O Sertão Chinês
Desmatamento e exploração excessiva da água aumenta a desertificação e ameaça cerca de 400 milhões de chineses que vivem em uma das regiões mais secas do país
Cláudia Trevisan - O Estado de S.Paulo
O camponês Shen Mindao tem 44 anos e desde que pegou em
uma enxada pela primeira vez trava uma luta contra o avanço do deserto,
que está a 500 metros do pequeno pedaço de terra onde planta algodão e
cereais. Cada vez mais próxima, a imensidão de areia só não encobriu a
lavoura graças a uma precária barreira de árvores e arbustos secos que
Shen e seus vizinhos plantaram nos últimos anos.
Claudia Trevisan/AE
Sem água. Em 10 anos, oferta caiu 12%
Na década de 50, a China perdeu para a desertificação 385,7 mil km², o equivalente às áreas somadas dos Estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro, em um processo que tem sua origem no desmatamento e na exploração excessiva ou inadequada do solo. A transformação de terra fértil em terreno estéril não ameaça apenas Shen e os demais moradores de Minqin, um antigo oásis que está sendo engolido pela areia em Gansu, província árida e pobre, uma versão chinesa do sertão brasileiro.
Outras regiões do norte do país têm o mesmo problema. A ONU estima
que 400 milhões de chineses vivam em áreas sob risco de desertificação.
Milhares de pessoas já deixaram suas casas em razão da degradação do
solo e da falta de água. Em 2005, o vice-ministro do Meio Ambiente, Pan
Yue, disse que 186 milhões de chineses de 22 províncias, uma população
parecida à do Brasil, serão obrigados a migrar em razão de problemas
ambientais, entre os quais a desertificação. Mas com 20% da população e
apenas 6% da área arável do planeta, o país terá dificuldade para
realocar no campo os "retirantes" que podem ser obrigados a fugir do
deserto e da aridez nos próximos anos. Shen e os outros 130 moradores do
Grupo 6 da Vila Xiarun só conseguiram resistir até agora graças ao uso
da irrigação, mas a água é um recurso cada vez mais escasso na China.
A oferta per capita do produto no país é de 2.200 m³, menos de um
terço da média mundial de 7.600 m³. Na região de Gansu, onde vive Shen, a
relação é de 757 m³ por habitante, abaixo da linha de 1.000 m³ que o
Banco Mundial classifica como de "escassez".
Peter Gleick, um dos principais especialistas mundiais no assunto,
diz que a escassez de água ameaça reduzir o ritmo de crescimento e
abalar a estabilidade social do país. Para o Banco Mundial, a China está
à beira de uma crise de abastecimento do produto que poderá afetar seu
desenvolvimento se não tornar seu consumo mais eficiente.
Sem água suficiente na superfície, os camponeses utilizam as reservas
subterrâneas, cujo nível diminui de maneira dramática. "A cada ano,
temos de ir mais fundo para conseguir água", afirma Tang Yuti, 36, que
vive em Toujing, outra vila de Minqin. Só de janeiro a setembro de 2010,
a distância média entre o solo e a superfície da água nos poços
artesianos de Gansu aumentou 90 centímetros e está em 9,90 metros. Na
província vizinha de Shaanxi, a profundidade é ainda maior: 21,65
metros.
Os camponeses têm água na torneira de casa uma vez por semana, por
cerca de duas horas. É suficiente para beber e cozinhar, mas banho é um
hábito ausente do cotidiano, no qual nem existe chuveiro. "Quando há
alguma data importante, como o Ano Novo Chinês, vamos até uma casa de
banho na cidade, mas isto só ocorre umas três vezes por ano", diz Tang.
Seu vizinho Wei Qiangde, de 56 anos, afirma que o clima na região
está cada vez mais árido e lembra que no ano passado eles enfrentaram
uma das mais severas secas da história. "Enquanto tivermos água, podemos
plantar e sobreviver, mas conseguir água está cada vez mais difícil."
Professor da Universidade de Agricultura da China, Hu Yuegao ressalta
que a falta de água é o mais sério problema ambiental do norte do país.
Desde o início da década, a oferta do produto na região caiu 12% e
sofrerá pressão ainda maior nos próximos anos em razão do aumento da
renda da população e do processo de urbanização, que aumentará o
consumo.
Na vila Grande Muralha, também em Minqin, alguns poços artesianos
foram lacrados e a população proibida de usar para irrigação os que
continuam abertos. "Se não fosse isto, talvez não tivéssemos mais água
para beber", observa a camponesa Peng Jinping, 39. Sua lavoura de trigo e
cebola é irrigada duas vezes ao ano com água do reservatório artificial
que abastece Minqin.
Em novembro, os canais de concreto que chegam às vilas estavam cheios
de areia do deserto, a mesma que nas últimas décadas encobriu o trecho
da Grande Muralha que passa na região. Apesar do nome, a vila onde Peng
vive não tem vestígios do monumento. Se pudesse, Peng deixaria a Grande
Muralha. "Gostaria de me mudar para um lugar melhor, mas não sei onde
ele fica."
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