Grupo religioso forma colônias isoladas na Amazônia para viver como no Século XVI. Eles enfrentam graves acusações de desmatamento e, mais alarmante ainda, de abusos sexuais sistemáticos contra mulheres e crianças pequenas. Autoridades mais velhas da comunidade fazem de tudo para que as mulheres retirem suas denúncias, buscando proteger os culpados
Imigrantes menonistas, de países como Canadá e Holanda, estão se mudando para o meio da floresta amazônica, no Peru, onde fundaram uma colônia. Menonita é a determinação para um grupo religioso que inspira seus costumes no Século XVI, quando houve a reforma protestante, que também é base de sua fé.
“Há um lugar aqui onde eu queria viver, então viemos e abrimos parte dele”, afirmou Wilhelm Thiessen, um dos fazendeiros menonitas em entrevista ao New York Times. A colônia, que começou com barracas improvisadas, hoje abriga cerca de 150 famílias e conta com uma igreja que também funciona como escola, além de uma fábrica de queijo.
A presença desse grupo na Amazônia tem gerado preocupações entre ambientalistas devido ao desmatamento que acompanha a criação dessas colônias. Desde que os primeiros assentamentos menonitas surgiram na floresta peruana, em 2017, estima-se que eles tenham desmatado quase sete mil hectares de floresta.
Porém, os menonitas afirmam que esse desmatamento é mínimo comparado à vastidão da floresta. “Cada colônia desmata um pouco da floresta, mas é muito pouco”, declarou Peter Dyck, líder da colônia de Providencia. As colônias fundamentalistas, que se espalharam por diversos países da América Latina desde que migraram do Canadá há cerca de um século, buscam manter um estilo de vida agrícola austero e afastado das influências modernas.
Estupros sistemáticos
Além das denúncias de desmatamento, ainda mais alarmantes são as graves acusações de abusos sexuais sistemáticos. Um grupo de homens foi preso em 2009 e posteriormente condenado, em 2019, por estupro e abuso sexual de 151 mulheres e meninas, incluindo crianças pequenas.
Esse caso terrível inspirou o livro “Entre Mulheres”, de Miriam Toews, e adaptado para o cinema em 2022, com o mesmo título, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2023.
O filme denuncia os abusos ocorridos nessas pequenas comunidades cristãs. “Aconteceu novamente. Quando acordamos, sentimos mãos que tinham desaparecido. Os anciãos disseram que eram fantasmas ou Satanás, ou que estávamos mentindo para chamar a atenção, ou mesmo que era um ato de imaginação feminina selvagem. Continuou durante anos. Aconteceu a todas nós”, relata uma das personagens do filme.
Isoladas e presas em uma bolha temporal com dinâmicas arcaicas e patriarcais, essas comunidades menonitas, originárias de países como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Holanda e Suíça, sobrevivem na Bolívia desde 1954. Elas são acusadas de desmatar terras para expandir suas atividades agrícolas, muitas vezes invadindo terras indígenas.
Entre 2005 e 2009, em Manitoba, 151 mulheres foram sedadas e abusadas sexualmente por homens da própria comunidade. Esses criminosos usavam tranquilizantes para gado, que eram pulverizados pelas janelas das casas, para dopar as vítimas enquanto dormiam e então abusar delas.
“Sabemos que são os homens que nos atacam. Não fantasmas, não Satanás, como fomos levadas a crer. Sabemos que não imaginamos os ataques. Que fomos derrubadas para ficar inconscientes com tranquilizante de vaca. Sabemos que estamos feridas, infectadas, grávidas, apavoradas, loucas… e que algumas de nós estão mesmo mortas”, diz uma das mulheres em uma cena do filme.
A investigação sobre os crimes começou quando um dos infratores foi pego em flagrante, o que levou à prisão de outros oito homens. Eles foram julgados e condenados em 2011 a 25 anos de prisão por estuprar e abusar sexualmente de 151 mulheres, incluindo meninas, mulheres adultas e idosas.
“Elas acordaram meio inconscientes, com dor de cabeça e manchas em seus corpos. Elas não tinham ideia de por que não estavam usando roupas íntimas”, revelou Fredy Pérez, promotor do caso, em entrevista à BBC em 2019.
Apesar da condenação, a luta das vítimas continua, pois as autoridades mais velhas da comunidade fazem de tudo para que as mulheres retirem suas denúncias, buscando proteger os culpados.
Miriam Loews, autora de “Women Talking”, título original do livro que inspirou o filme, destaca a indiferença do mundo em relação aos crimes cometidos nessas colônias isoladas, onde o silêncio e a repressão são usados como ferramentas de controle e manutenção da ordem patriarcal.
“O número de incidentes de violência doméstica patriarcal nessas colônias é muito alto e, na maioria das vezes, o mundo é indiferente, o que é apenas o que os anciãos e líderes religiosos desejam. Quando o mundo exterior começa a se interessar por esses crimes, a colônia faz as malas e parte para partes ainda mais remotas do mundo, onde serão deixados sozinhos e livres para se comportar impunemente”, disse a escritora.
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