poder temporal y que sigue haciendo el mal, azuzando a la paridera. Después de 700 años de cometer los más indecibles horrores, ahí siguen los dominicos sueltos por las calles: los esbirros de la secta de Domingo de Guzmán o Inquisición o Santo Oficio o Congregación para la Doctrina de la Fe que es como hoy la llaman y que presidía Ratzinger justamente antes de montarse al trono”.[3]

Ausência de provas da existência de um Jesus histórico

Vallejo também não acredita na existência de um Cristo como ser divino, entendendo existir apenas relatos de um Jesus histórico, ou seja, uma personagem histórica, que não se pode provar que existiu. Em uma entrevista, quando perguntado se acreditava na existência de Cristo, respondeu: “¿Cristo? Cuál de todos, porque hay muchos. En el solo Nuevo Testamento hay tres: uno es el de los evangelios sinópticos (o sea el de Mateo, Lucas y Marcos); otro muy distinto, es el del evangelio de Juan; y el tercero es el de las 14 epístolas de Pablo. Por si fuera poco, además de estos tres, está el cristo los de ebionistas, otro de los elkesaítas, otro de los ofitas, otro de los nazarenos, otro de los judaizantes, otro de los adopcionistas, otro de los docetistas, otro de los gnósticos, otro de los simonianos, otro de los harpocarcianos, otro de los valentinianos, otro de Basílides, otro de Cerinto, otro de Carpócrates, otro de Marción... ¿De cuál de estos cristos estamos hablando?” [3]

E complementou, na mesma entrevista: “Jesús es un personaje histórico, por lo tanto postular su existencia es algo muy distinto a postular la existencia de Dios. Uno puede aceptar que Dios existe por la fe, que es como lo aceptan los protestantes, los cristianos de la Iglesia ortodoxa y los musulmanes. O por la fe y la razón, como lo aceptan los católicos. Pero uno no puede aceptar la existencia de un personaje histórico por la fe, sino por pruebas de la Historia. Si el cristianismo plantea la existencia de Cristo, le toca probarlo. Y no tiene forma de hacerlo. Que Cristo existió no es algo que pueda probar. No hay forma. Solo fechas y nombres y textos inciertos”. [3]

Bibliografia do autor

Romances

Biografias

Literatura/filologia/linguística

Ensaios

Filmografia

Como diretor

Curta-metragens

Longa-metragens

Como roteirista

Como ator

Ligações externas

Perfil do escritor em português

Entrevistas em áudio


Artigos escritos por Fernando Vallejo

Na SoHo

Na Revista Número

Referências

  1. Verbo21 (Darío Gómez Sánchez) (agosto de 2008). Caminhando com Fernando Vallejo (em português). Página visitada em 07 de janeiro de 2010.
  2. Laura Camila Mejía Morales. Fernando Vallejo (em espanhol). Página visitada em 25 de Outubro de 2009.
  3. a b c d Terra (19 de Outubro de 2007). Fernando Vallejo: 'Voy a recuperar mi nacionalidad colombiana' (em espanhol). Página visitada em 25 de Outubro de 2009.
  4. Diário de Notícias (25 de Outubro de 2009). "O Papa Bento XVI parece-me um hipócrita" (em português). Página visitada em 25 de Outubro de 2009.
  5. Máquina de Escrever (G1). O furioso cordial (em português). Página visitada em 1 de dezembro de 2009.
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Escândalo !

La puta de Babilonia, entrevista com Fernando Vallejo


Antonio Jáquez, 29 de abril de 2007

Traduzido por Omar L. de Barros Filho


Nem uma só ponta de respeito de intelectual – menos ainda de comiseração – existe na alma, no pensamento ou na obra de Fernando Vallejo, escritor colombiano naturalizado mexicano, quando se trata de analisar o que ele chama de os horrores atuais e presentes da Igreja católica no mundo. Com a recente publicação de “La puta de Babilonia” – livro da editora Planeta, inexoravelmente destinado ao escândalo – Vallejo declara sua guerra pessoal contra a Igreja do Vaticano com argumentos históricos implacáveis… aos quais agrega seus ácidos julgamentos nesta entrevista exclusiva publicada em Proceso.


Herege de coração, o autor de origem colombiana – já naturalizado mexicano – Fernando Vallejo já exibira sua aversão pela Igreja católica em sua obra em “La virgen de los sicários” e “La rambla paralela”, por exemplo, onde, de passagem, arremeteu contra Karol Wojtyla (“Zangão” foi o menos que dirigiu ao Papa polaco), de acordo com Proceso, em sua edição 1.591.


Nunca, entretanto, Vallejo havia dedicado uma obra completa a questionar os crimes e pecados da Igreja católica, apostólica e romana até agora, quando publica “La puta de Babilonia”, um ensaio feroz, raivoso, corrosivo, no qual não deixa nem o Papa, nem dogma incólume, incluídos a existência de Cristo e a virgindade de Maria, de que, obviamente, duvida.


“A impune bi-milenária tem contas pendentes comigo desde minha infância e aqui vão ser cobradas”, adverte Vallejo, na arrancada eletrizante de seu livro, uma espécie de anti-salmo:“La puta, la gran puta, la grandísima puta, la santurrona, la inquisidora, la torturadora, la falsificadora (…) la oscurantista, la impostora, la embaucadora, la difamadora, la estafadora de viudas, la homofóbica, la corrupta, la hipócrita, la parásita (…) la jesuítica, la dominica, la del Opus Dei…”, diz sobre aquela a quem muitos consideram a “Santa Madre Igreja”.


– Que barbaridade, dom Fernando! Mas o que lhe fez a Igreja, quais são essas contas pendentes? – pergunta-se a Vallejo na entrevista a Proceso.


- Arruinou-me a infância com a ameaça do inferno. Qual inferno, como se já não bastasse o deste mundo! Ah, e fez com que minha mamãe parisse vinte filhos. Dezenove irmãos são outro inferno.


Aos 64 anos, Vallejo parece inofensivo, com seu olhar tranqüilo, voz musicada e gestos suaves. Sua prosa é outra história, sobretudo em seu novo livro: sarcástica, injuriosa, provocadora, mal humorada, personalíssima. Perguntamos a ele se seu livro não teria ganho mais credibilidade e público se fosse mais comedido em sua linguagem. Ele responde:


“Não. Eu sei o que faço. O que meus leitores estão ouvindo atrás das palavras impressas é minha voz. E não estão lendo um livro: estão lendo minha alma”.


Na entrevista, fala também de outros temas. Refere-se, por exemplo, ao seu desprezo por Gabriel García Márquez, entre outras razões pela proximidade do escritor com o ditador Fidel Castro, “Deus os faz e eles se juntam”. Congratula-se pela derrota da direita – e da Igreja – na assembléia da capital, no caso do aborto: “uma batalha foi ganha contra o obscurantismo, é um grande passo libertário para o México. Gostei quando a Igreja caiu no ridículo. Com todo o seu poder e seus aliados apenas reuniu 70 mil assinaturas”...


“Pelo amor de Deus…”


A Internet fascina Vallejo: facilita suas indagações e lhe economiza contatos com gente, segundo diz em seu apartamento em La Condesa, a colônia da moda entre os intelectuais da cidade do México. Conta como montou “La puta de Babilonia”, título certamente tomado do Apocalipsis: “Esteve na cabeça desde sempre: em dois anos o passei ao papel. Com Amazon e a Internet a documentação ficou mais fácil do que pensava no início. Todos os padres da Igreja, gregos e latinos, estão lá. Orígenes, São Jerônimo, Santo Augustinho...”


“Com a Internet a erudição desapareceu. Buscas no Google, por exemplo, Miguel Cerulario (o imperador bizantino que o atual Papa citou em sua conferência de Ratisbona, provocando a ira dos muçulmanos) e, com um clic, tens uma informação imensa reunida que, antes, teria custado uma vida inteira juntar. O pior inimigo da Bíblia é a própria Bíblia; para destruí-la não se necessita mais do que conhecê-la. Leia com atenção e irá descobrir suas contradições, suas imbecilidades, suas imoralidades, suas infâmias. Quando Lutero a traduziu para o alemão, abriu a caixa de Pandora.


“Pois bem, a Internet veio somar-se às traduções da Bíblia para línguas vernáculas que seguiram a de Lutero ao alemão. A história monstruosa da Igreja já está ao alcance de todos, e não podem ocultá-la nem um dia mais. Essa instituição delinqüente, que já não pode matar, nem torturar, nem queimar livros e gente, não poderá impedir por mais um dia que a verdade de sua impostura e seus horrores e o relato grosseiro que inventaram do tal Cristo venham à luz.


Na primeira parte, Vallejo fala dos Papas. Há histórias loucas, como muitas das ocorridas nos tempos da Inquisição, particularmente as relacionadas com a queima de hereges. Aponta Vallejo:


“Inocêncio IV autorizou a tortura, e as câmaras da Inquisição se transformaram, então, em masmorras do inferno. Os acusados eram encerrados e isolados em celas e impedidos de ver os familiares, e lhes ocultavam os nomes de seus acusadores. Quem não confessava logo recebia como aperitivo os esmagadores de dedos, umas placas que se fechavam com um torno e que trituravam e deslocavam dedos. Não confessava? Passavam a vítima então para as botas quebra-tíbias, para sentá-la, em seguida, na cadeira ardente para descansar: uma cadeira com uma grelha sob um assento metálico coberto de pregos afiados, que se aqueciam até quase ficar em brasa (…). Ou lhe desencaixavam as mandíbulas, abrindo-as ao máximo. Pelo amor de Deus, confesse para salvar sua alma – implorava o inquisidor –, não me faças sofrer tanto…


– Que passagem obscura da Igreja lhe impressiona mais? A queima de supostas bruxas é impressionante, não? – é perguntado ao autor de “El desbarrancadero”.


– Está correto, “supostas” bruxas, pois bruxas reais nunca existiram. Fazendo o inventário dos crimes cometidos em nome de Cristo (uma invenção das muitas seitas cristãs do século II de nossa era, que nunca existiu como um ser real de carne e osso), o que mais me impressiona é justamente o que você menciona, queimar gente viva. Difícil conceber algo mais monstruoso que essa forma de matar da Inquisição. Cristo se saiu bem, somente o crucificaram. Comovamo-nos por Giordano Bruno ou por Miguel Servet!


Entretanto, disse o escritor – que também é biólogo –, nenhum Papa condenou a Inquisição de modo claro, “não com tibieza como fez Wojtyla”. A Inquisição foi fundada formalmente em 1232 por Gregório IX, de modo que está por alcançar oito séculos. “Oito séculos de impunidade! Com a Contra-reforma lhe trocaram o nome pelo de Santo Ofício. Hoje se chama Congregação para a Doutrina da Fé, e de lá – como saltou Putin, o russo da KGB, ao Kremlin –, assim saltou ao papado seu prefeito, Joseph Ratzinger. A Inquisição é a melhor prova da existência de Deus. Claro que o monstro existe! E longe de que seus desígnios sejam impenetráveis. São límpidos como turva é sua essência”.


– Wojtyla pediu perdão pelos pecados da Igreja. Basta pedir perdão para apagar tudo?


– Claro que não. É como se os nazis pedissem perdão pelas vítimas dos campos de concentração. Os crimes da Igreja não têm desculpa, seja onde for que tenham ocorrido, e deveria ser perseguida e castigada por isso. Daqui, lanço a idéia para que, no México, a Igreja católica seja proscrita. Sua impunidade de séculos deve terminar.


Você marca Karol Wojtyla como o Papa “mais daninho”. De verdade, você o vê assim?


– Sim. O mais assassino é o genocida Lotário da Segni, aliás, Inocêncio III, o da Quarta Cruzada contra os albigenses. Mas o mais daninho é Karol Wojtyla, aliás, João Paulo II, que, em seus 26 anos de pontificado, ajudou como ninguém a subir no planeta, comprovadamente, mais dois bilhões que excretam muito mas sobre o que se diz pouco. E veja o resultado: os rios convertidos em esgotos, e o mar em um desaguadouro de cloacas, a camada de ozônio esburacada, o aquecimento global, os pólos derretendo, a proliferação de barracos e favelas, miséria, e gente e mais gente, e automóveis e automóveis, mais automóveis e mais automóveis, por onde andemos. E, sobretudo, a sorte cada vez mais desventurada dos pobres animais. Os frangos, os porcos e as vacas, produzidos em galpões e criatórios monstruosos que não são outra coisa que fábricas de carne, logo degolados ou esfaqueados nos matadouros... E quando Wojtyla disse uma palavra a seu favor? Tantas quantas disse Cristo.


– O silêncio ou a cumplicidade do Vaticano diante dos crimes de Hitler equivalem ao silêncio da Igreja frente aos horrores da guerra do Iraque?


– Benedicto tem pavor dos muçulmanos. Tanto como sentia Pio XII em relação a Hitler. E levantará sua voz contra os terroristas islâmicos tanto como este Papa covarde a levantou contra os nazis. Atualmente, o Vaticano está muito indignado porque em Israel, em um museu sobre o holocausto, colocaram uma foto de Pio XII com a legenda de que não havia feito nada para evitá-lo. Pois eu digo mais que os moderados judeus: não só não fez nada mas o alcagüetou: todo o episcopado alemão se juntou a Hitler e se derramou em panegíricos celebrando-o, e soaram os campanários em sua honra sem que o autocrata de sotainas de Roma fizesse nada para contê-los. Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, aliás, Pio XII, foi um hipócrita covarde. Ele foi o maior alcagüete de Hitler, de Mussolini e de Franco.


A cenoura e o garrote


Vallejo está muito satisfeito. Diz que tem bons motivos hoje em dia: livro novo, estreou a cidadania mexicana – na quarta-feira, dia 25, lhe entregaram sua carta de naturalização – e a aprovação da lei de descriminalização do aborto na capital. Comenta que, em seu ensaio, não lhe basta se meter com os Papas; vai também contra o próprio Cristo e, inclusive, contra textos considerados sagrados.


- Era necessário chegar tão longe em sua revanche contra a Igreja? Nem sequer como mito a imagem de Cristo lhe desperta simpatia?


– O Cristo dos quatro evangelhos canônicos (que é o que pesa hoje em dia sobre nós, e que, no século II, era um entre muitos das muitas seitas cristãs que a chamada seita católica em seguida reprimiu e exterminou) era um homem contraditório, irado e louco, que não proferiu uma só palavra para repudiar a submissão da mulher, a escravidão e as agressões do homem aos animais. Como pode ser o paradigma do humano alguém que não viu que os animais, os mamíferos ao menos, também são nosso próximo? Não dirigiu a eles nem uma só palavra de compaixão.


Em seu livro, Vallejo afirma que Cristo é “um plano forjado por Roma, centro do império e do mundo helenizado, a partir do ano 100, reunindo traços tomados dos mitos de Átis, da Frígia, Dionísio, da Grécia, Buda, do Nepal, Krishna, da Índia, Osíris e seu filho Horus, do Egito, Zoroastro e Mitra, da Pérsia, e toda uma série de deuses e redentores do gênero humano que o precederam em séculos, e ainda em milênios, e que o mundo mediterrâneo conheceu em razão da conquista da Pérsia e da Índia por Alexandre Magno”.


Entra em detalhes: “Atis morreu pela salvação da humanidade, crucificado em uma árvore, desceu ao submundo e ressuscitou no terceiro dia. Mitra teve doze discípulos; pronunciou um Sermão da Montanha, foi chamado de Bom Pastor, se sacrificou pela paz do mundo e ressuscitou aos três dias. Buda ensinou no templo aos 12 anos, curou enfermos, caminhou sobre a água e alimentou quinhentos homens com uma cesta de biscoitos; seus seguidores faziam votos de pobreza e renunciavam ao mundo; foi chamado de Senhor, Mestre, a Luz do Mundo, Deus dos Deuses, Altíssimo… Krishna foi filho de um carpinteiro, seu nascimento foi anunciado por uma estrela no oriente e esperado por pastores que lhe presentearam com especiarias…”


- No México, os priístas* costumavam justificar seus crimes e corrupção dizendo que quem falhavam eram os homens, não as instituições. Escutei alguns clérigos dizerem o mesmo. A julgar por seu livro, você considera que a Igreja e seus homens são a mesma porcaria…


- Os priístas somente foram corruptos. A Igreja, além de corrupta, até quando conseguiu foi genocida e assassina: até meados do século XIX, quando Pio Nono perdeu, pelas mãos do Ressurgimento** italiano, o poder temporal que lhe restava, e os dentes e as garras, e o Santo Padre, de corrupto e assassino que havia sido até então, como bem sabiam seus súditos imediatos, os habitantes da cidade de Roma e dos Estados Pontifícios, passou a ser um santarrão. Sim. Todos estes travestis tonsurados são uma solene porcaria e desde aqui lhes declaro guerra. Sua hora chegou.


– Como você explica a longa sobrevivência de uma instituição tão profundamente corrupta e inclusive criminosa – segundo seu livro – como a Igreja católica, apostólica e romana? Se é tão má, por que durou tanto? De acordo com Savater, o mito de Cristo é parte da explicação. Em que você acredita?


– Durou tanto porque é a puta mais puta entre as mais putas. Porque desde que, em 312, subiu no carro da vitória do imperador Constantino, o genocida, sempre soube deitar no leito dos poderosos, por mais criminosos que fossem: Carlomagno, Carlos V, Mussolini, Franco, Hitler... Porque sempre foi a grande rameira do poder. Os comunistas foram seus inimigos porque não a deixaram se aproximar. Essa meretriz trata sempre de estar com quem ganha. Se permite, ela sobe em sua cama.


– Em seu livro apenas há referências de passagem sobre o papel da Igreja nos países latino-americanos? Como você julga o papel “evangelizador” da Igreja? O que pensa da Virgem de Guadalupe?


– O papel “embrutecedor”, queres dizer. Quanto à Virgem de Guadalupe, não é ninguém: uma a mais entre as Onze Mil Virgens. Não vale mais que um prêmio em um festival de cinema, do mesmo tipo que no mundo de hoje existem uns cinco mil.


Em nossos dias mexicanos, dominados politicamente pelo conservadorismo vulgar do PAN***, a Igreja cavalga de novo… embora caia do cavalo. Em vão prega contra os casamentos homossexuais e contra o aborto, seguindo as diretrizes do Santo Padre…


- E como você as vê? Você simpatiza com personagens como o cardeal Norberto Rivera e o bispo Onésimo Cepeda?


– No enterro do professor Hank González, um dos homens mais honestos que o México produziu, Norberto Rivera disse que “bendito seja nosso irmão Hank porque multiplicou os bens de Deus”. E Onésimo vai às corridas de touros para oferecer a alternativa aos pombinhos de toureiro e se jacta de que é muito macho e come carne. O anterior nos descreve muito bem este par de homens ilustres, orgulho da Igreja. E não me pergunte pelo padre Maciel porque sinto muita inveja dele. Com semelhante jardim florido e não ter compartilhado uma só dessas florzinhas com o próximo! Que ávido!


¬- Você afirmou que lhe agradaria muito polemizar com Norberto, Onésimo, o cardeal de Guadalajara Sandoval Íñiguez “e o santo varão” Carlos Abascal.


- Estou pronto para debater com eles. E mais: dou tempo de vantagem a eles para que digam o que quiserem. Creio que o debate poderia ser em um auditório da UNAM. Proponho que o encontro seja em 13 de maio, dia da Imaculada Conceição”.


– Seu livro antecipa que o dia do aiatolá se aproxima e que “a Grande Besta Negra vem sobre nós”. Será um obscurantismo pior?


– Na Colômbia de meus tempos dizíamos: “essa é uma carga da qual não se escapa”. Se os muçulmanos não nos invadem, la Puta de Babilonia nos devolverá às trevas medievais. Adeus Século das Luzes! Adeus Revolução Francesa! Adeus movimentos libertários do século XIX e princípios do XX! Adeus, adeus!


– Parece que a Igreja quer se modernizar. Acaba de suprimir o limbo, por exemplo, o que pensa?


– Se já não existe o limbo, onde estão agora os indígenas da América anteriores à Conquista, e as crianças inocentes que morreram antes de Cristo? Ou as crianças inocentes que estão nascendo na China, onde estão? Ao limbo eram mandadas as crianças e os justos. Por que não suprimem o purgatório? Este foi uma fonte de enriquecimento da Igreja, base das indulgências, que produziu a reforma protestante: essa foi a intenção, tirá-los do purgatório para que entrassem diretamente no céu.


Não podem eliminar o inferno. Se o suprimem, têm que acabar com o céu. Se não existe inferno, todo mundo tem que ir para o céu. O grande anzol do catolicismo é o céu. A outra grande razão é que o ser humano quer perdurar, ser eterno; a cenoura que moveu a Igreja ao humano é a promessa da eternidade e o garrote é a ameaça do inferno.


– Seu livro deixa claro que você é seu herege perfeito. Não teme a Deus? Não necessita o homem de Deus e de algum tipo de religião, ainda que seja como bálsamo? Não se arrependerá no último minuto?


– Quando Napoleão perguntou por Deus ao astrônomo Laplace, este lhe respondeu: “Senhoria, eu não necessito dessa hipótese”. O mesmo lhe respondo agora. É claro que não me arrependerei: eu morrerei na obstinação final do pecado, serei inimigo da Igreja até meu último alento.


Notas do tradutor
* Priístas: partidários do Partido Revolucionário Institucional, do México.
** Ressurgimento: movimento carbonário liderado por Giuseppe Mazzini, no século XIX, que buscava a unificação da Itália. Dele participou também Giuseppe Garibaldi, cujo nascimento, há 200 anos, se comemora em 4 de julho de 2007.
*** Partido de Ação Nacional do México, do presidente Felipe Calderón



Fonte: Proceso
Traduzido do Espanhol para o Português por Omar L. de Barros Filho, jornalista, diretor de redação de
ViaPolítica e membro de Tlaxcala, rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta página é Copyleft para qualquer uso não comercial. Pode ser reproduzida livremente, sob a condição de que sejam respeitadas integralmente as menções de autor, tradutores e fonte.
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