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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Decisão do TJ/MG sobre Estado e religião


Número do processo: 1.0000.07.457387-4/000(2) Númeração Única: 4573874-12.2007.8.13.0000
Processos associados: clique para pesquisar
Relator: HERCULANO RODRIGUES
Relator do Acórdão: HERCULANO RODRIGUES
Data do Julgamento: 09/07/2008
Data da Publicação: 05/09/2008
Inteiro Teor:  
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal. Município de Nova Era. Concessão de direito de uso de imóvel da municipalidade. Igreja do Evangelho Quadrangular. Funcionamento da igreja. Salas destinadas a estudo bíblico e reuniões. Moradia do pastor e sua família. Inconstitucionalidade manifesta. Igrejas e cultos religiosos. Estado laico. Dever de imparcialidade e neutralidade do Poder Público. Representação acolhida. Vício declarado. - Por imposição constitucional, o Poder Público, em todas as esferas federativas, possui o dever de imparcialidade ou neutralidade no que toca aos credos religiosos existentes no País, não podendo, de forma alguma, beneficiá-los ou prejudicá-los, total ou parcialmente.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1.0000.07.457387-4/000 - COMARCA DE NOVA ERA - REQUERENTE(S): PG JUSTIÇA - REQUERIDO(A)(S): MUNICÍPIO NOVA ERA, CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA ERA - RELATOR: EXMO. SR. DES. HERCULANO RODRIGUES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda a CORTE SUPERIOR do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM JULGAR PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO, VENCIDOS, EM PARTE, OS DESEMBARGADORES BRANDÃO TEIXEIRA E WANDER MAROTTA, E TOTALMENTE O DES. JARBAS LADEIRA.
Belo Horizonte, 09 de julho de 2008.
DES. HERCULANO RODRIGUES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:
VOTO
O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça submete a este Tribunal, mediante representação, o exame da constitucionalidade, em face da Constituição Estadual, do parágrafo único do artigo 1º e do artigo 3º da Lei nº 1.536, de 07 de janeiro de 2002, do Município de Nova Era, que concedeu direito de uso de um imóvel da municipalidade à igreja do Evangelho Quadrangular, a fim de que a referida entidade dele se utilize "para fins escolares e assistência social ou religiosa", destinando-se, segundo o texto legal, ao "funcionamento da Igreja", com "salas destinadas para estudo bíblico e reuniões diárias e Casa Pastoral, como assistência de moradia para o Pastor e sua família".
Aduz o requerente, em suma, que a concessão do direito de uso de imóvel municipal a uma entidade religiosa, da forma como posta na Lei mencionada, implica em subvenção a um credo religioso pelo Poder Público do Município, o que contraria a natureza laica do Estado e o conseqüente dever constitucional de imparcialidade ou de neutralidade dos entes autônomos da federação no tocante aos cultos religiosos, imposto pelo artigo 19 da Constituição Federal e pelo artigo 165, § 3º da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Invocando a plausibilidade jurídica da pretensão, bem como os prejuízos para a Administração Municipal decorrentes da vigência das normas impugnadas, buscou o Requerente a concessão de medida cautelar suspensiva da eficácia da expressão "ou religiosa", contida no parágrafo único do artigo 1º da referida Lei Municipal, bem como da íntegra do texto do artigo 3º do mesmo diploma legal, providência essa que foi deferida por este Relator, em decisão monocrática posteriormente referendada pela Corte.
O Prefeito Municipal, manifestando-se à f. 79, declara não se opor à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados.
A Câmara, entretanto, sai em defesa do texto legal (fls. 83/89).
Alega, em apertada síntese, que a concessão de direito real de uso do imóvel teve em vista o interesse social, tendo em conta atividades assistenciais e educativas a serem desenvolvidas pela entidade, representando atuação positiva do Estado laico, que resguarda a liberdade de culto, consagrada constitucionalmente.
O parecer da douta Procuradoria de Justiça, de fls. 110/113, é pelo acolhimento da representação.
No principal, é o relatório.
Estão atendidos os pressupostos processuais e as condições da ação direta.
No mérito, tenho como patente a inconstitucionalidade de ordem material nos dispositivos impugnados, por ofensa ao disposto no artigo 165, § 3º da Constituição Estadual, que, a exemplo da norma inscrita no artigo 19 da Constituição Federal, consagra a imparcialidade e a neutralidade dos Municípios em relação aos cultos religiosos ou igrejas.
Observa, com precisão, a ilustrada Procuradoria de Justiça, que consoante as cláusulas constitucionais mencionadas, o Poder Público, em todas as esferas federativas, possui o dever de imparcialidade ou neutralidade no que toca aos credos religiosos existentes no País, não podendo, de forma alguma, beneficiá-los ou prejudicá-los, total ou parcialmente.
Como registrado por ocasião do deferimento da cautelar, os textos legais em apreço extrapolam o limite constitucional da colaboração de interesse público entre o Município e a igreja do Evangelho Quadrangular, na medida em que permite o uso do imóvel público para fins declaradamente religiosos, para cultos e "estudos bíblicos", bem como para residência do pastor e de sua família.
Acolho, portanto, a representação, julgando-a procedente para determinar a supressão definitiva, por inconstitucionalidade, da expressão "ou religiosa" contida no parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 1536/02 do Município de Nova Era, bem como, em sua íntegra, do artigo 3º do mesmo diploma legal.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo.
O SR DES. ALMEIDA MELO:
De acordo.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
Com o Relator.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
Com o Relator.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
Com o Relator, data venia.
O SR. DES. HYPARCO IMMESI:
Com o Relator.
O SR. DES. JARBAS LADEIRA:
Sr. Presidente.
Peço vênia ao eminente Relator, para entender que o simples fornecimento de residência ao ministro religioso não quer dizer que o governo tenha religião oficial. O Estado não se compromete com determinada religião ao permitir que um ministro tenha residência.
Assim, com a devida vênia, desacolho por inteiro a representação.
O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:
VOTO
O Eminente Relator julgou procedente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ajuizada pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA determinando a inconstitucionalidade da expressão "ou religiosa" contida no parágrafo único do artigo 1º e do artigo 3º, em sua integralidade, ambos da Lei Municipal nº 1.536/2002 ao argumento central de que, a teor do artigo 165, §3º da CEMG, o Poder Público, em todas as suas esferas federativas, possui o dever de imparcialidade ou neutralidade no que toca aos credos religiosos existentes no País, não podendo, de forma alguma, beneficiá-los ou prejudicá-los, total ou parcialmente (sic.).
Peço vênia ao eminente Relator para divergir, em parte.
Não vejo inconstitucionalidade na expressão "ou religiosa" contida no parágrafo único do artigo 1º da Lei Municipal nº 1.536/2002. A norma cuja expressão se pleiteia a inconstitucionalidade tem a seguinte redação: "A concessão do direito de uso, de que trata o artigo 1º, terá caráter de interesse público, devendo a entidade utilizar-se da concessão para fins escolares e assistência social ou religiosa".
O Estado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu, como se deduz do preâmbulo da Constituição, que invoca a proteção de Deus, como afirma GILMAR MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES e PAULO GUSTAVO (in. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 408). Sob essa perspectiva é que o intérprete deve ponderar as normas infra-legais com o texto da Lei Maior. In casu, a concessão do direito de uso para fins religiosos, data venia, não agride a Constituição do Estado de Minas Gerais (art. 165, §3º).
Por outro lado, o artigo 3º da Lei Municipal ora impugnada, ao especificar os objetivos exclusivos da concessão de uso, ao meu sentir, ultrapassa os objetivos de colaboração de interesse público ao dispor como objeto da concessão "assistência de moradia para o Pastor e sua família". Nesta parte, há desvinculação da lei com o preceito constitucional da liberdade religiosa e de culto. Embora de rol exemplificativo, o artigo 3º deve enumerar exemplos de destinações que se coadunem com o espírito de colaboração de interesse público. Assistência para moradia não se enquadra neste conceito, razão pela qual, nesta parte, me parece que há inconstitucionalidade. A laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé, mas deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Com essas considerações, peço vênia para acompanhar em parte o eminente Relator apenas declarando a inconstitucionalidade da expressão "como assistência de moradia para o Pastor e sua família" contida no artigo 3º da Lei Municipal nº 1.536/2002.
Este é o meu voto.
O SR. DES. ALVIM SOARES:
Com o Relator, data venia.
O SR. DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL:
Com o Relator.
O SR. DES. FERNANDO BRÁULIO:
Com o Relator.
O SR. DES. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS:
Com o Relator.
O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:
Com o Relator.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
Com o Relator.
O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:
Com o Relator.
O SR. DES. CLÁUDIO COSTA:
Com o Relator.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
Com o Relator.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
Sr. Presidente.
Acompanho o Relator e proponho a publicação do acórdão, de excelente lavra.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Com o Relator.
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
Sr. Presidente.
Peço vênia ao eminente Relator e aos que entendem da mesma maneira que S. Exa., para adotar, data venia, a tese posta no voto divergente do eminente Des. Brandão Teixeira.
Penso que ao prever a possibilidade de assistência religiosa, a Lei Municipal não incorre em nenhuma inconstitucionalidade. Essa inconstitucionalidade pode, de fato, existir ao se possibilitar assistência de moradia para o pastor e sua família, como consta do art. 3º da Lei de que se cuida. A circunstância, entretanto, de, genericamente, se possibilitar assistência religiosa não ofende o caráter laico do Estado.
É como voto.
O SR. DES. GERALDO AUGUSTO:
Com o Relator.
O SR. DES. AUDEBERT DELAGE:
Com o Relator.
O SR. DES. NILO LACERDA:
Com o Relator.
SÚMULA :      JULGARAM PROCEDENTE, VENCIDOS, EM PARTE, OS DESEMBARGADORES BRANDÃO TEIXEIRA E WANDER MAROTTA, E TOTALMENTE O DES. JARBAS LADEIRA.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0000.07.457387-4/000 

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