UE e ONGs na Europa debatem problema da mutilação genital feminina
Praticada na
África, bem como em alguns países do Oriente Médio e em comunidades da
Ásia e América Latina, a mutilação genital feminina (MGF) é um termo
internacionalmente reconhecido para designar o costume de cortar a
genitália das mulheres.
Adolescentes são
submetidas a esse procedimento por diversas razões, explica Christine
Loudes, diretora de uma campanha contra a prática coordenada pela
Anistia Internacional.
"A MGF não é cometida
por motivos terapêuticos, mas feita em nome da tradição, da estética e,
às vezes, da religião", diz ela. O procedimento envolve uma remoção
parcial ou completa da genitália externa da mulher e é geralmente
executado sob condições precárias de higiene e sem anestesia, em
crianças e adolescentes de até 15 anos de idade. A MGF representa uma
violação severa dos direitos humanos.
"A prática constitui
tortura e degrada a vítima. Trata-se de uma violação dos direitos da
mulher à integridade física e também dos direitos da criança, para citar
apenas alguns", acrescenta Loudes.
Costume ultrapassa fronteiras
A África é a região
do mundo onde a MGF é mais praticada, com cerca de 30 países onde as
crianças e adolescentes são submetidas ao procedimento. Em outros
continentes, o problema também acontece. De acordo com o Parlamento
Europeu, aproximadamente 500 mil meninas e mulheres já tiveram seus
genitais mutilados na Europa ou estão correndo perigo de que isso
aconteça.
Esse número inclui 75
mil meninas e mulheres no Reino Unido, 65 mil na França e 30 mil na
Alemanha. Como explica Loudes, é difícil provar que a MGF vem sendo
praticada em solo europeu, mas a Anistia Internacional não exclui essa
possibilidade.
"Não posso dizer que
existam evidências fortes. Há, no entanto, indícios de que isso vem
sendo feito na Europa e que, na realidade, a prática é usada em
dimensões que ultrapassam as fronteiras. Mas sabemos que acontece quando
as meninas viajam com seus pais para seus países de origem, que é
quando o risco é maior", diz Loudes.
Uma das vítimas da
MGF na Europa é Aissatou Diallo, natural da Guiné, que teve seus
genitais mutilados em seu país de origem aos 14 anos de idade. Temendo
que suas próprias filhas pudessem estar expostas ao mesmo destino, ela
migrou com sua família para a Bélgica no ano de 2007, como refugiada.
Diallo diz que hoje tem uma sensação de segurança.
"Desde que cheguei à
Bélgica, percebo que tenho mais paz de espírito, pois minhas filhas vão
para a escola e estão seguras aqui. Não chego em casa perguntando onde
elas estão, não pergunto se alguém as cortou, o que acontece
frequentemente em meu país. Aqui redescobri a capacidade de desfrutar da
vida e aprendi a me recompor psicologicamente", diz ela.
Diallo pode ter
conseguido refazer sua vida na Bélgica, mas Christine Loudes afirma que
se recuperar de um processo como esse é algo que demanda um longo tempo
das vítimas que chegam à Europa.
"Essas mulheres
precisam de assistência médica. Especialmente aquelas cuja vagina foi
costurada precisam de assistência. Elas precisam ter seus órgãos
genitais reconstituídos e necessitam de apoio psicológico, pois essa é
uma prática que deixa uma série de sequelas psicológicas e traumas
físicos", completa Loudes.
Apoio às vítimas e a profissionais da área de saúde
Coordenada
pela Anistia Internacional, em cooperação com diversas ONGs de 11
países europeus, foi iniciada uma campanha em prol da assistência médica
prioritária às vítimas da MGF que vivem na Europa. Na Alemanha, por
exemplo, há ainda muito a ser feito para que essa meta seja alcançada.
"O tratamento e as
operações necessárias não recebem cobertura do seguro de saúde", explica
Shewa Sium, diretora da organização Agisra, de apoio a refugiados,
sediada em Colônia. "As mulheres têm que pagar as cirurgias do próprio
bolso. No momento, estamos recolhendo assinaturas para que o tratamento
médico das vítimas da MGF passe a ser coberto pelas seguradoras", conta
ela.
Mas não só as vítimas
da prática precisam de apoio. Organizações como a Anistia Internacional
e a Agisra exigem dos países da UE que passem a fornecer aos
funcionários de seus governos os recursos e o treinamento necessários
para abordar essa questão praticamente ignorada até agora.
"Ouvimos muita coisa
dos profissionais do setor da saúde, de professores e assistentes
sociais, que são confrontados com a prática e não sabem lidar com a
situação", diz Christine Loudes. "O momento mais difícil é o do parto,
que implica uma série de riscos para a mãe e para o bebê."
O fato de os
profissionais da saúde não estarem acostumados a lidar com mulheres que
passaram por uma MGF faz com que as cesáreas de emergência sejam mais
frequentes. Isso aumenta os custos para o sistema de saúde e também os
riscos para as mulheres.
Em função de tantos
efeitos físicos e psíquicos de longo prazo para as vítimas, a Anistia
Internacional também enfatiza a necessidade de proteção de meninas e
mulheres em situação de risco, que geralmente chegam ao continente
europeu como refugiadas. Na UE, contudo, falta uma legislação unificada
quando o assunto é MGF.
"É problemático que
cada país-membro do bloco tenha uma conduta muito diferente em relação
ao assunto," explica Loudes. "Em alguns casos, a prática é reconhecida
como perseguição; em outros, as mulheres podem receber outro status e,
com isso, menor proteção e apenas temporariamente.
Em alguns países, o
nível de alerta em relação ao tema é mínimo, especialmente naqueles que
ingressaram recentemente na UE. Estamos tentando mudar isso através da
formação de funcionários que tratam dos requerimentos de asilo
político".
Países da UE precisam agir, diz Comissão
A
União Europeia (UE) também tem tomado medidas no sentido de implementar
um combate unificado e eficaz contra a MGF. Viviane Reding, comissária
de Justiça do bloco, incluiu o tema entre as estratégicas dos próximos
cinco anos em prol da igualdade entre homens e mulheres. A Comissão
Europeia deverá incluir as premissas em um documento a ser divulgado em
fevereiro de 2011.
"A Comissão deverá
apresentar um papel sobre a nova estratégia contra a violência em geral e
em prol das vítimas. A MGF é uma das prioridades da Comissão", afirmou
Mathew Newman, porta-voz de Reding. "Trata-se de uma prática horrível e
as pessoas têm que saber disso. Elas também têm que saber que a UE está
trabalhando para despertar mais atenção sobre o assunto e fazendo de
tudo para cessar essa prática", completa Newman.
Ao lado dos esforços
oficiais, vítimas como Aissatou Diallo esperam que as sociedades e seus
cidadãos tratem de forma sensível o assunto, evitando estigmatizar as
vítimas. "Quando falamos de coisas terríveis, que os outros não
entendem, simplesmente precisamos falar. É como se você pegasse uma
criança na Europa e cortasse a orelha, um braço ou o olho dela. A
criança foi mutilada, simplesmente isso", explica Diallo.
"É verdade que não
somos vistas como mulheres completas, mas como quase deficientes. Somos
pessoas como quaisquer outras, e, como africanas, estamos lutando pela
mudança. Nossa esperança é que sejamos as últimas mulheres no mundo a
terem sofrido tal prática", conclui.
Autora: Laura Schweiger (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DEUTSCHE WELLE
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