Adriano Benayon |
Nos artigos I e II, resumi as origens e os mecanismos da desnacionalização e como ela é feita com recursos gerados localmente: o Brasil paga para que os brasileiros não sejam proprietários dos meios de produção em seu próprio País. Parece que a aspiração máxima da maioria dos quadros dirigentes e dos empresários é serem gerentes a serviço de patrões estrangeiros. Abordamos agora mais alguns setores emblemáticos. Agronegócio
2 Embora antiga, a presença de transnacionais na economia rural e na
agroindústria era minoritária, mas isso se vem modificando celeremente
sob o intenso entreguismo dos últimos vinte anos.
3 Empresas estrangeiras adquirem, em ritmo crescente, explorações
agrícolas e pecuárias. Ocupam, cada vez mais, também indústrias
relacionadas com essas atividades, como ilustra a aquisição pela AGCO,
da SFIL, fabricante de plantadeiras e de plataformas para colheitadeiras
do Rio Grande do Sul. A AGCO, proprietária das marcas Massey Ferguson
e Valtra, já tinha fábricas de tratores no País. Até mesmo
a área de serviços relacionados vai sendo ocupada, de que é exemplo
a compra da FISPAL pela Brazil Trade Show Partners, a qual
se tornou a principal organizadora de feiras de alimentos e bebidas.
4 A Precious Woods, suíça, adquiriu 387 mil
hectares de terra na Amazônia. O sueco Johan Eliasc,
presidente da inglesa Head, comprou 160 mil hectares de floresta
na Amazônia. O fundo americano Colpers tem 23 mil hectares
em Santa Catarina e no Paraná. A Igreja Unificada,
do reverendo Moon, tem 46 propriedades em MS, estando as fazendas em
nome da Associação
das Famílias pela Paz Mundial.
5 De há muito cresce a aquisição de terras por estrangeiros,
não só as próximas aos centros de consumo, mas também
as da Amazônia e de outras áreas em que elas são alienadas
em operações envolvendo milhões de hectares de uma só vez.
Ultimamente tem circulado mais alertas, talvez por causa da entrada de
empresas chinesas nessa invasão, algo que certamente desagrada ao império
mundial.
6 Não aprofundo aqui a questão das tradings estrangeiras
que controlam o comércio das commodities exportadas do Brasil,
porque isso, além de antigo, alongaria demais o texto. Destaque-se a soja,
cuja predominância mostra claramente ser a estrutura agrária basicamente
voltada para os interesses externos.
7 A soja ocupa mais de 40% do total das terras atualmente
exploradas no País, destinando-se a exportar principalmente o farelo,
ração para animais no exterior, dentro do esquema de desgastar
as terras brasileiras a fim de assegurar alimentação barata nos
países industrializados. Ainda nesse contexto, o Brasil exporta enormes
quantidades de frangos e de suínos para a Europa, Japão, China
e Oriente Médio (só frangos neste caso), poluindo de forma massiva
os rios de Santa Catarina e de outros estados. Mais adiante, trato da
Sadia e da Perdigão, os principais exportadores, agora também
sob controle de uma transnacional.
8 Para que britânicos e outros comam seus bifes (palavra derivada do
inglês) ensanguentados, as terras brasileiras são utilizadas do
modo menos produtivo possível, a pecuária extensiva,
a qual ocupa área igual a cinco vezes a usada na agricultura.
9 A dominância da soja no agronegócio contribui também
para que se dê preferência ao óleo dela para uso combustível,
em lugar de plantas como a copaíba, com rendimento oito vezes melhor,
e o dendê, doze vezes melhor.
10 Nas cervejas, houve a fusão da companhia de bebidas “belgo-brasileira” InBev,
que havia absorvido as tradicionais Brahma e Antártica, com a norte-americana Anheuser-Busch,
dona da marca Budweiser. Logo depois, em 2009, fundiram-se a Sadia e
a Perdigão,
já sob controle da transnacional BRF-Brasil Foods.
11 Essas operações foram, em grande parte, financiadas, incrivelmente,
pelo BNDES (Banco Nacional [???] de Desenvolvimento Econômico e Social),
que emprestou R$ 710 milhões à cervejeira transnacional e cerca
de R$ 1,1 bilhão à BRF-Brasil Foods, contando os recursos colocados
na Perdigão e Sadia em 2008 e 2009.
12 No ramo dos venenos chamados refrigerantes, de há muito se consolidou
o virtual monopólio da Coca-Cola, engordado por numerosas
aquisições de fabricantes locais. A mesma transnacional controla
grande parte da água mineral engarrafada, negócio rendoso e danoso
para a saúde pública, pois a vende desmineralizada. Aí pontifica
também o polvo Nestlé, sediada na Suíça,
destruidor, entre outras coisas, das reservas das águas de São
Lourenço, e também dominante, há decênios, mundialmente
no nocivo leite de vaca em pó, além de ser um dos cabeças
do oligopólio estrangeiro dos iogurtes e outros laticínios.
13 Embora seja difícil de conceber algo ainda mais desastroso, isso
existe. São as sementes transgênicas, monopolizadas
por transnacionais, como a Monsanto e a Syngenta. Elas
contaminam as áreas vizinhas, inviabilizando a reprodução
das plantas e até eliminando as abelhas. Com trânsito livre dos
governos, inclusive o de Lula, elas têm licença para destruir
a agricultura brasileira, acabar com a segurança alimentar e envenenar
os brasileiros com o glifosato e outros agrotóxicos.
14 Denotativo das consequências políticas intoleráveis
que advêm do domínio das transnacionais na economia, é ter sido
o avanço das sementes transgênicas apoiado pelo governo federal
e por todos os governos estaduais, à exceção de um,
o do Paraná. Que o governador Requião não tenha elegido
seu sucessor apenas confirma que o presente sistema político é irrecuperável.
15 Em 2009, formou-se a FIBRIA, resultado da fusão da Aracruz Celulose,
ex-estatal privatizada em favor de firmas estrangeiras, com a Votorantim
Celulose e Papel. A Citrosuco, do grupo Fischer, e a Citrovita, da Votorantim,
também
se uniram, tornando-se o maior produtor mundial de suco de laranja. Tem
seis fábricas em São Paulo e uma nos EUA, dois terminais portuários
no Brasil, seis no exterior e 64 mil hectares de pomares de laranja,
com 50% da produção brasileira.
16 Os maiores grupos ainda considerados brasileiros têm-se internacionalizado
de tal maneira, e recebido tal quantidade de capitais estrangeiros, que
não
será surpresa, a exemplo dos casos acima citados, se passarem a ser
controlados por esses capitais. Entre esses, a portentosa ex-estatal
Vale Rio Doce, a Odebrecht, Votorantim, Friboi, os quais têm captado
dezenas de bilhões de dólares, inclusive de fundos de investimentos
estrangeiros.
17 Durante a primeira etapa do colapso financeiro e econômico mundial
em andamento, a crise de 2007/2008, as próprias grandes empresas tiveram
dificuldades em servir suas dívidas com os bancos, e ficaram sem financiamentos
dos mercados de crédito internacionais. Isso as levou buscar recursos
provenientes de empresas, fundos e aplicadores estrangeiros.
18 O frigorífico JBS Friboi, maior empresa de carnes do mundo, tem
feito diversas aquisições de empresas no exterior, com a ajuda
financeira do BNDES, sem, portanto, criar emprego algum no Brasil. O
BNDES, através da BNDESPar, sua empresa de participações,
adquiriu dois milhões de debêntures por R$ 3,4 bilhões,
já tendo
comprometido R$ 7,5 bilhões na Friboi, na qual detém participação
acionária de 22,36%. Esse extraordinário apoio financeiro é maior
do que o engajado na fusão das empresas de telecomunicações
Oi/Brasil Telecom, ambas sob controle estrangeiro.
Açúcar e etanol
19 Ramo em que a desnacionalização progride a passos largos é o
da produção sucroalcooleira. A velocidade pode
ser avaliada através de dados da União da Indústria de
Cana-de-Açúcar – ÚNICA: na safra de 2007/08 correspondiam
a 7% as companhias com capital estrangeiro, e na de 2010/2011,
essa participação será de 22%. Além
disso, cresceu a concentração: em 2004/05, as cinco maiores empresas
enfeixavam 12% da produção; em 2009/10, já representavam 27% do
total.
20 Eis o que disse o presidente da UNICA, Marcos Jank, referindo-se à entrada
da mega-petroleira britânica Shell no segmento de açúcar
e etanol, com a joint-venture formada com a COSAN, em operação
que envolveu US$ 12 bilhões:
“Os acordos para fusões e aquisições entre usinas
de cana ocorridos nos últimos meses, especialmente aqueles que envolveram
empresas estrangeiras, deixaram o setor sucroalcooleiro do Brasil
mais forte para enfrentar momentos de dificuldades como os registrados em 2009."
21 No artigo anterior, falamos da financeira Gávea, de Armínio
Fraga, controlada pelo JP Morgan, a qual detém 14% da COSAN, antes controlada
pelo grande empresário sucroalcooleiro, Rubens Ometto.
22 A Santa Elisa Vale foi comprada por uma das maiores tradings transnacionais,
a Louis Dreyfus Commodities, a Moema o foi por outra mega-trading,
a Bunge, e a BRENCO, grande tomadora de recursos do BNDES,
pela ETH.
23 A BRENCO era presidida por Henri-Philippe Reichstul, do círculo
de FHC e que faz parte do conselho de administração de três
companhias estrangeiras: REPSOL, Peugeot Citroën e EIA, do setor de energia.
Na diretoria da BRENCO predominam mandatários de transnacionais (Ashmore
Energy e Silverpoint Capital), e há um representante de acionistas norte-americanos
e outro de brasileiros.
24 É de notar (Vide parágrafo 20 supra) o viés entreguista
de Marcos Jank, presidente da entidade representativa das empresas brasileiras
sucroalcooleiras. Seria ele empresário desse setor? Não. É um
professor-doutor da USP, com graduações no exterior, tido por
especialista em negociações internacionais. Curioso, não?
Pelo menos, impossível em países nos quais a meta dos donos de
empresas não é desfazer-se delas.
25 O grupo francês TEREOS, controlador, com 69% do capital, da Açúcar
Guarani, quarta maior empresa do setor sucroalcooleiro no Brasil, anunciou
que o Brasil passaria a ser seu centro financeiro, com a criação
da TEREOS International. Traria os ativos da Europa e da região
do Oceano Índico – cerca de € 1 bilhão - para incorporar à Guarani,
em operação no montante de € 1,7 bilhão. A
presente receita anual desta é de R$ 1,5 bilhão, e sua dívida
líquida soma R$ 1,1 bilhão.
26 Houve, ainda, a compra de participação majoritária
na Equipav pela Shree Renuka, da Índia, além
do avanço do grupo Bertin nos biocombustíveis,
ao entrar na Infinity. A CEB-Clean Energy Brazil comprou usinas
em Mato Grosso do Sul (MS) e Goiás.
Varejo/supermercados
27 No varejo de eletrodomésticos, o Grupo Pão de Açúcar,
controlado pelo Casino, da França, absorveu a Casas
Bahia, agregando-a a: Extra; Sendas; Assai Atacadista; TAEQ; Compre Bem; Ponto
Frio. É a maior rede do país. As outras são o Carrefour,
também francês, e o Wal Mart, norte-americano,
em rápida expansão. O ramo de supermercados está altamente
concentrado e quase totalmente desnacionalizado.
28 A Sodexo, outro grupo francês, que controla 220 mil estabelecimentos
comerciais, administrando restaurantes e cafeterias e fornecendo refeições
coletivas, projeta crescimento anual de 20%, e atual também
em mineração, navios-sonda e plataformas de
exploração de petróleo. No Brasil a receita bruta é estimada
em R$ 900 milhões.
Construção, empreiteiras
29 As empreiteiras, além de se terem aberto a participações
acionárias estrangeiras, têm tido apoio irrestrito do BNDES, tendo
passado a atuar também na petroquímica, agronegócio, mineração,
telecomunicações, produção de etanol, petróleo,
saneamento, açúcar, energia elétrica e rodovias. comprou a Brasil Telecom, graças a empréstimos do B. A Andrade Gutierrez é acionista da Telemar, dona da OI, que BNDES de R$
2,6 bilhões em 2008 e R$ 4,4 bilhões em 2009. A Andrade Gutierrez
tem mais as seguintes empresas: Dominó Holding S.A., Water Port S.A.,
Corporación Quiport, CCR-Cia. de Concessões Rodoviárias,
RME-Rio Minas Energia.
30 Da mesma forma, diversificaram-se a Odebrecht, a Camargo Correa,
a Mendes Junior, a Queiroz Galvão. A Odebrecht Realizações
Imobiliárias atua no segmento de baixa renda (entre zero e três
salários mínimos) e média/alta renda, com projetos imobiliários
em quase 10 Estados brasileiros. A Odebrecht, que controla a BRASKEN,
outra grande beneficiária do BNDES, diz não ter planos, a curto
prazo, de lançar ações na Bolsa de Valores, mas vendeu
ações à Gávea,
controlada pelo JP Morgan.
31 A Gávea tem outras participações em construtoras e
empreiteiras, além de participação de 12,6% do grupo de
comunicação RBS e 12% das ações ordinárias
da Lojas Americanas.
Farmacêutica
32 Os laboratórios farmacêuticos mundiais faturam mundialmente
somas inimagináveis devido ao mercado que lhe é assegurado pelos
múltiplos malefícios que os hábitos alimentares, as tensões
nervosas e a intoxicação indissociavelmente ligadas ao sistema
político e econômico imperial, tudo coadjuvado pela medicina oficial
alopática.
33 No Brasil, o setor das doenças, mal chamado de setor de saúde,
conta com farmácias a cada esquina nas cidades e em cada vilarejo, interior
a dentro. Desde 1945, e de modo intenso desde 1954, os tradicionais laboratórios
nacionais foram desnacionalizados sob a pressão da política econômica
pró-transnacionais.
34 Do mesmo modo que a indústria automobilística e a de autopeças
nacionais, a farmacêutica foi destruída a partir das políticas
entreguistas da UDN e de seus simpatizantes militares, bem como do pseudo-desenvolvimentismo
de JK. Todas essas indústrias, e até mesmo as de máquinas-ferramentas,
equipamentos pesados etc., já se encontram, portanto, de há muito,
virtualmente desnacionalizadas.
35 Mesmo assim, o processo ainda prossegue, engolindo sempre algo mais.
Há pouco, a farmacêutica norte-americana Pfizer adquiriu 40%
do laboratório brasileiro TEUTO por R$ 400 milhões,
visando a ampliar sua presença nos medicamentos genéricos.
O negócio inclui a opção de apresentar oferta
pelos 60% restantes, no início de 2014. O acordo leva, ainda,
a Pfizer a registrar e comercializar produtos da Teuto no Brasil e
em outros mercados sob suas marcas próprias.
37 Localizado em Anápolis (GO), o laboratório TEUTO foi fundado
em 1947. A Pfizer o absorveu após comprar a King Pharmaceuticals, especialista
em analgésicos, e aliar-se com a Biocon, da Índia, em produtos
similares à insulina.
Transportes
38 O atual governo privatizou a ferrovia Norte-Sul e mais sete trechos
de rodovias, entregues às espanholas Acciona e OHL.
A Juring Shipyard de Cingapura, subsidiária da norte americana Semb
Corp Marine, adquiriu parte do Estaleiro Mauá e a passou
para o Sinergy Group, que já detinha 65% do estaleiro.
Telecomunicações
39 Em sequência à desastrosa privatização do setor
por FHC no final dos anos 90, ele foi, cada vez mais, caindo em poder
de oligopólios
estrangeiros, que fizeram piorar a qualidade dos serviços e encarecer
as tarifas. Recentemente, a Telefonica (Espanha) comprou a Vivo, e
a Portugal Telecom entrou na OI, já controlada por bancos estrangeiros
e seus agentes, como Daniel Dantas.
40 A holding Telemar Participações, controladora da OI,
comprou a Brasil Telecom por R$ 5,863 bilhões. O BNDES injetou cerca
de R$ 4,4 bilhões para “saneamento” da adquirida, após
se ter viabilizado a transação por haver o governo patrocinado
mudança na Lei de Telecomunicações.
Diversos
41 Em operação recente, a norte-americana A. Schulman adquiriu
a produtora brasileira de compostos plásticos Mash,
controlada pela Mash Têxtil, a qual opera desde 2004, em São Paulo,
produzindo para os setores automotivo, eletrônicos e agricultura. A A.
Schulman fornece compostos plásticos e resinas, utilizados
como insumos em várias indústrias.
42 Outra faceta interessante é a crescente entrada dos asiáticos,
principalmente a China, na compra de ativos no Brasil. No primeiro semestre, os
asiáticos responderam por 35,8% dos negócios, os europeus 63,6%,
e Estados Unidos, apenas 0,6%, ainda sob o efeito da crise de 2008.
Entre as aquisições chinesas foi salientada a dos ativos da Plena
Transmissora pela State Grid of China.
Fonte: A NOVA DEMOCRACIA
-=-=-=-=-= O artigo deixa de abordar as propriedades que o Vaticano - a maior multinacional do mundo - possui no Brasil, ora em nome de Mitras, ora em nome de Congregações, ora em nome de Institutos, etc. Recentemente, ao estudar uma ação popular onde questiono a isenção concedida pelo Município de Florianópolis, com relação à Taxa de Remoção de Resíduos Sólidos (lixo) à ICAR, deparei-me com um Anuário publicado pela Mitra Metropolitana de Florianópolis, onde figuram as propriedades do Vaticano em nossa região e fiquei a imaginar o acúmulo de propriedades daquele "Estado" estrangeiro em todo o território nacional. |
Perfil
- I.A.S.
- Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR
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domingo, 2 de janeiro de 2011
Desnacionalização da economia brasileira - As colaborações de FHC e LULA
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