– Por Normando Rodrigues
O vandalismo brasiliense da noite de 12 de dezembro se explica por um rastro de omissões criminosas que começa na Alemanha de 1918 e chega à Santa Catarina de hoje
Créditos: Reprodução/ redes sociais
Escrito en OPINIÃO el 13/12/2022 · 22:22 hs
As semelhanças entre as vertentes fascistas brasileira e alemã dizem sobre Bolsonaro e seu fiel rebanho aquilo que não gostariam de admitir: só existem por tolerância ao intolerável e têm lugar adequado na cadeia.
Três décadas depois da cirista fuga dos Orléans e Bragança rumo a Paris, a monarquia alemã desabou, derrotada na Grande Guerra. Sucederam-se 14 anos de República de Weimar, marcados por incrível leniência para com assassinatos de políticos da esquerda, perpetrados sob a cumplicidade ativa ou passiva da polícia e do exército. A consequência dessa atuação facínora foram 12 anos de ditadura fascista e mais 4 anos de ocupação estrangeira, até ser fundada a República Federal Alemã, em 1949.
Passados menos de dez anos, a corte constitucional da RFA julgou o caso Lüth e ensinou ao mundo que os valores democráticos informam todas as demais relações jurídicas, incluídas as de cunho eminentemente privado. Foi o sinal de um aprendizado: a Alemanha não voltaria a tolerar o banditismo fascista.
Desde então, aquele tribunal reiterou em diversos julgados que a “liberdade de expressão” não autoriza o discurso de ódio e a pregação de um golpe de estado. No mais recente, em julho de 2020, restou condenado o partido “A Direita” (Die Rechte - DR).
Os fascistas alemães não se limitam ao DR e aos amiguinhos de Bolsonaro na “Alternativa para a Alemanha” (AfD). Agem também vários grupos terroristas e neonazistas, como o movimento “Reichsbürger”, os “Cidadãos do Reich”, que negam a existência da RFA e consideram todos os alemães súditos do “2° Reich”, o império alemão de 1871-1918.
Bons fascistas, todas essas correntes ostentam orgulhoso déficit cognitivo. Mas talvez apenas os Reichsbürger sejam comparáveis, no quesito “delírio”, aos aliados que aconselham Bolsonaro a guaidonianamente se autoproclamar presidente em 1° de janeiro.
Habitantes de uma realidade paralela, os RBs - cujos membros estimam-se em 23 mil - montam milícias armadas que não reconhecem carteiras de identidade e de motorista, nem placas de veículos emitidas pela RFA, e cobram “tributos” dos moradores por versões falsificadas desses documentos, no melhor estilo dos milicianos bolsonaristas da Zona Oeste do Rio.
Uma vez que o culto sexualizado aos canos de armas e a matança “esportiva” são características das manifestações fascistas, os RBs coerentemente se organizaram a partir do antigo pavilhão de caça de um dos herdeiros da família real de Reuss, na Turíngia, o “Coração Verde” da Alemanha. Ali, começaram em 2021 a tramar um golpe de estado para retroceder o país, assim como Bolsonaro fez com o Brasil.
Os RBs padecem da mesma “potentecite” vista nas portas (e dentro) de quartéis brasileiros, doença que faz o indivíduo fascista achar que pode fazer de seres humanos o objeto de seus traumas sexuais e violência. Na Alemanha, o vírus da potentecite cresceu ao ponto da conspiração porque os RBs e seus parceiros neonazistas insuflaram e surfaram na onda antivacina, chegando a planejar o sequestro do ministro da saúde da RFA, o qual desde o início da pandemia impôs medidas restritivas à propagação do vírus da Covid-19, diferentemente dos açougueiros brasileiros a serviço de Bolsonaro.
O rapto foi impedido pela polícia alemã, não ideologizada por fascistas. No entanto, a questão das vacinas desnuda outro traço comum às lideranças fascistas germânicas e brazucas: a hipocrisia. Cá, Bolsonaro se vacinou contra a Covid e manteve sigilo. Lá, o líder dos RBs e herdeiro da casa de Reuss, utilizava máscara antiviral ao ser preso, no último 7 de dezembro.
Em ambos os casos, contraditoriamente à prática pessoal, esses boiadeiros animavam seus rebanhos contra a imunização, as máscaras e o distanciamento social, visando o mesmo objetivo final: garantir a homogeneidade e fidelidade do gado.
A operação policial que desbaratou os golpistas do RB incluiu buscas e apreensões em cerca de 250 imóveis, em 11 dos 16 estados alemães, e ainda na Áustria e na Itália, recolhendo-se grande quantidade de fuzis e munições, a maioria desviada das próprias forças de segurança e de clubes de caçadores.
Além do príncipe golpista (Putsch Prinz, na imprensa alemã), mais 24 conspiradores caíram presos, dentre eles três coronéis das forças de segurança, sendo um da ativa, e um ex-chefe de polícia que já havia sido demitido por discursos fascistas. Um dos militares da reserva preso é ex-paraquedista, como Bolsonaro, morou no Vale do Itajaí e tem empresas abertas em Pomerode e Blumenau, Santa Catarina.
Reconheçamos, Santa Catarina é um estado cheio de “particularismos”. Não porque lá Bolsonaro ganhou as eleições. Isso também se deu em Rondônia, Acre e Roraima, em percentuais maiores do que em SC e outros estados. Há, entretanto, uma triste sucessão de eventos a indicar que a terra da República Juliana seria fértil para o fascismo, por conta da mesma leniência verificada na República de Weimar.
O ano de 2022 iniciou com o caso de um turista negro, de Presidente Prudente (SP), que adormeceu em assentos próximos à orla de Florianópolis, aguardando o ônibus de retorno, e que acordou em chamas, ainda a tempo de ouvir as risadas dos fascistas que o tentaram assar. Embora extremo, esse episódio sem punição anunciou o que se viu no resto do ano, sobretudo nos três últimos meses.
No outubro de SC, na cidadezinha de Palma Sola, o empresário Crestani prometeu 1 milhão de reais a quem “provasse” a inocência de Lula, em reverberação imbecil da máxima fascista e anti-iluminista segundo a qual todos são culpados até que provem a inocência. Reprimenda? Nenhuma.
Em outubro, ainda, surgiram cartas e pixações anônimas (fascistas são, antes de tudo, covardes) em prol do nazismo, na UFSC. E é de SC o breguíssimo parque “Beto Carrero”, que responde por crime eleitoral cometido ao prometer descontos a petistas que se abstivessem de votar em 30 de outubro. Não se viu responsabilização, em qualquer desses casos.
Em 2 de novembro, uma multidão bolsonarista coreografou a saudação nazista (na verdade saudação romana, revivida por fascistas italianos e copiada por alemães) em São Miguel do Oeste. Sem a mínima decorrência negativa para os envolvidos.
No dia seguinte, noticiava-se o caso de um professor de história da rede estadual que, em meio a outros opróbios, anuncia que “Hitler foi melhor que Jesus”, que "sempre quis ser nazista" e que “eu é que queria ser o cara responsável por expelir o gás", frase última que deve agradar bastante à Federação Israelita do Rio de Janeiro, apoiadora de Bolsonaro. E o professor não foi sequer afastado temporariamente.
Em 14 de novembro a polícia estourou um encontro de neonazistas, num sítio em São Pedro de Alcântara, e prendeu em flagrante oito criminosos, todavia sem novas notícias que indiquem o encarceramento desses “arianos”.
Cinco dias após, um motorista de frete parado num ilegal bloqueio rodoviário acobertado pela PRF, filmou e denunciou a estrutura e apoio com que os fascistas contavam. À noite, fascistas sequestraram o mesmo homem, em casa, e o obrigaram a gravar vídeo elogiando a bandidagem. E o juiz catarinense Marcelo Tambosi, dono de clube de tiro e empresário importador de armas, negou os pedidos da Polícia Civil e do Ministério Público para prender preventivamente os sequestradores. Nenhuma repercussão para os raptores ou para o magistrado protetor.
No início de dezembro, um shopping de Joinville passou a ser moralmente linchado nas redes, por conta de um vídeo em que o Papai Noel chegava ao estabelecimento e curtia um jogo da Copa. Tudo porque o líder poltrão e choroso do gado fascista teria insinuado que torcer pelo Brasil seria um ato de traição à sagrada luta pera transformar o país num grande Auschwitz. Os agressores, claro, permanecem impunes.
A lista poderia compreender muitos outros incidentes. Porém, porque impossível separar fascismo e misoginia, temos a coda no espetáculo cristão do vereador de Florianópolis Marquinhos Silva (PSC), o qual, bom pai de família e bolsonarista, agarrou e beijou à força a vereadora Carla Ayres (PT), em plena sessão da câmara municipal, em 7 de dezembro. O edil continuará seu triste mandato, sem qualquer receio.
Curiosamente, há um caso na mitologia católica que faz lembrar o arroubo do proto-estuprador bolsonarista. Trata-se de um ataque de machismo predador no qual foi protagonista o imperador romano Maximino Daia, no início do século IV.
Reza a lenda que o imperador perdeu-se em desejos por uma linda jovem de 17 anos, e se divorciou para casar com a cobiçada. Para azar do “Bolsonaro” da época, a menina era culta e versada em filosofia e teologia a ponto de se sustentar em debates ante os melhores intelectuais de então. E como mulher inteligente e livre, a única coisa que ela nutria pelo imperador era asco.
Rejeitado, Maximino Daia ordenou o suplício e morte da adolescente, conhecida por Catarina de Alexandria. Tornada santa da igreja apostólica romana, é essa a personagem que dá nome ao estado de Santa Catarina.
Protetora de carpinteiros e torneiros mecânicos, Santa Catarina é também uma das padroeiras dos estudantes. E será com o conhecimento, e não com o ódio, que o estado de Santa Catarina dará a volta por cima e colocará os fascistas em seu devido lugar, junto aos arruaceiros de Brasília. Na cadeia!
Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2022/12/13/heil-hitler-catarina-por-normando-rodrigues-128643.html
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