Segundo Renatho Costa, queda do governo sírio e ascensão dos terroristas beneficia Israel e EUA
Bashar al-AssadCréditos: Kremlin
Escrito en GLOBAL el 9/12/2024 · 11:01 hs
"A grande prejudicada pela queda de Assad é a própria população síria, que poderá vivenciar um processo semelhante ao que ocorreu no Afeganistão, Iraque e mesmo com o Daesh"
Com a confirmação da queda do governo de Bashar al-Assad neste fim de semana, o mundo voltou seus olhos para a Síria, país que vive em guerra civil desde 2011 e agora está sob controle do Hay'at Tahrir Al Sham (HTS), antiga Al-Qaeda, que conseguiu marchar sobre Aleppo, Hama e Damasco em um ataque relâmpago que forçou a renúncia do governo.
Logo após a queda de Assad - aliado do Irã, da Rússia e do Hezbollah -, Israel iniciou uma ocupação militar no sul da Síria e celebrou o fim do regime, um dos principais opositores do sionismo no mundo árabe.
Para entender melhor a situação do conflito, ouvimos Renatho Costa, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e especialista em Oriente Médio.
Quem se beneficia da queda de Assad?
"A deposição de Assad interessa muito ao Estado de Israel. A Síria, historicamente, tem se oposto à atuação expansionista dos governos israelenses e apoiado os palestinos em sua luta pela Palestina independente. Também tem se recusado a aceitar a perda de seus territórios em Golã. Isso tem ficado mais evidente com as declarações do atual governo israelense", afirma o professor.
Outro aspecto importante observado por Renatho é a importância estratégica da Síria na logística entre Irã e Hezbollah. Boa parte dos armamentos que chegavam de Teerã para o grupo xiita - que faz o enfrentamento militar mais forte ao Estado de Israel neste momento - agora não poderá passar pelo território sírio.Abu Mohammad al-Julani, líder da antiga al-Qaeda (HTS) na Síria (Foto: Reprodução/CNN)
"Com a queda de Assad, há uma desarticulação do Eixo da Resistência [composto pelo governo Assad, Hezbollah, a Resistência Iraquiana, forças palestinas e o Ansarallah, no Iêmen], o que é muito importante para a manutenção da política expansionista e genocida do governo israelense", afirma.
Os EUA, que foram grandes financiadores dos rebeldes sírios e viram a aliança Moscou-Damasco derrotada nesta semana, também se beneficiaram da queda do regime.
"Outro beneficiário são os Estados Unidos, que conseguem desarticular um forte apoiador do governo russo na região e enfraquecer as ações do Hezbollah, devido à ruptura da conexão com a Síria", continua o professor.
"O grande prejudicado pela queda de Assad é a própria população síria", completa.
"A Síria era um Estado com governo autoritário e baixíssimo índice de democracia e liberdade, porém, sua deposição não foi feita com base em estabelecer um Estado democrático, mas sim, em reduzir os riscos de segurança para o Estado de Israel. Com isso, logo veremos onda de refugiados sírios em outros países e estabelecimento de um governo ainda mais autoritário que o de Assad. A deposição de Assad não estava ligada aos interesses da população síria", afirma o professor.
Impactos da queda de Assad na região
Na visão de Renatho, os terroristas do HTS não estarão subservientes aos EUA diretamente, mas podem ser influenciados pelos norte-americanos.
"O HTS também pode se converter num risco ainda maior na região se conseguir se estabelecer no poder e for formalmente reconhecido por outros países, pois isso poderá dar-lhe condições materiais para criar uma estratégia muito semelhante à estabelecida pelo Daesh. As diretrizes propostas pelo HTS, oriundo da Al-Qaeda, deixam claro que a criação de um Estado com base na visão dos membros do que seria um ‘Estado Islâmico’ é o objetivo final. O califado do Daesh não é muito diferente do que se busca estabelecer na Síria", afirma Renatho.
"Com a queda de Assad e as recentes baixas do Hezbollah no conflito com Israel, a aliança entre sionistas e estadunidenses deve se estender para mais territórios no Oriente Médio. Teremos de ficar atentos aos desdobramentos planejados para o Iraque e Iêmen, pois não me parece que os israelenses e estadunidenses ficarão satisfeitos com esses ganhos momentâneos. Muito provavelmente, aproveitarão o momento para tentar minar os demais aliados do Irã", afirma Renatho.
A influência deste grupo terrorista pode se estender para vizinhos como o Líbano, destruído pelos ataques israelenses recentes e absorto em uma crise política e econômica grave.
"O impacto mais efetivo será no Líbano, pois, além de ser um país vizinho à Síria, historicamente sempre mantiveram laços muito próximos. O estabelecimento de um regime que, ao que tudo indica, seguirá a linha do Daesh ou do Talibã, exercerá uma forte pressão nas fronteiras libanesas e poderá levar um conflito para dentro do país", explica o professor.
Para além disso, a resistência palestina também será duramente afetada. "A Palestina é muito afetada pela queda de Assad e pelo HTS alçar o poder. Porque, apesar de Assad ter constituído um governo autoritário, era completamente solidário à causa palestina e a apoiava como política de Estado. O HTS não tem esse compromisso e, muito provavelmente, o que poderá ocorrer é um posicionamento passivo. Assistir à atuação dos israelenses contra os palestinos e simplesmente manter-se alheio aos fatos. Esse seria um posicionamento esperado pelo governo de Netanyahu. Não entendo que haja qualquer ação do HTS contra os palestinos, mas, como exposto, a perda do apoio sírio enfraquece muito a estrutura criada para dar suporte à resistência palestina."
Nenhum comentário:
Postar um comentário