Cidades têm sede à beira da fonte
Poluição na bacia do Rio Doce obriga municípios ribeirinhos a buscar alternativas de captação
Valadares, o maior deles, está refém da proliferação de cianobactérias que envenenam a água
postado em 10/07/2012 06:00 / atualizado em 10/07/2012 06:36
Por causa da contaminação por algas, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Governador Valadares, maior município da bacia, que capta diretamente do Rio Doce, iniciou estudos para trocar o manancial da cidade. Em outubro do ano passado, a propagação de cianobactérias, que se alimentam da matéria orgânica presente nos dejetos, fez com que as águas chegassem às casas com cheiro e gosto ruins. “Temos em torno de 120 cidades acima de Valadares que jogam o esgoto no Rio Doce. Quando as cianobactérias apareceram, aperfeiçoamos o tratamento, mas, se o problema persistir, vamos ter que captar água em outro manancial. Uma alternativa seria o Rio Suaçuí Pequeno”, afirma o diretor do SAAE, Carlos Henrique Dias de Miranda.
Embora o SAAE garanta que o tipo de alga encontrado não é tóxico e tenha anunciado R$ 16 milhões em investimentos no sistema, até hoje a população, com 263,6 mil habitantes, não engoliu bem a ideia de que a água estava potável. Gerente de uma farmácia em Valadares, Fabrício Garcia conta que estoques de soro e água mineral acabaram. “Deu muita diarreia no período. Muita gente passou mal. A água tinha um gosto e um cheiro muito fortes”, lembra. O colapso no abastecimento não é exclusividade de Governador Valadares, que, a propósito, também lança todo o esgoto que produz, puro, no Rio Doce. As 40 família de São Sebastião das Laranjeiras, distrito de Galileia, a 60 quilômetros, não podem mais usar as águas poluídas do Córrego Boa Vista e ficaram reféns de cisternas.
Piracicaba
O plano diretor de um dos principais afluentes do Doce, o Rio Piracicaba, cuja bacia envolve 21 cidades, aponta que, caso a destruição não tenha freio, em 2015 faltará água para os municípios. Atualmente, o Piracicaba é o que mais contribui para a poluição do Doce. “Mesmo com os produtos químicos, tem ficado mais difícil limpar a água”, afirma o presidente do comitê de bacia, Iusifith Chafith, em frente ao Rio Santa Bárbara, assoreado. O tributário passa pela mina de Brucutu, da Vale, a maior do mundo em capacidade inicial de produção.
A bacia do Piracicaba, que está entre as quatro para as quais o governo do estado vai direcionar, no total, R$ 430 milhões em ações de revitalização, atravessa um dos maiores complexos siderúrgicos e minerários da América Latina, passando por Ipatinga, Itabira e João Monlevade. Dados preliminares de um diagnóstico da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) mostram que quase 70% dos dejetos da população urbana do Piracicaba (estimada em 860 mil habitantes) são despejados in natura nos córregos. O impacto sobre a Bacia do Rio Doce não é somente na qualidade, mas também na quantidade dos recursos hídricos, como alerta o presidente do Instituto Pró-Rio Doce, Paulo Célio de Figueiredo, o Catatau. “Estamos perdendo volume de água, porque nascentes estão secando e o esgoto só aumenta”, diz.
Valdivino, de 10 anos, faz o sinal da cruz e olha para Valter, de 16. É a senha para que os dois saltem da ponte sobre o Rio Santo Antônio, a diversão da meninada. Mais abaixo, Sinhana, com água pelas canelas, deixa a roupa quarar na pedra, enquanto ensaboa outra trouxa. Na sala de casa, Geraldo de Alvarenga, o “Nem Tocador de Sanfona”, prepara a tralha de pesca. “Pescaria é difícil: quando tem encomenda, não tem peixe”, resume, contando que costuma pegar surubim, corvina, piau amarelo e um peixe branco “‘disgramado’ de gostoso”. A vida em Sete Cachoeiras, distrito de Ferros, Região Central de Minas, flui na velocidade do Santo Antônio, afluente ainda preservado do Rio Doce. A tranquilidade do vilarejo só é interrompida quando alguém fala em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). “Isso é palavrão aqui”, comenta Piedade Regiane no mercadinho.
Confira o depoimento de Nem Tocador de Sanfona sobre o Rio Santo Antônio
Constam na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) pelo menos sete processos de licenciamento para PCHs – usinas com produção de até 30 MW e barragem de até três quilômetros quadrados – no curso d’água, todas embargadas pela Justiça, a pedido do Ministério Público (MP) estadual. “Os licenciamentos ambientais estavam sendo conduzidos de forma fragmentada, sem considerar os efeitos cumulativos de uma central hidrelétrica com outra”, afirma o promotor responsável pelo caso, Francisco Generoso. “Em meio ambiente, um mais um não é igual a dois. O Santo Antônio é de altíssima prioridade de conservação. O andirá, por exemplo, é um peixe restrito a esta região do planeta”, afirma Generoso.
A Semad, um dos réus da ação, elaborou depois da intervenção judicial uma avaliação ambiental integrada do Santo Antônio. Enquanto o cenário é de indefinição, o temor do impacto ronda Sete Cachoeiras, cuja história se confunde com a do Rio Santo Antônio. O vilarejo tem cerca de 400 famílias e está num trecho de menos de cinco quilômetros de onde se pretende instalar três PCHs. “Tem gente que vem de longe para o nosso rio. É a maior riqueza que a gente tem. E, com essas barragens, é capaz de atrapalhar nosso lugar”, diz Nem. “O rio é meu ganha-pão. Todo dia venho para cá lavar roupa”, conta Sinhana, nascida Ana das Graças Rosa e Silva, de 59.
Dona do restaurante e da hospedaria do distrito, Ana Nazaré Alves, de 44, engrossa o coro: “Aqui a gente vive com pouco. Se tirarem o rio, o que vamos fazer?” Integrante do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Santo Antônio, Felipe Benício Pedro ressalta que, além das PCHs, a mineração tem exercido forte pressão sobre o curso d’água. “Conceição do Mato Dentro, na parte alta da bacia, está bem ameaçada. Além disso, está prevista a construção de três minerodutos usando a água do Santo Antônio e afluentes. A questão é que este é dos poucos que entregam água limpa ao Rio Doce”, alerta.
Segundo o superintendente de Regularização Ambiental da Semad, Daniel Medeiros de Souza, a avaliação ambiental integrada do Santo Antônio está pronta e, para começar a valer, depende de aprovação nos conselhos regionais do Jequitinhonha e do Leste de Minas. “O principal problema apontado foi em relação aos peixes. Os empreendedores terão que se adequar em relação a isso”, afirma.
Nem Tocador de Sanfona e seu instrumento musical
Degradação
A Bacia do Rio Doce foi a que mais piorou em relação ao Índice de Qualidade das Águas, que reflete a contaminação por esgoto, segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). As amostras com IQA bom caíram de 35% para 17% entre 2010 e 2011. A contaminação por tóxicos e metais pesados também piorou. Índices médio e alto subiram de 3% para 11%.
Resgate
A Agência de Bacia Hidrográfica do Rio Doce começa este ano a receber recursos da cobrança pelo uso da água. A arrecadação prevista é de R$ 47 milhões nos próximos quatro anos, para emprego exclusivo na bacia. Indústrias, mineradoras e concessionárias de abastecimento pagarão R$ 0,018 a cada mil litros de água retirada e R$ 0,10 por quilo de carga orgânica lançada.
Fonte: http://www.em.com.br/
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