Kate Brady
16/12/202216 de dezembro de 2022
Uma magistrada de Berlim estava entre os presos em operação contra conspiração para derrubar o governo. Ela não é a única extremista no Judiciário alemão.
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Uma juíza está entre os 25 suspeitos presos na semana passada por planejarem derrubar o governo da Alemanha em um golpe de extrema direita. Birgit Malsack-Winkemann, ex-deputada federal pelo partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), supostamente estava designada para ser ministra da Justiça em um novo governo pós-golpe.
Durante seu tempo como parlamentar, ela se pronunciou contra a imigração e rotulou os refugiados como "migrantes importadores de doenças" em seus discursos no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão. Ainda assim, após não ter sido reeleita em 2021, Malsack-Winkemann pôde retornar ao seu trabalho como juíza civil na câmara responsável por assuntos de construção civil em Berlim.
A secretária de Justiça da cidade de Berlim, Lena Kreck (do partido A Esquerda), quis forçá-la a se aposentar por causa de suas declarações misóginas sobre refugiados.
A juíza Birgit Malsack-Winkemann foi deputada do partido de ultradireita AfDFoto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Mas o Tribunal Administrativo Superior decidiu a favor da juíza e avaliou que, embora algumas de suas declarações feitas no Bundestag possam ter sido extremas e incendiárias, o que ela disse em suas redes sociais não demonstra "em quantidade ou qualidade" que a ex-deputada de 58 anos teria um viés político que a tornaria incapaz de trabalhar no Judiciário.
"Não é tão fácil sujeitar um juiz a medidas disciplinares ou mesmo removê-lo do cargo. O objetivo é assegurar que o governo ou a política, em geral, não influencie o Judiciário", disse à DW a professora de Direito Marion Albers, da Universidade de Hamburgo.
Os discursos no Parlamento são protegidos pelo artigo 46 da Constituição alemã, que estabelece que eles não podem ser usados como prova em tribunal para processar um legislador. A única exceção são insultos pessoais difamatórios.
Ponta do iceberg
Mas essa juíza não é o primeiro membro do Judiciário alemão cujas inclinações de extrema direita parecem colidir com seu trabalho. Thomas Seitz, um legislador da AfD e porta-voz parlamentar de seu partido para assuntos jurídicos, é um ex-procurador do estado de Baden-Württemberg.
Em sua conta no Facebook, ele havia publicado declarações racistas, em resposta às quais seu estado de origem o demitiu do serviço judiciário, argumentando que suas declarações davam motivos para duvidar de sua lealdade à Constituição. Um tribunal acolheu o raciocínio do Ministério da Justiça, de que os termos e imagens que Seitz havia utilizado violavam o dever de moderação política, neutralidade, imparcialidade e lealdade à Constituição, obrigatório para os funcionários públicos.
O parlamentar da AfD e ex-procurador Thomas Seitz publicou declarações racistas em suas contas em redes sociaisFoto: Carsten Koall/dpa/picture alliance
No início de dezembro, Jens Maier, um juiz do estado da Saxônia que aderiu à AfD em 2013 e pertence à ala de extrema direita do partido, foi mandado para a aposentadoria antecipada. Assim como Malsack-Winkemann, ele também foi deputado no Bundestag entre 2017 e 2021 e queria voltar a trabalhar como juiz depois de perder seu mandato.
A decisão de fazer valer sua aposentadoria antecipada se baseou em uma série de discursos que ele havia proferido em comícios antes de se tornar deputado, bem como a posts em redes sociais que lançaram dúvidas sobre sua neutralidade.
Ele chamou a memória da Alemanha sobre o Holocausto e a ditadura nazista de "culto à culpa" e expressou apreço pelas políticas do partido nazista. No Twitter, ele escreveu que se os arguidos temiam "juízes da AfD", então "nós fizemos tudo certo". A inteligência doméstica da Saxônia mantém Maier em uma lista de extremistas.
Várias profissões atingidas
A liberdade de expressão e a liberdade de opinião estão consagradas na Constituição alemã do pós-guerra, chamada Lei Fundamental. Assim como qualquer outro cidadão, os juízes têm direito a liberdade de opinião, podem ser membros de um partido, podem fazer declarações políticas publicamente − desde que elas não sugiram que a pessoa não subscreve os valores e crenças básicas consagrados na Constituição.
Os juízes não devem deixar que suas crenças políticas interfiram em seu trabalho. Um magistrado deve aplicar a lei sem preconceitos e não pode permitir que suas convicções políticas o levem a distorcer a lei.
"Do meu ponto de vista, casos como os de Birgit Malsack-Winkemann e Jens Maier são apenas a ponta do iceberg", disse à DW o especialista em Justiça Andreas Fischer-Lescano, da Universidade de Kassel. "O problema dos extremistas de direita no serviço público não atinge apenas a polícia e os militares, mas afeta todas as áreas do serviço público, incluindo professores e juízes".
O ex-juiz Jens Maier foi aposentado compulsoriamente e é considerado um extremista de direita em seu estado, a SaxôniaFoto: Sebastian Kahnert/dpa/picture alliance
Devido ao sistema federalista da Alemanha, os procedimentos para contratação, verificação e demissão de membros do Judiciário variam de estado para estado. Desde 2016, por exemplo, a Baviera tem verificando os candidatos para o Judiciário.
O estado de Brandemburgo agora também quer verificar todos os candidatos a todos os cargos do serviço público, incluindo professores ou juízes, para ver se eles participaram de protestos anticonstitucionais, se exibiram símbolos anticonstitucionais ou incitaram ao ódio, ou cometeram atos violentos contra autoridades.
Triagem de funcionários públicos
Mas retornar a uma triagem mais rigorosa não é o caminho a seguir, diz Fischer-Lescano. Em 1950, o governo do primeiro chanceler federal da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, emitiu um decreto ordenando que os opositores da "ordem básica liberal democrática" fossem demitidos do serviço público.
O chamado Decreto Adenauer foi dirigido principalmente contra as organizações de esquerda e comunistas e refletia as purgas anticomunistas radicais da era McCarthy nos Estados Unidos.
Em 1972, na época do movimento terrorista de extrema esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF, do alemão) na Alemanha, o governo de Willy Brandt introduziu o Radikalenerlass (decreto antirradical), que apurava a lealdade à Constituição por parte de servidores e candidatos ao serviço público.
Cerca de 3,5 milhões de servidores e requerentes foram checados até a abolição do decreto, nos anos 1980, por ser excessivo e desproporcional. Cerca de 1.250 professores, funcionários dos correios ou maquinistas de trem não foram contratados e 260 foram demitidos. A maioria deles por ativismo de extrema esquerda.
Nos anos 1960, estudantes protestam contra ex-integrantes do partido nazista nas universidades e no JudiciárioFoto: dpa/picture alliance
"Todos que entraram no serviço público estavam sob suspeita geral de extremismo, seja de esquerda ou de direita", lembra Fischer-Lescano. Ele rejeita sugestões de novas varreduras detalhadas ou de restrições à liberdade de expressão. "O que precisamos, em vez disso, é de melhores meios para aplicar a lei em defesa da democracia", diz.
A ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, propôs a simplificação do procedimento para remover um juiz do cargo. Fischer-Lescano concorda: "Isto não significaria abolir o recurso legal, apenas acelerar o processo".
Histórico de conexões problemáticas
A professora Albers também vê outro problema na seleção de candidatos para o serviço público: "Muitas vezes pode haver um longo intervalo entre o momento desde que as pessoas são contratadas até surgirem problemas".
"Normalmente, as pessoas são contratadas na casa dos 30 anos de idade. Mas, no caso de Maier e Malsack-Winkemann, eles tinham chegado aos 50 e 60 anos quando se revelaram radicais de direita. Portanto, se eles se radicalizam enquanto ocupam cargos, você tem que se perguntar: São realmente os critérios de recrutamento que precisam ser mudados"?
O Judiciário alemão tem um histórico de conexões problemáticas com a extrema direita. Ex-membros de alto escalão do partido nazista ainda ocupavam cargos de poder no Judiciário da Alemanha Ocidental do pós-guerra.
Um relatório governamental divulgado em 2016 revelou que mais da metade das lideranças no Ministério da Justiça da Alemanha Ocidental havia sido membro do NSDAP, o partido de Hitler, incluindo dezenas de ex-membros da Tropa de Assalto nazista (SA).
Agora, mais de sete décadas desde a fundação da Alemanha Ocidental, as batidas contra extremistas de direita, suspeitos de conspirar para derrubar o governo alemão, voltam a suscitar perguntas sobre extremistas de direita no sistema judiciário da Alemanha moderna.
Fonte: DW
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