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segunda-feira, 10 de abril de 2017

A MATZÁ E A HUMILDADE


Por Daniela Kresch
Jornalista
direto de Israel

TEL AVIV – Para o rabino Zev Slavin, diretor do orfanato modelo Ohr Simcha, em Kfar Chabad, a alguns quilômetros de Tel Aviv, Pessach é um momento de humildade. E a matzá é o símbolo dessa modéstia.
“Uma vez por ano, nós somos quem somos, sem máscaras, sem o ego que nos faz pretensiosos. A matzá é o pão humilde, que não fermentou. E nós, em Pessach, temos que ser nós mesmos, sem pretensões. Temos que aprender humildade”, diz o rabino.
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O rabino Zev Slavin no orfanato Ohr Simcha
(Crédito Daniela Kresch)
Escutei essas palavras do rabino Slavin – ao visitar o orfanato – como se fosse a primeira vez que ouvia falar no pão ázimo que se come na Páscoa judaica, o feriado que simboliza a liberdade, a busca pelo lar e pela união de um povo (e dos povos, em geral).
Tudo fez sentido: a matzá achatada e quadrada (ou redonda, como se faz em Kfar Chabad) é um pão destituído de glamour, de cor, de condimentos, de glúten... É um pão simples, assim como deve ser a alma de quem acaba de deixar a escravidão e recomeça a vida.
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As matzot redondas da fábrica de Kfar Chabad
(Crédito Daniela Kresch)
Mas, depois do orfanato de Kfar Chabad, fui visitar o fábrica de matzot (plural de matzá) da cidade. Lá, vi como dezenas de chabadnikim (muitos voluntários e muitas crianças) frenéticos correm contra o tempo para produzir a aparente simplicidade que é uma matzá.
Para que a matzá passe pelo crivo religioso, ela tem que ser assada em menos de 18 minutos. Se passar disso, a massa do pão ázimo começa a fermentar. A correria na fábrica de matzot de Kfar Chabad é de enlouquecer. No momento em que a massa do pão ázimo entra em contato com a água, há uma corrida contra o tempo para trabalhar a massa, cortá-la e levá-la ao forno.
O corre corre em busca da matzá perfeita, singelamente achatada, que não fermenta nem um pouquinho, me pareceu dicotômico. Por um lado, a matzá é o “pão humilde”, simples, sem egos (fermento). Por outro, no entanto, a matzá tem que ser “perfeita” em sua aparente “simplicidade”. Se passar de 18 minutos, não vale mais.
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O corre corre na fábrida de matzot de Kfar Chabad (Crédito Daniela Kresch)
Esse yin-yang, esse dualismo, me fez pensar no embate dos últimos dias, no Rio, entre membros da comunidade judaica carioca, divididos, segmentados, fraccionados por causa da palestra de um político detestável na Hebraica. Os que convidaram dizem buscar o pluralismo. Os que protestaram dizem renegar o fascismo. O embate interno (que, infelizmente, vazou para fora da comunidade) é tipicamente judaico. Assim como a matzá, que é, ao mesmo tempo, simples e complicada.
Tudo no judaísmo é repleto de nuances. Como é que se diz? “Para cada dois judeus, há três opiniões”. Mas, acima de tudo isso, deveria pairar o espírito de Pessach – o evento mais emblemático da Torá. O espírito da busca pela liberdade e pela união do povo. Quem presta atenção na Hagadá de Pessach percebe como há discussões acaloradas entre sábios, como os quatro filhos pensam tão diferente uns dos outros. Como as pragas do Egito são, ao mesmo tempo, geniais e cruéis. Mas a moral da história é que o povo, unido, não foi vencido.
Estou longe de ser especialista na Torá ou nos sentidos e ensinamentos da Hagadá. Mas pego emprestado o que disse o rabino Slavin, de Kfar Chabad, um pequeno vilarejo de 6 mil pessoas criado em 1949 pelo rabino Yosef Yitzhak Schneersohn, querido por muitos por sua sabedoria, caridade e ajuda humanitária. Pessach deve ser um momento de humildade, de falta de ego e de arrogância. Pessoalmente, eu preferia que o tal político não tivesse entrado na Hebraica. Mas deixo minha posição pessoal de lado na busca por um Pessach de consenso e paz. Chag Sameach.

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