As veias abertas do narcotráfico na política da América Latina
PUBLICADO NO JUSTIFICANDO. Por Henrique Oliveira
No
imaginário da sociedade brasileira, o traficante de drogas é encarado
apenas como um jovem negro, pobre e que mora na periferia, pois esse é
praticamente o único modelo de traficante que é produzido e reproduzido,
principalmente nos meios de comunicação. E ao mesmo tempo se fala
também da participação de políticos e empresários no negócio mundial das
drogasintenção desse texto é justamente tentar demonstrar a relação
existente entre tráfico de drogas, políticos e as eleições. As eleições
têm sido uma forma não apenas de eleger pessoas do tráfico de drogas a
cargos políticos para facilitar os negócios e trazer proteção, mas
também para lavagem de dinheiro do tráfico, quer dizer, transformar esse
dinheiro que é obtido através de um mercado ilegal, em algo legal,
através das doações eleitorais a candidatos e partidos políticos.
Segundo
a UNODC (Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime), o tráfico
de drogas é a atividade criminosa mais lucrativa do mundo, com uma
movimentação de 320 bilhões de dólares por ano. E logicamente que esse
dinheiro não é transportado em mochilas, ele é investido nos mais
diversos setores da economia mundial, entre eles o setor financeiro, os
bancos.
Narcotráfico e a Política na América Latina
A
relação entre tráfico de drogas e a política teve um dos seus casos
mais conhecidos, quando o narcotraficante colombiano Pablo Escobar em
1982 foi eleito suplente de Deputado e dois anos depois teve seu mandato
cassado.
Na
América Latina tivemos alguns casos em que políticos tiveram relações
com o tráfico de drogas. No Peru durante a Ditadura de Alberto Fujimori
1990 - 2000, segundo o Wikileaks em documento divulgados em 2010,
autoridades civis e militares tiveram relações com o narcotráfico, além
da existência de uma relação direta com o narcotraficante Demetrio
Chavez Peñaherrera, que admitiu após sair da prisão, que o Peru vivia um
"NarcoEstado".
A
relação com o tráfico de drogas também aconteceu nas eleições do ano
2000, quando Alberto Fujimori foi candidato a reeleição, o médico
cirurgião Daniel Chuan Cabrera, que era fundador e líder do Peru 2000
foi investigado no mês de Fevereiro, a Terceira Fiscalização
Especializada em Drogas e a Direção Nacional Antidrogas queriam saber
sobre o transporte de cocaína realizado pelo seu barco pesqueiro.
O
ex-presidente peruano, Alan Garcia 2006 - 2011 foi acusado de ter
envolvimento com narcotráfico, especialmente com o cartel de Cali, e
Óscar Fernando Cuevas Cepeda, conhecido por lavar dinheiro do tráfico de
drogas. Em 2006, Alan Garcia quando concorreu as eleições recebeu
dinheiro do tráfico de drogas, 5 mil dólares que foram dados por Alfredo
Sanchez Miranda, filho de Orlando Sanchéz Miranda.
A
família Sanchéz Miranda é conhecida por ter feito sua fortuna com o
tráfico de drogas entre os anos de 1977 e 1991, através da atuação dos
irmãos Perycles e Simón Sanchéz Miranda. Simón foi assassinado em 1987
no México e a Polícia descobriu que sua fazenda servia de laboratório de
cocaína que era enviada para os EUA. Em 2010,3 membros da família
Sanchéz Miranda foram acusados de lavagem de dinheiro do tráfico de
drogas. No mês de Março de 2016, a Promotoria peruana pediu 28 anos de
prisão para os membros da família Sanchéz Miranda por lavagem de
dinheiro do tráfico através do financiamento eleitoral.
Nas
eleições presidenciais no Peru desse ano, novamente o narcotráfico
voltou a ser tema ligado aos candidatos. O segundo turno foi disputado
entre Pedro Pablo Kuczynski e Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto
Fujimori, que durante o seu governo como já foi dito, tinha relação com o
narcotráfico. E em 2013 foram achados 100 quilos de cocaína na empresa
que tem como um dos sócios seu irmão, o Deputado Kenji Fujimori. O
jornal inglês The Sunday Times ligou a candidatura de Keiko Fujimori aos
interesses dos cartéis do tráfico de drogas, pois na campanha de 2011,
Keiko Fujimori recebeu um cheque no valor de 13 mil dólares, do
narcotraficante Luiz Calle Quirós.
Nas
eleições presidenciais de 1994 na Colômbia, o candidato vencedor,
Ernesto Samper do Partido Liberal, foi financiado com dinheiro do
Narcotráfico, do cartel de Cali. Essa história também é confirmada pelo
candidato que foi derrotado, Andrés Pastrana no seu livro Memórias
Esquecidas. A descoberta foi feita após a Polícia colombiana rastrear
conversas telefônicas do chefe do Cartel de Cali, Miguel Rodríguez
Orejeula.
O
jornalista britânico Ioan Grillo, pesquisador e escritor de livros
sobre o tráfico de drogas na América Latina, veio na FLIP (Festa
Literária Internacional de Paraty) e afirmou que o narcotráfico move a
política na América Latina.
Tráfico de Drogas e a Política no Brasil
A
análise sobre o tráfico de drogas e a política no Brasil será enfocada
aqui a partir dos resultados produzidos pela CPI do Narcotráfico
divulgado no ano 2000. Segundo o artigo do Centro de Estudos e Pesquisas
Sobre Corrupção, o relatório da CPI teve como resultado a cassação de
vários vereadores e deputados, entre eles estava o ex-deputado do estado
do Acre, Hidelbrando Paschoal do PFL, atual DEM, que foi preso e
condenado a 25 anos de prisão por tráfico de drogas, corrupção e
assassinato. Hidelbrando se recusou a depor na CPI do Narcotráfico, o
que deu brecha para uma abertura do processo de cassação do mandato.
No
artigo "Economia da Droga, instituições e política: os casos de São
Paulo e Acre na CPI do Narcotráfico", demonstrou que o ex-deputado
Hidelbrando Paschoal liderava uma organização que dominava a rota do
tráfico de drogas que vinha da Bolívia e Colômbia através do Acre,
depois eram distribuídas para os estados de Rondônia, Amazonas, Piauí,
Mato Grosso do Sul e São Paulo.
A
CPI do Narcotráfico também acusou por envolvimento no tráfico de drogas
o deputado José Aleksandro (PSL) do Acre, em Alagoas os deputados
Augusto Farias (PFL, atual DEM), João Beltrão Siqueira, José Francisco
Cerqueira Tenório (PMN), Antônio Ribeiro Albuquerque (PRTB), Júnior
Leão, Cícero Ferro (PRTB), Celso Luiz (PP) e Fátima Cordeiro (PDT). No
Espírito Santo foram indiciados o presidente da Assembleia Legislativa
do período, José Carlos Grantz também do ex PFL e o deputado Gilson
Lopes dos Santos Filho. No Amapá foram três deputados, o ex-presidente
da Assembleia Fran Júnior(PMN), Jorge Salomão que também era do PFL, e
que agora está no PROS e o deputado Paulo José (PTC).
No
Paraná foram indiciadas 117 pessoas, e o impacto da CPI no estado
Paraná levou o Senador Roberto Requião a acusar o governador no período,
Jaime Lerner (ex PFL) de ter sido financiando pelo tráfico de drogas.
No estado do Maranhão foram 23 indiciados pela CPI, entre eles os
deputados estaduais que foram cassados José Gerardo (PPB) e Francisco
Caíca (PSD).
As
eleições do ano de 2016, foram as primeiras eleições após o fim do
financiamento empresarial de campanha, e uma das preocupações que foram
colocadas pelo Ministro do STF Dias Toffoli e ex-presidente do TSE -
Tribunal Superior Eleitoral - ainda no ano passado, era o financiamento
do tráfico de drogas para as campanhas eleitorais. Mas essa preocupação
já existiu nas eleições do ano de 2010, não só com o dinheiro do tráfico
de drogas, mas também dos caça niqueis e do bingo.
Em
Julho a revista Istoé publicou uma matéria falando das pretensões
políticas do PCC no estado do Ceará, segundo a revista, o PCC pretendia
financiar a eleição de 10 Prefeitos e 50 Vereadores, só que a Istoé que
se diz basear em uma investigação Policial que aconteceu em Março,
quando foi preso no Ceará o irmão de Marcola, não diz quem são esses
candidatos e nem os partidos políticos. A revista apenas fala que o
irmão de um traficante cearense estava sendo preparado pelo PCC para ser
candidato.
O
Ceará se tornou um estado importante para o PCC, o jornal EL País
publicou uma série de reportagens, mostrando como uma aliança entre o
PCC e o Comando Vermelho do Rio de Janeiro, conseguiu reduzir a
violência no estado Ceará, dando ao tráfico de drogas uma nova forma de
gestão e organização, que impede a concorrência, as disputas entre os
grupos do tráfico de drogas, aumenta os lucros e diminui a necessidade
da violência para vender mais drogas. Os homicídios diminuíram e os
roubos foram proibidos, pois a violência atrai a Polícia e os roubos
dificultam a relação com os moradores dos bairros.
Em
2014 o Partido dos Trabalhadores (PT) expulsou o deputado estadual por
São Paulo, Luiz Moura, por ser acusado em uma investigação de está
lavando dinheiro do PCC. O deputado era sócio de uma cooperativa de
transporte que estaria sendo usada para lavagem de dinheiro do PCC e
teria participado de uma reunião com membros da organização.
Em
Agosto desse ano a Polícia Civil organizou uma operação para prender
lideranças do Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), que seria um
movimento social de fachada, que na verdade servia para lavagem de
dinheiro do PCC. E esse movimento social que se dizia lutar por moradia,
nas eleições presidenciais de 2014 apoiou o candidato do PSDB, Aécio
Neves.
A
relação de políticos do PSDB com o tráfico de drogas precisa ser melhor
investigada, em 2009 a Polícia Militar de São Paulo achou 19 quilos de
cocaína pasta base, e 515 quilos de crack e munição, em uma fazenda
localizada na cidade de Pontalinda, que pertence ao Senador Aloysio
Nunes (PSDB), que na época era Secretário de Estado em São Paulo. Mas
segundo o Delegado, o político do PSDB era vítima, pois os traficantes
escolheram a fazenda dele para esconder as drogas por causa da
localização. Será mesmo? Agora imagine essa mesma quantidade de drogas
na casa de um morador da periferia, você acha que o Delegado chegaria a
essa mesma conclusão?
Segundo
o Ministério Público de São Paulo, um Vereador que foi eleito em
Campinas em 2016 foi financiado pelo PCC, mas a matéria do Estadão não
divulgou nem o nome e nem o partido qual pertence o vereador eleito.
Na
cidade de Embu das Artes em São Paulo, o candidato que venceu as
eleições para Prefeito, Ney Santos do (PRB), já foi investigado em
envolvimento de lavagem de dinheiro do PCC. A Polícia Civil diz que em
2010 o Prefeito eleito utilizou postos de gasolina, ONG e uma empresa
para lavar dinheiro do tráfico de drogas e financiar a sua campanha.
No
Mato Grosso do Sul, o candidato a Vereador pelo PSD, Jovanil Salvaterra
de Carvalho foi preso acusado de participar de uma organização que
movimentava 4 milhões de reais por mês trazendo cocaína da Bolívia.
Nas
eleições de 2012 foi realizada uma operação no Acre, onde foram presas 4
pessoas ligadas à coligação Frente Popular que disputou e venceu as
eleições para prefeitura da capital, Rio Branco. A Frente Popular era
composta por vários partidos políticos
PRB/PT/PTN/PR/PSDC/PSB/PV/PPL/PCdoB. O presidente do PSDC, empresário,
foi preso, o filho do Secretário de Obras no período também.
E
por fim a família Perrella, o Senador Zezé Perrella (PTB) e o seu filho
ex-deputado estadual por Minas Gerais, Gustavo Perrella
(Solidariedade), tiveram o helicóptero apreendido pela Polícia Federal
em 2013 após pousar na sua fazenda carregando 450 kg de cocaína pasta
base. Zezé Perrella se tornou Senador após a morte do ex-presidente
Itamar Franco, e entrou na vaga porque era suplente, o Senador é aliado
de outro Senador mineiro, Aécio Neves (PSDB).
E
mesmo após o helicóptero que pertence à família Perrella ser apreendido
com quase meia tonelada de cocaína pasta base, dentro da fazenda que
também pertence à família, o Delegado da Polícia Federal inocentou os
Perrellas do envolvimento com o tráfico de drogas, porque o piloto
acabou assumindo o caso dizendo que recebeu 106 mil reais para fazer o
transporte do Paraguai até o Brasil. Só que o ex deputado Gustavo
Perrella deu duas versões sobre o caso, primeiro ele disse que sabia do
voo realizado pelo piloto, mas que foi enganado sobre a carga e o
destino. Mas depois em uma entrevista coletiva na Assembleia Legislativa
disse que o helicóptero foi roubado e que iria processar o piloto.
No
fim das contas o helicóptero foi devolvido à família Perrella e a droga
ninguém sabe e ninguém viu, e o Gustavo Perrella foi nomeado para o
cargo de Secretário Nacional de Esportes dentro Ministério do Esporte
após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Igor Kannário e o Tráfico de Drogas nas eleições para Prefeito na Bahia
O
cantor de pagode Igor Kannário, conhecido como "Príncipe do Gueto", foi
eleito Vereador (PHS) e recebeu mais de 13.000 votos, o que levou a
indignação de muita gente nas redes sociais pelo fato dele ter sido
preso uma vez com uma pequena quantidade de maconha, junto com mais dois
músicos da sua banda, levando a especulações de que cantor seria
participante do tráfico de drogas, Igor chegou a assumir em um programa
de televisão que é usuário de maconha.
Mas
para além de Igor Kannário ser um Vereador usuário de maconha, as
eleições para Prefeito daquele ano na Bahia teve a participação do
tráfico de drogas. Todos sabemos que o Narcotráfico está fortíssimo na
Bahia, a cada ano cresce o número de apreensões de drogas, armas e
principalmente da violência no estado, fazendo da Bahia um dos estados
com maior número de homicídio no país.
No
dia 31 de Julho uma operação da Polícia Federal na cidade Ubatã prendeu
o pré-candidato a Vereador pelo Democratas (DEM), Sérgio Andrade em um
carro com 147kg de maconha. O segundo Vereador mais votado da cidade
Ubaitaba, Messias Aguiar (PMDB) foi preso um dia após ser eleito com
300kg de maconha. A Polícia Civil prendeu na cidade Itapatinga, o
Vereador eleito pelo PSDC, Fabrício de Jesus por Tráfico de Drogas, com
ele foi encontrado 27 buchas de maconha e 40 papelotes de Cocaína.
O
governador da Bahia, Rui Costa (PT) deu uma declaração para o jornal
Valor Econômico, de que com a proibição do financiamento empresarial de
campanha para as eleições, o tráfico de drogas entrou para financiar os
partidos e candidatos.
Os
presidentes do PSD, Otto Alencar e do PT na Bahia, Everaldo da
Anunciação, disseram que o tráfico de drogas interferiu em vários
processos eleitorais no interior da Bahia. O Senador Otto Alencar (PSD),
chegou a utilizar a bancada do Senado para denunciar que o candidato do
PMDB na cidade de Simões Filho, Tolentino de Oliveira, conhecido como
Dinha, foi financiado pelo tráfico de drogas e saiu em uma foto ao lado
de um traficante local.
O
Narcotráfico e o poder político estão altamente vinculados em toda a
América Latina, e esse é um dos motivos pelo qual os políticos e os
partidos resistem em discutir a legalização das drogas para acabar com o
tráfico.
Diario do Centro do Mundo
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