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sábado, 31 de dezembro de 2022

Políticos, na visão de um autor da década de 1920

  - Esses políticos são umas pestes. Quem viu um viu todos.

Então, depois da República, tem sido um Deus nos acuda.

— Eu sei é que eles entram pobres e saem ricos. Quando querem apanhar os votos, inventam umas lábias e são só mesuras e promessas. Mas, quando se pegam de cima, dão-nos um adeus de mão fechada.

E olhe que era a mesma coisa no tempo da monarquia; andavam os praieiros e guabirús a se perseguir vergonhosamente; descobriam-se maroteiras, prendia-se gente, demitiam-se os empregados.

Era finalmente uma pouca Vergonha. Eu nunca me intrometi nessas cousas. Quando chega o tempo das eleições, se não estou muito ocupado, lá chego. Recebo a minha chapa, meto-a na urna e vou saindo.

— Pois é por isso mesmo seu Zuza, que essa corja triunfa. Eles não seriam nada sem o voto do povo; o povo é que tem a culpa do descalabro. Custa muito pouco a um homem sério reunir dez companheiros, esses dez reúnem cem e os cem reúnem mil, já se vê que todos orientados pela mesma ideia; e consegue-se desta forma eleger uma pessoa de confiança, que diga as verdades, alto e bom som, sem andar com panos quentes, chaleirando o governo.

— Ah! Ah! Ah! — gargalhou escarninhamente o sertanejo — um homem sério abandalha-se no meio deles; fica pior do que os outros.

E esse negócio de eleição é uma conversa. O governo fornece os livros e os empregados arranjam o resto. Só sai eleito quem eles querem. Você não se lembra d'aquele doutor engenheiro?

— O Lessa,, aquele dos óculos, que entrava no gole e era doido pela orelha da sota?

— Não, qual Lessa ! aquilo é um traste!... Aquele doutor barbado, da estrada de ferro, que andava com um óculo em cima de três paus, espiando os caminhos ?... (*)

— Sim, o Meireles, aquele que se mudou para o Recife...

— É isso mesmo. Pois o Meireles, que era muito benquisto, um moço sério muito prestável, amigo de todo mundo, de boa família e rico teve a cidade em peso nas eleições de intendente; e saiu eleito, sem se saber como, o Chico Eufrosino, um desordeiro conhecido, que vivia sem trabalhar.

Ora, diante disso, um homem desanima e o melhor é ficar no seu canto, criando bodes e plantando maniva, para pagar os impostos e não morrer de fome, sem se importar que tudo leve o diabo.

— Não, um homem de bem pode fazer muito, tenha paciência, seu Zuza!...

— Bentoca, noutros tempos, essa história de "homem de bem" regulava, mas hoje em dia, quando se trata de um deles, eu fico logo de pé atrás. Um homem de bem não se inculca, vive arredio e ninguém se importa com ele, porque cá na minha cachola só se recomenda o que não presta.

O ouro de lei não precisa de se limpar e o latão você esfrega com cinza e d'aí a pouco marea. Um homem de bem não pôde ter muitos amigos porque não se mancomuna para safadezas e fica suspeito à maioria como um estranho, que é.

Em vista disso, será sempre um João-ninguém, sem ser ouvido nem cheirado para coisa nenhuma desta vida. — Infelizmente assim é... — concordou o trapaceiro, inteiramente desanimado para propor ao velho o seu infame negócio. 

Diálogo de autoria de  CARLOS DIAS FERNANDES, na obra Os cangaceiros.

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