Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



domingo, 2 de janeiro de 2011

O movimento anti-homem


Ivan Martins
Ele existe, mas é uma coisa obsoleta
  Reprodução
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA



No dia de Natal revi Volver, do Almodóvar, na casa da minha mãe. Confirmou-se a impressão que eu já tinha: o filme é um majestoso manifesto anti-homens. As mulheres são criaturas coloridas, dignas, corajosas e lutadoras. Os homens são canalhas inúteis e sombrios, que estupram ou tentam estuprar as próprias filhas. Merecem ser mortos. E são. 


Almodóvar não está sozinho. 

O filme americano Minhas mães e meu pai, da diretora Lisa Cholodenko, sugere coisa parecida. Apresenta um casal de lésbicas com dois filhos adolescentes que entra em convulsão quando o menino e a menina conhecem o sujeito que doou o sêmen para que eles fossem concebidos. Essa presença masculina arrebenta a família. Ao fim do filme, o “doador de sêmen” (para que mais servem os homens?) é expulso como um invasor destrutivo, um germe egoísta e inconsequente. 

Esses dois filmes fazem parte do que eu identifico como um movimento de ataque ao masculino. Homens são violentos, homens são egoístas, homens são negligentes. Homens têm de ser educados e domesticados pelo bem da sociedade. Homens têm de ser controlados. 

Será mesmo? 



Ontem eu comecei a ler a biografia de Barack Obama, escrita pelo jornalista David Remnick. Chama-se A Ponte, e foi publicada pela Companhia das Letras. Ali se aprende que o pai do presidente dos Estados Unidos era um economista queniano que caberia direitinho no perfil de homem-bicho-papão. Um sedutor ególatra e falastrão, ele enganou três mulheres, casou com as três, fez filhos com todas e não cuidou de ninguém além dele mesmo. 


Como ele, há milhões de homens soltos pelo mundo, vários deles na nossa vizinhança geográfica e existencial. 

Então eu penso no Obama filho, que parece ser um pai amoroso, um marido dedicado e um cidadão preocupado em transformar o mundo em que vive. Ele é da minha geração, que mudou muito em relação à geração dos nossos pais. Os homens mais jovens, de 20 e 30 anos, estão literalmente reinventando as relações de família – são presentes, participativos, envolvidos de modo prático e afetivo com a casa e os filhos. São os homens novos, sobre os quais eu já escrevi nesta coluna. 

É injusto tratar esse macho solidário como se ele fosse o mesmo predador social das gerações anteriores. Injusto e incorreto. 

Tenho a impressão de que por trás desse discurso antimasculino existe (além da incompreensão da mudança) o ressentimento e o medo provocado por um fato da vida: os homens vivem há mais tempo e de forma muito mais profunda a sua própria liberdade. Têm há séculos o poder de escolher o que fazer com a própria existência, de forma radical. Isso está impregnado na cultura masculina. 

Ao contrário das mulheres, que têm vivido cercadas por amarras sociais e biológicas, os homens sempre puderam ficar no casamento ou sair andando. Cuidar dos filhos ou virar as costas. Dedicar-se à família ou encher a cara. Arar o campo ou esmolar na rua. Homens puderam ser Buda, Stalin ou Paulo Leminski. Ou ninguém. 

Essa liberdade faz dos homens seres humanos menos previsíveis e muitas vezes menos responsáveis do que as mulheres. Assustadores, às vezes. 

Quem era o pai do bebê que a garota de Belém jogou no quintal do vizinho na noite de Natal? Ninguém pergunta. Para todos os efeitos, o bebê era apenas dela. A maternidade é um fato biológico, enquanto a paternidade (até mesmo isso) pode ser apenas uma escolha social. 

Algum filósofo já disse que o valor moral das virtudes obrigatórias é baixo. O que vale são escolhas feitas em liberdade e relativo destemor. Os homens têm vivido com isso há muito tempo. Agora as mulheres estão chegando à mesma situação. 

Suspeito que a compreensão mútua vai melhorar. Os homens parecem estar abraçando de forma voluntária as responsabilidades históricas das mulheres, enquanto as mulheres exploram com menos temor a liberdade que agora pertence a elas. 

Já não me parece o caso de insuflar um movimento antimasculino. Precisamos de um movimento por seres humanos solidários e responsáveis. De qualquer sexo. De todos os sexos. 
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)


Fonte: http://revistaepoca.globo.com

Nenhum comentário: