Quando eu não tinha consciência política e social, achava que Silvio Santos era amigo dos mais pobres
18 de agosto de 2024, 14:18 h
(Foto: Divulgação)
No último sábado, a televisão brasileira perdeu um dos seus maiores ícones. Silvio Santos, o dono do SBT, morreu aos 93 anos de vida e 60 atuando como apresentador e comunicador popular. Talvez, populista seja o termo mais apropriado, uma vez que, de popular mesmo, ele não tinha tanta coisa. Seu populismo televisivo foi determinante para que a massa, o povão, o enxergasse como um aliado de suas dores, expectativas, anseios e sonhos. Afinal, quem não quer dinheiro? Mesmo que seja arremessado em “aviõezinhos” e disputado a tapa por pessoas carentes de consciência social, que não percebiam o quanto estavam sendo humilhadas naquele gesto de “generosidade” do homem rico.
Durante muito tempo eu estive engrossando o coro dos contentes com o domingo que o homem do baú oferecia ao povo brasileiro. Era dia de missa, macarrão com galinha e Silvio Santos. E quanto tempo eu levei para perceber que apenas o macarrão com galinha fazia parte do meu mundo real. Impossível não reconhecer a revolução que o senhor Abravanel promoveu na televisão do Brasil. Um feito que foi facilitado pelo regime de exceção que se instaurou no país, e que ele apoiou até o último dia de sua vida. Não seria exagero dizer que Silvio Santos foi a voz do regime militar na mídia. A programação de sua emissora foi criada para exaltar o país, sob a inferiorização da maioria do povo que lhe propiciou fazer uma fortuna incalculável.
Como ele mesmo confessou anos depois, ganhou o SBT de presente de seu amigo General João Batista de Oliveira Figueiredo, então presidente da república em 1981, quando o canal iniciou suas atividades. Para manter a concessão de sua TV, Silvio revestiu sua emissora de um ufanismo tão piegas quanto as novelas mexicanas que exibiu durante anos. O “ame-o ou deixe-o” do slogan da ditadura se confundia com a imagem que ele construía como apresentador e manipulador de massas. Como não amar o Brasil? Como não amar Silvio Santos? O homem que colocou o povo na TV, ainda que fosse para ridicularizá-lo e transformar sua tragédia em entretenimento. Como numa edição do programa “O povo na TV”, em 1982, quando um bebê morreu ao vivo durante a atração, enquanto sua mãe implorava por uma vaga nos hospitais públicos do Rio de Janeiro.
Durante os sagrados domingos de entretenimento no SBT, Silvio arrumou um tempo para encaixar “A semana do presidente”, um quadro que falava sobre a agenda política do General Figueiredo e propagandeava os feitos do então governo do ditador brasileiro. Só depois de algum tempo percebi o quanto o entretenimento pode ser um poderoso instrumento de dominação. Com o seu famoso carnê do baú da felicidade, Silvio Santos produziu uma das maiores picaretagens da história dos jogos de azar no Brasil. Ao contrário do criminalizado jogo do bicho, onde o prêmio prometido é pago honestamente e sem contestações, o carnê do baú prometia e não cumpria. E quantas pessoas foram enganadas pela imagem militarizada do apresentador amigo do povo. Um patriota que adorava Orlando, na Flórida, e que, de fato, nunca construiu nada para o povo do seu país.
Um país que só serviu para a construção do seu patrimônio. Um povo que só serviu para reverenciá-lo, e que recebeu em troca o seu alinhamento com políticas golpistas e de destruição dos direitos trabalhistas. Como esquecer as propagandas que o SBT veiculou em apoio a reforma da previdência, em 2017, onde o locutor enfatizava a necessidade de a reforma acontecer, se não o país iria quebrar e o povo deixaria de receber o seu salário? Escrevi sobre isso na minha coluna aqui no Brasil 247 à época, e chamei a atenção para a falta de respeito do dono do baú para com o povo que ele um dia fingiu colocar na TV. Acabava ali o meu namoro na TV com Silvio Santos, ao ver que ele estava ajudando a fechar a porta da esperança para o trabalhador brasileiro. Pelo menos, nesse caso, a consciência pesou e ele mandou retirar as propagandas de circulação. Mas a intenção já havia sido exposta.
A verdade é que do ponto de vista cultural, o legado de Silvio Santos não existe. Até porque, o seu jeito de fazer televisão demonstrava sua falta de apreço pela cultura. Algo que ele mesmo chegou a confessar, ao dizer que o povo não gosta de cultura, mas sim de entretenimento. E isso ele soube fazer muito bem, numa época de ditadura, inflação galopante, salário mínimo indigente, pouco acesso à informação e exclusão das massas do poder de decisão. Não que as massas hoje tenham poder de decidir tanta coisa, mas naquela época a exclusão social era bem maior. Não sei se hoje em dia, com o advento do youtube, das plataformas de streaming, entre outros, o sucesso de Silvio junto às camadas populares seria o mesmo. A crítica não é ao popular introduzido por ele na programação de seu canal. A crítica é à finalidade desse populismo televisivo que produziu riquezas infinitas para ele e sua família, às custas de mentes alienadas e eternamente pobres economicamente.
Me diverti muito assistindo a Silvio Santos, até que o despertar da consciência de classe chegou. Não me culpo, assim como a maioria de seus fãs pobres como eu também não deve se culpar. Afinal, a tendência é que a nossa mente evolua à medida em que acessamos a realidade dos fatos. Somos enganados o tempo inteiro por figuras midiáticas como Silvio, que usam as mazelas do povo para se beneficiarem. O camelô que virou bilionário é um mote que ainda mexe com o imaginário popular, mas nem tanto como antes. Principalmente, quando a realidade, pelo menos para aqueles que não fecham os olhos para ela, não nos mostrou mais exemplos de camelôs que conseguiram chegar onde ele chegou. Às vezes chego a pensar que o Lombardi, a voz misteriosa de um homem que nunca vimos o seu rosto, é o próprio Silvio Santos.
Meus respeitos e minhas condolências aos familiares, amigos e fãs, mas na vida ou na morte, devemos dizer nada além da verdade.
https://www.brasil247.com/blog/silvio-santos-ame-o-ou-deixe-o
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Um picareta idoilatrado pela ingênua população brasileira e pela mídia hegemônica:
Empresário oferece todas as empresas em garantia para levantar 2,5 bilhões de reais e cobrir rombo no banco PanAmericano. Por André Siqueira.
Permanece um mistério o que aconteceu com cerca de 2,5 bilhões de reais do balanço do banco PanAmericano. O rombo foi detectado pelo Banco Central, que substituiu oito diretores da instituição, e coberto pelo empresário Sílvio Santos, dono do banco, com recursos emprestados pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) – espécie de caixa do sistema financeiro nacional para enfrentar eventuais quebras no setor.
De acordo com os dirigentes do FGC, Silvio Santos ofereceu a totalidade de seu império empresarial em garantia pelos recursos do fundo. Entraram no aval a rede SBT, a fabricante de cosméticos Jequiti, a Liderança Capitalização, o Baú da Felicidade e o próprio PanAmericano. “É a primeira vez que um empresário nos procura para oferecer seu patrimônio em garantia”, afirmou o presidente do Conselho de Administração do FGC, Gabriel Jorge Ferreira, acrescentando que o empresário negociou pessoalmente os termos do empréstimo.
De acordo com o executivo, o aporte evitou que o banco entrasse em processo de liquidação. Na prática, porém, ocorreu uma intervenção branca na administração do banco, já que a diretoria do banco será substituída. À frente do novo time de executivos – do qual devem fazer parte nomes indicados pela Caixa Econômica Federal, que em julho fechou a compra de 35,45% de participação no banco – está Celso Antunes da Costa, ex-Banco Real e diretor responsável pela integração da Nossa Caixa ao Banco do Brasil.
A operação consiste na emissão, pela holding controladora do banco, de um lote de 2,5 bilhões de reais em debêntures, a serem compradas pelo FGC. Os papéis têm vencimento em dez anos, com três de carência e juros equivalentes ao IGPM (que se acumulam durante a carência). Até a quitação da dívida, patrimônio de Silvio Santos só poderá ser alienado se o valor da venda for revertido ao fundo credor. Para concretizar o negócio, foi necessário transformar a holding controladora do banco, até então uma empresa limitada, em sociedade anônima (SA), capaz de emitir debêntures.
A operação foi intermediada pelo BC, que procurou o fundo em 11 de outubro para comunicar as irregularidades nos registros contábeis do banco. Ferreira disse não ter informações sobre a origem dos erros no balanço. A versão corrente no mercado é a de que o banco não dava baixa em carteiras de crédito vendidas a concorrentes. Ou seja, a instituição contabilizava a entrada de recursos, mas não tirava do ativo os direitos creditórios.
Com a correção feita pelo BC, o PanAmericano passou a apresentar um desencaixe de cerca de 2,5 bilhões de reais em relação às exigências de capital da autoridade monetária – o valor mínimo que um banco precisa manter em caixa para fazer frente ao tamanho de sua carteira. O valor é mais de duas vezes superior ao valor de mercado da instituição.
Em nota, o banco informou que, após o aporte, passou a contar com um caixa de 3,8 bilhões de reais, “volume que cobre com bastante folga todos os seus compromissos e mantém a solvência e segurança da instituição com tranquilidade”. O comportamento das ações do banco na Bovespa mostra que a explicação não acalmou os ânimos dos investidores. Depois de acumular queda de 15% nas cotações nos últimos dez pregões (6,75% apenas na terça-feira), às 17h12 desta quarta-feira os papéis do PanAmericano registravam perda de 28,66% no dia.
O fato é que o rombo nas contas permaneceu invisível à KPMG e ao banco Fator, que assessoraram a Caixapar (empresa de participações da Caixa) na compra da fatia do PanAmericano. Resistiu também ao crivo da Deloitte, que auditava os resultados financeiros da instituição. E, finalmente, passou ao largo da supervisão da agência de classificação Fitch, que elevou a nota de risco do banco em julho. Só neste ano, o PanAmericano levantou 800 milhões de dólares em recursos no exterior, somando 1,33 bilhão de dólares em títulos negociados internacionalmente.
Enquanto não forem apontados culpados, quem será capaz de garantir que a contabilidade do banco não reserva outras surpresas? Pior ainda, como afirmar que a “expertise” utilizada para maquiar o balanço do PanAmericano não foi copiada por outros bancos de médio porte, que também venderam carteiras a concorrentes maiores desde o ano passado, quando a prática se tornou comum? Quanto mais rápido essas perguntas forem respondidas, melhor para minimizar o estrago na avaliação de outras instituições, que também perdem valor na bolsa, justo no momento em que o crédito cresce e desponta como principal motivo para a rentabilidade do setor bancário.
André Siqueira
André Siqueira é subeditor de Economia de CartaCapital. andresiqueira@cartacapital.com.br
https://radialistasp.org.br/o-golpe-no-ba-de-silvio-santos/
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