Por Pedro Borges e Vinícius de Almeida, do ALMA PRETA
Esta semana, centenas de supremacistas brancos de extrema-direita chocaram o mundo ao tomarem as ruas da pequena Charlottesville, nos Estados Unidos. Fazendo saudações nazistas e entoando palavras de ordem racistas, homofóbicas, xenófobas e antisemitas, os protestos mostraram a face sombria do fanatismo social norte-americano.
A tensão em Charlottesville produziu cenas de confronto entre a intolerância da extrema-direita e grupos antifascistas, por dois dias seguidos.
Durante o protesto, um ato anti-racista que confrontou a mobilização da extrema-direita foi atacado, e um carro avançou contra a multidão. Cerca de 19 pessoas ficaram feridas e três pessoas morreram. Mais 33 pessoas se feriram em confrontos entre os dois grupos. Mas o que Charlottesville diz sobre o avanço mundial do conservadorismo e de manifestações intolerantes como o racismo, a xenofobia e a homofobia?
Conservadorismo nos EUA e no Mundo
Nos últimos anos, o mundo tem se deparado com o crescimento do pensamento conservador e com a maior popularidade de políticos do campo da direita. Nos EUA, depois de Barack Obama, primeiro presidente negro a ocupar o cargo de chefe da Casa Branca sob a bandeira do Partido Democrata, sigla entendida como mais progressista no debate político norte-americano, o republicano Donald Trump assumiu o posto de presidente da maior economia do planeta com propostas e discursos políticos ofensivos para as minorias raciais do país.
Durante a eleição, disputada contra a democrata Hillary Clinton, Trump não poupou manifestações de cunho racista, misógino e xenófobo. Apesar de prometer a construção de um muro separando os EUA do México, e de acusar os mexicanos de trazer o crime, as drogas e estupradores para os EUA, como fez em 16 de Junho, Donald Trump foi eleito o presidente norte-americano.
As contradições raciais no mundo, intrínsecas
ao modelo econômico capitalista, em nada diminuiriam com Hillary
Clinton. Donald Trump, porém, representa o acirramento do discurso e da
prática racista.
Em meio à corrida presidencial, grupos supremacistas brancos e de extrema-direita como o alt-right (ou direita alternativa) manifestaram apoio público à candidatura do bilionário.
Dados com os recortes de raça e gênero mostram que a população negra norte-americana bem sabia o que a esperava para o futuro. De acordo com a pesquisa boca de urna do New York Time e da NBC, 53% dos homens votaram em Donald Trump e 41% em Hillary Clinton. 42% das mulheres do país votaram em Trump e 54% em Hillary.
A discrepância entre os candidatos ganha números muito mais distantes quando se observa a preferência dos diferentes grupos raciais. 58% dos brancos votaram no republicado e 37% na democrata. Entre os negros, 8% votaram em Trump e 88% em Hillary Clinton.
Apesar da crise de 2008, da reorganização do capitalismo no mundo e da consequente estagnação do crescimento econômico mundial, a suposta decadência americana, relacionada à presença de imigrantes e ao multiculturalismo, fortalece o discurso de supremacia branca. Ou seja, para retomar o crescimento, seria preciso retomar os valores brancos norte-americanos.
No início de 2017, em um de seus primeiros atos como presidente, Donald Trump proibiu a entrada de refugiados nos EUA e de imigrantes de sete países, todos de origem majoritariamente muçulmana: Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália, Iêmen e Iraque.
O conservadorismo, o racismo e a xenofobia, porém, estão longe de ser exclusividade norte-americana.
A Europa viu a ultranacionalista Marina Le Pen da Frente Nacional chegar ao 2° turno da disputa presidencial francesa, e tem assistido de perto grupos conservadores ganharem corpo e força em outros locais, caso da Holanda, Alemanha, e das nações do Mar Mediterrâneo. Em todas esses países, o debate racial tem ganhado contornos cada vez mais grossos, com as barreiras direcionadas aos imigrantes africanos e árabes.
O Brasil segue a mesma tendência. Nome cada vez mais gabaritado para concorrer à presidência da República em 2018, Jair Bolsonaro já fez inúmeras manifestações de ódio racial e de gênero.
Em diálogo no Rio de Janeiro, no Clube Hebraica, Jair Bolsonaro fez piadas e promessas graves contra as comunidades quilombolas e indígenas, que atualmente lutam por demarcações de terras em diversas regiões do país. “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou quilombola”, afirma.
O presidenciável ainda prometeu cortar dinheiro destinado às ONGs e disse que “todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa”.
Em tom irônico, Jair Bolsonaro, ao relatar sobre a sua visita a uma comunidade quilombola, disse que o “afrodescentente mais leve lá, pesava 7 arrobas. Não fazem nada. Nem para procriar servem mais”.
Nessa mesma linha, também ganha força organizações políticas como o Movimento Brasil Livre (MBL), que colabora com a continuidade do mito da democracia racial. Para eles, as cotas raciais não são necessárias, bem como homenagear Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra no país. O mesmo MBL atribuiu a criação do Nazismo e da Ku-Klux-Klan aos movimentos de esquerda, em tentativa desonesta de reinterpretar a história.
O contexto político ainda abriga a bancada legislativa federal considerada a mais conservadora desde 1964, ano do golpe civil-militar que colocou o Brasil sob 21 anos de ditadura.
Projetos de lei como redução da maioridade penal, revogação do Estatuto do Desarmamento e bloqueio de pautas que garantam os direitos das populações LGBT são endossados por parlamentares que compõem as bancadas evangélicas, ruralistas e armamentistas.
Tensões raciais no Brasil
Nesse cenário, o Brasil segue a sua tradição histórica de manter uma política genocida e de violência contra a comunidade negra. Em momentos de reorganização do capitalismo, e de crescimento do conservadorismo no Brasil, a vulnerabilidade da população negra e pobre aumenta.
Propostas como as reformas trabalhista, da previdência e do teto de gastos (PEC 55) são marcadas pelo determinante racial. Em ambos os casos, o grupo mais prejudicado será a população negra, em especial as mulheres negras.
De acordo com dados do IPEA, entre as seis maiores regiões metropolitanas do país, as mulheres negras representam 46,7% do total de trabalhadores informais. Soma-se ainda as disparidades salariais do mercado de trabalho: a diferença entre a renda de um homem branco e uma mulher negra chega a 40%.
No sistema carcerário, o país também presenciou no início do ano revoltas que resultaram na morte de dezenas de pessoas, nas regiões norte e nordeste. O Estado do Rio de Janeiro passa por uma ocupação por parte do exército nas comunidades periféricas, territórios de maioria negra, sob o pretexto de conter o tráfico de drogas e o crime organizado.
Outro ponto importante da escalada conservadora no Brasil diz respeito ao aumento de manifestações racistas em espaços públicos. Principalmente na internet intensificam-se os ataques racistas a formadores de opinião e celebridades negras. Páginas e grupos de cunho racista ganham espaço no Facebook para expressar ódio racial abertamente.
Fora das redes, espaços esportivos como os estádios de futebol escancaram o racismo verbal entre jogadores e torcedores. Desde 2015, quando o goleiro Aranha foi alvo de ofensas racistas por torcedores do Grêmio em Porto Alegre, os casos se intensificaram.
Relatório anual do Observatório da Discriminação Racial do Futebol em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aponta que em 2016 o futebol presenciou 25 relatos de racismo, sendo 18 deles em estádios.
Cobertura da mídia dificulta a consciência racial
No Brasil, o tensionamento racial também está dado, mesmo que no campo do não dito. Essa é uma característica da democracia racial brasileira, local em que brancos e negros vivem sob harmonia, e a mestiçagem teria sido a solução desses entraves.
A diferença é que a mídia brasileira tem uma facilidade muito grande para identificar os tensionamentos raciais ao redor do mundo e nos EUA. Quando desracializa o debate no país, a mídia joga um pano, esconde um fator determinante para o entendimento da realidade: o racismo enquanto estruturante da sociedade brasileira.
Cobrir dessa maneira os problemas étnico-raciais que acontecem nos EUA colabora para a construção do imaginário do “outro”, de que o racismo é um problema norte-americano e distante do Brasil.
A narrativa racial nos meios de comunicação brasileiros limita a compreensão sobre o racismo nacional ao elaborar narrativas que confundem conceitualmente a ideia de racismo, estruturante da sociedade, com preconceito, pré-conceito com relação ao outro, e a discriminação, divisão física, simbólica e a manifestação de ódio contra integrante de outro grupo racial.
A comunicação e o jornalismo têm papéis fundamentais para a superação dos problemas sociais e cabe aos jornalistas informarem a população com o máximo de detalhes acerca de determinada questão. Sem apresentar raça como um fator que moldou a construção da história e do Estado brasileiro, fica impossível pensar em mecanismos de superação do problema.
Em meio à corrida presidencial, grupos supremacistas brancos e de extrema-direita como o alt-right (ou direita alternativa) manifestaram apoio público à candidatura do bilionário.
Dados com os recortes de raça e gênero mostram que a população negra norte-americana bem sabia o que a esperava para o futuro. De acordo com a pesquisa boca de urna do New York Time e da NBC, 53% dos homens votaram em Donald Trump e 41% em Hillary Clinton. 42% das mulheres do país votaram em Trump e 54% em Hillary.
A discrepância entre os candidatos ganha números muito mais distantes quando se observa a preferência dos diferentes grupos raciais. 58% dos brancos votaram no republicado e 37% na democrata. Entre os negros, 8% votaram em Trump e 88% em Hillary Clinton.
Apesar da crise de 2008, da reorganização do capitalismo no mundo e da consequente estagnação do crescimento econômico mundial, a suposta decadência americana, relacionada à presença de imigrantes e ao multiculturalismo, fortalece o discurso de supremacia branca. Ou seja, para retomar o crescimento, seria preciso retomar os valores brancos norte-americanos.
No início de 2017, em um de seus primeiros atos como presidente, Donald Trump proibiu a entrada de refugiados nos EUA e de imigrantes de sete países, todos de origem majoritariamente muçulmana: Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália, Iêmen e Iraque.
O conservadorismo, o racismo e a xenofobia, porém, estão longe de ser exclusividade norte-americana.
A Europa viu a ultranacionalista Marina Le Pen da Frente Nacional chegar ao 2° turno da disputa presidencial francesa, e tem assistido de perto grupos conservadores ganharem corpo e força em outros locais, caso da Holanda, Alemanha, e das nações do Mar Mediterrâneo. Em todas esses países, o debate racial tem ganhado contornos cada vez mais grossos, com as barreiras direcionadas aos imigrantes africanos e árabes.
O Brasil segue a mesma tendência. Nome cada vez mais gabaritado para concorrer à presidência da República em 2018, Jair Bolsonaro já fez inúmeras manifestações de ódio racial e de gênero.
Em diálogo no Rio de Janeiro, no Clube Hebraica, Jair Bolsonaro fez piadas e promessas graves contra as comunidades quilombolas e indígenas, que atualmente lutam por demarcações de terras em diversas regiões do país. “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou quilombola”, afirma.
O presidenciável ainda prometeu cortar dinheiro destinado às ONGs e disse que “todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa”.
Em tom irônico, Jair Bolsonaro, ao relatar sobre a sua visita a uma comunidade quilombola, disse que o “afrodescentente mais leve lá, pesava 7 arrobas. Não fazem nada. Nem para procriar servem mais”.
Nessa mesma linha, também ganha força organizações políticas como o Movimento Brasil Livre (MBL), que colabora com a continuidade do mito da democracia racial. Para eles, as cotas raciais não são necessárias, bem como homenagear Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra no país. O mesmo MBL atribuiu a criação do Nazismo e da Ku-Klux-Klan aos movimentos de esquerda, em tentativa desonesta de reinterpretar a história.
O contexto político ainda abriga a bancada legislativa federal considerada a mais conservadora desde 1964, ano do golpe civil-militar que colocou o Brasil sob 21 anos de ditadura.
Projetos de lei como redução da maioridade penal, revogação do Estatuto do Desarmamento e bloqueio de pautas que garantam os direitos das populações LGBT são endossados por parlamentares que compõem as bancadas evangélicas, ruralistas e armamentistas.
Tensões raciais no Brasil
Nesse cenário, o Brasil segue a sua tradição histórica de manter uma política genocida e de violência contra a comunidade negra. Em momentos de reorganização do capitalismo, e de crescimento do conservadorismo no Brasil, a vulnerabilidade da população negra e pobre aumenta.
Propostas como as reformas trabalhista, da previdência e do teto de gastos (PEC 55) são marcadas pelo determinante racial. Em ambos os casos, o grupo mais prejudicado será a população negra, em especial as mulheres negras.
De acordo com dados do IPEA, entre as seis maiores regiões metropolitanas do país, as mulheres negras representam 46,7% do total de trabalhadores informais. Soma-se ainda as disparidades salariais do mercado de trabalho: a diferença entre a renda de um homem branco e uma mulher negra chega a 40%.
No sistema carcerário, o país também presenciou no início do ano revoltas que resultaram na morte de dezenas de pessoas, nas regiões norte e nordeste. O Estado do Rio de Janeiro passa por uma ocupação por parte do exército nas comunidades periféricas, territórios de maioria negra, sob o pretexto de conter o tráfico de drogas e o crime organizado.
Outro ponto importante da escalada conservadora no Brasil diz respeito ao aumento de manifestações racistas em espaços públicos. Principalmente na internet intensificam-se os ataques racistas a formadores de opinião e celebridades negras. Páginas e grupos de cunho racista ganham espaço no Facebook para expressar ódio racial abertamente.
Fora das redes, espaços esportivos como os estádios de futebol escancaram o racismo verbal entre jogadores e torcedores. Desde 2015, quando o goleiro Aranha foi alvo de ofensas racistas por torcedores do Grêmio em Porto Alegre, os casos se intensificaram.
Relatório anual do Observatório da Discriminação Racial do Futebol em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aponta que em 2016 o futebol presenciou 25 relatos de racismo, sendo 18 deles em estádios.
Cobertura da mídia dificulta a consciência racial
No Brasil, o tensionamento racial também está dado, mesmo que no campo do não dito. Essa é uma característica da democracia racial brasileira, local em que brancos e negros vivem sob harmonia, e a mestiçagem teria sido a solução desses entraves.
A diferença é que a mídia brasileira tem uma facilidade muito grande para identificar os tensionamentos raciais ao redor do mundo e nos EUA. Quando desracializa o debate no país, a mídia joga um pano, esconde um fator determinante para o entendimento da realidade: o racismo enquanto estruturante da sociedade brasileira.
Cobrir dessa maneira os problemas étnico-raciais que acontecem nos EUA colabora para a construção do imaginário do “outro”, de que o racismo é um problema norte-americano e distante do Brasil.
A narrativa racial nos meios de comunicação brasileiros limita a compreensão sobre o racismo nacional ao elaborar narrativas que confundem conceitualmente a ideia de racismo, estruturante da sociedade, com preconceito, pré-conceito com relação ao outro, e a discriminação, divisão física, simbólica e a manifestação de ódio contra integrante de outro grupo racial.
A comunicação e o jornalismo têm papéis fundamentais para a superação dos problemas sociais e cabe aos jornalistas informarem a população com o máximo de detalhes acerca de determinada questão. Sem apresentar raça como um fator que moldou a construção da história e do Estado brasileiro, fica impossível pensar em mecanismos de superação do problema.
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