ALTERAÇÃO DO CLIMA (Ver MUDANÇAS CLIMÁTICAS)
- E o que observa quem segue, hoje, pelas estradas do oeste paulista? Depara, de momento em momento, perlongando as linhas férreas, com desmedidas rumas de madeira em achas ou em toros, aglomeradas em volumes consideráveis de centenares de ésteres, progredindo, intervaladas, desde Jundiaí ao extremo de todos os ramais.
São o combustível único das locomotivas. Iludimos a crise financeira e o preço alto do carvão de pedra atacando em cheio a economia da terra, e diluindo cada dia no fumo das caldeiras alguns hectares da nossa flora.
Deste modo — reincidentes no erro — a inconveniência provada das lavouras ultra-extensivas e ao cautério vivo das queimas, aditamos o desnudamento rápido das derribadas em grande escala.
As conseqüências repontam, naturais.
A temperatura altera-se, agravada nesse expandir-se de áreas de insolação cada vez maiores pelo poder absorvente dos nossos terrenos desnudados, cuja ardência se transmite por contato aos ares, e determina dois resultados inevitáveis: a pressão que diminui tendendo para um mínimo capaz de perturbar o curso regular dos ventos, desorientando-os pelos quatro rumos do quadrante, e a umidade relativa que decresce, tornando cada vez mais problemáticas as precipitações aquosas. De sorte que o sueste — regulador essencial do nosso clima — depois de transmontar a Serra do Mar, onde precipita grande cópia de vapores, ao estirar-se pelo planalto, vai encontrando atmosfera mais quente do que dantes, cujo efeito é aumentar-lhe a capacidade higrométrica, diminuindo na mesma relação as probabilidades de chuvas. São fatos positivos, irrefregáveis, e bastam para que se explique a alteração de um clima.
Mas apontemos um outro.
Neste entrelaçamento de fatores climáticos, introduzimos um — artificial e de
todo fora das indagações meteorológicas normais — a queimada.
É transitória, mas engravece os perigos.
De feito, a irradiação noturna contrabate a insolação: a terra devolve aos céus o excesso de calor acumulado; resfria; e o orvalho decorrente ilude de algum modo a carência das chuvas.
Ora, as queimadas impedem esse derivativo único.
As colunas de fumo, rompentes de vários lugares, a um tempo, adensam-se no espaço e interceptam a descarga do solo. Desaparece o sol e o termômetro permanece imóvel ou, de preferência, sobe. A noite sobrevem em fogo: a terra irradia como um sol obscuro, porque se sente uma impressão estranha de faúlhas invisíveis, mas toda a ardência reflui sobre ela recambiada pelo anteparo espesso da fumaça; e mal se respira no bochorno inaturável em que toda a adustão golfada pelas soalheiras e pelos incêndios, se concentra numa hora única da noite.
Traçamos estas linhas numa dessas noites, certo, desconhecidas pelos nossos patrícios de há cem anos.
Então a energia solar, descendo, armazenava-se nos ares, criando o influxo moderador de uma atmosfera benigna, e transformava-se em trabalho no seio das grandes matas, impulsionando a dinâmica maravilhosa das células.
Esse tempo passou.
Hoje, Thomaz Buckle não entenderia as páginas que escreveu sobre uma natureza que acreditou incomparável no estadear uma dissipação de forças, wantonness of power, com esplendor sem par.
Porque o homem, a quem o romântico historiador negou um lugar no meio de tantas grandezas, não as corrige, nem as domina nobremente, nem as encadeia num esforço consciente e sério.
Extingue-as.
- EUCLIDES DA CUNHA - Contrastes e confrontos
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