Postado em 08 de Março de 2016 por Alessandro Soares
Por Alessandro Soares
Bem distinto dos alvoroços de operações e delações da política atual, no início do Século 20 algumas discussões envolvendo a Presidência da República já foram originados pelo instrumento mais popular da nossa música: o violão. E tendo como protagonista a revolucionária Nair de Teffé (1886-1981). Neste 8 de março, é fundamental relembrar o fato.
Nascida em Petrópolis e criada em Paris, Nair de Tefé von Hoonholtz era pianista, violonista, e uma das primeiras caricaturistas que se tem notícia no mundo. Seus desenhos estamparam veículos como Fon-Fon, O Binóculo, A Careta, O Ken e Gazeta de Notícias,assinados sob o pseudônimo de Rian, que ao mesmo tempo é seu nome escrito de trás para frente e também significa “nada” em francês.
Como destaca a professora Solange Amaral, Nair quebrou paradigmas, popularizando os saraus do Palácio do Catete com música brasileira. Também montando a cavalo, em contraste com as mulheres da época, que andavam a cavalo sentadas de lado. Na verdade,uma série de antigos costumes e estilos foram questionados por ela.
Longe de enfatizar os detalhes da sua incrível biografia, aqui vamos relembrar um famoso episódio, presente nos principais livros de história da música brasileira, provocado por Nair, à época casada com o presidente Marechal Hermes da Fonseca, que governou o país de 1910 a 1914.
Tudo começa quando Catulo da Paixão Cearense, grande poeta e militante da música violão, lamenta para o presidente e sua esposa sobre a ausência de repertório brasileiro nos eventos palacianos. A primeira-dama então decide promover nossa música à altura de sua biografia.
O casamento com o presidente em 1913 marcara o fim da carreira artística. Mas conservou um estilo suficiente para bancar mudanças paradigmáticas na cultura brasileira. E assim o fez. Para a cerimônia do Catete em 26 de outubro de 1914, Nair convidou Catulo e seus colegas violonistas, entre eles Ernani de Figueiredo, que abriu o recital.
Na penúltima peça antes do bis, a primeira-dama interpreta ao violão o corta-jaca Gaúcho, da amiga Chiquinha Gonzaga. É o bastante. Rui Barbosa, que sempre tentou em vão ganhar eleições presidenciais, encontra brecha para alfinetar o rival político Hermes, em final de mandato. Embora adorasse música popular, Rui causou escândalo ao discursar no Senado Federal, em 7 de novembro do mesmo ano, fazendo de conta que desprezava o gênero.
Caricatura de Rui Barbosa, por Nair de Teffé
Rui Barbosa diz: “(...) diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras as mais distintas e dos costumes mais reservados, elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? É a mais baixa, mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã-gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as moças se enrubesçam e que a mocidade se ria!”
A polêmica era inevitável. Mas a história da primeira-dama foi maior. “Nair de Teffé terá sido provavelmente das primeiras brasileiras a tocar o violão publicamente, preconizando um movimento que viria a se concretizar em fins dos anos 1920, quando inúmeras senhoritas da sociedade dedicaram-se à execução e apresentação do violão em recitais públicos”, afirma a musicóloga Marcia Taborda em seu livro Violão e Identidade Nacional. Sobre este movimento de mulheres violonistas, por sinal, o Acervo Digital do Violão em breve vai resgatar alguns nomes, fatos e documentos históricos.
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