70% do meu corpo é constituído por água, e não considero que a água em mim seja serviço ambiental, produto ou mercadoria de ninguém!
Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*
A Ciência tornou bem conhecidos os três estados da água: sólido, líquido e gasoso. Aqui, refiro-me a outros três estados da água: vida, mercadoria e direitos.
O primeiro e mais importante estado da água é o da vida. A água quando na natureza, nos ecossistemas, nos aquíferos, rios, nascentes, dentro de cada ser vivo, é vida, é fonte de vida, sem ela não existiríamos.
Entretanto, a água é também direito. Todos os seres vivos, humanos e não humanos tem direito à água boa, fundamental para assegurar suas qualidades de vida e a própria existência.
E finalmente, água é também produto, mercadoria, mas só quando está agregada ao valor do trabalho, de um processo que a transforme em água virtual presente em alimentos, na cerveja, na garrafinha de água mineral.
Então, não tem cabimento alguém pretender ser dono de um aquífero, como o Guarani, segundo se sabe a boca pequena de negociações de empresas inescrupulosas com governantes corruptos. Uma empresa pode ser dona da água mineral engarrafada, mas não da água na natureza!
Tamanho do Estado
A questão aqui não é dos três estados da água, mas do tamanho e de qual Estado a sociedade precisa para cuidar bem da água que é vida, direito e mercadoria ao mesmo tempo e dependendo das circunstâncias e do contexto.
É função do Estado zelar para que as políticas públicas atendam às necessidades de todos, ao contrário do Mercado, cujas políticas empresariais visam assegurar o atendimento às necessidades dos que podem pagar por seus produtos e serviços.
Por isso cabem aos Estados estabelecerem políticas públicas e aos mercados aproveitar das oportunidades. Para os mercados é fundamental que os Estados estabeleçam claramente as regras do jogo.
Entretanto, se este Estado for mínimo, dificilmente terá forças para estabelecer boas políticas que atendam às necessidades de todos e os mercados estarão sempre vulneráveis às mudanças nas regras, levando insegurança aos contratos.
Já se o Estado for grande demais, acaba ele próprio se confundindo com o mercado. Pode planificar demais a economia, sufocar as liberdades, burocratizar demais as relações, entregar-se à corrupção.
Então, qual é o tamanho do Estado que queremos para cuidar deste bem precioso, a água?
Controle social
E quais são os mecanismos de controle social que a sociedade deve ter para vigiar o Estado e torná-lo capaz de cuidar bem da natureza em seus três estados: vida, direitos e mercadorias?
No caso da água, criou-se os Comitês de Bacia, paritário, onde governo, usuários, sociedade civil, estão representados, um ótimo primeiro passo, entretanto, são vários os chapéus diferentes numa única cabeça: ao mesmo tempo que os Comitês estabelecem valores para a cobrança da água, também são fiscais dessa cobrança, também arbitram quem irá receber ou não recursos dos fundos para projetos socioambientais, o que merece ou não ser divulgado ao público, entre outros.
Sabemos que a democracia não é um sistema político pronto e acabado e que muito menos é perfeito. É um sistema em permanente construção, que horas avança, horas recua, como agora. Entretanto, alguém já disse, que com todas as suas imperfeições, ainda é melhor que a mais perfeita das ditaduras.
* Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente, escritor, jornalista, ambientalista, fundador da Rede Brasileira de Informação Ambiental e editor da Revista do Meio Ambiente
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