Outra pergunta que não se pode evitar: o Sindicato que congrega os empresários da Construção Civil tem culpa pela corrupção?
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Como condomínio irregular foi erguido em Florianópolis mediante propina e chantagem
Documentos detalham como obra deixou de ser fiscalizada e passou a ser objeto de propina em Florianópolis
FELIPE BOTTAMEDI, FLORIANÓPOLIS29/09/2023 ÀS 04H30
Um condomínio construído a cerca de 500 metros dos limites do Mona Peri (Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri) e parcialmente localizado em área de preservação é uma das supostas obras irregulares erguidas em Florianópolis mediante pagamento de propina a servidores municipais comissionados e um efetivo.
A obra foi o pivô para a prisão do ex-chefe de fiscalização da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente), Felipe Pereira, no último dia 15. Ele foi flagrado em um vídeo revelado pelo ND+ cobrando R$ 90 mil do construtor para avalizar a construção do condomínio.
De baixo pra cima: imagens mostra evolução da obra. Os registros são de agosto/2022, janeiro/2023 e abril/2023, respectivamente – Foto: Google Earth/Divulgação/ND
Os detalhes da obra pivô de escândalo em Florianópolis
Documentos da investigação obtidos pelo ND+ reconstroem a mudança sofrida nos últimos dois anos no trecho da rua localizada no Ribeirão da Ilha, onde a obra foi erguida: mesmo após fiscalizações da Floram terem multado o empreendimento, as obras teriam persistido devido ao pagamento de propina pelo construtor, aponta o processo.
Formado por um conjunto de casas, o condomínio de cerca de 100 m² fica no fim da Servidão Severino Firmino Martins, no Sul da Ilha de Santa Catarina. O terreno foi adquirido pelo empresário investigado em 2019 e as obras começaram dois anos depois, em 2021. Antes não haviam edificações no local, segundo o que mostram imagens aéreas do histórico do Google Earth.
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Além disso, um curso d’água corria no meio terreno, tornando parte do terreno em área de preservação. Sem licença prévia, o leito foi aterrado. Outra mudança drástica: houve o corte de árvores em uma área de 720m², conforme apontado pela Floram e pela Polícia Civil.
Mesmo após uma primeira autuação, em meados de 2021, pela Floram, técnicos do órgão ambiental se depararam com o condomínio ganhando corpo: em fevereiro de 2022, a segunda casa era erguida a cerca de 2m de um curso d’água (perímetro protegido por lei) e outras três residências recebiam suas estruturas de fundação. Cabe destacar que esses últimos imóveis citados não estavam em área protegida.
“No meio do terreno foi aberta mais uma via, com cerca de 120m de comprimento e 6m de largura, a qual seguia em direção ao morro e havia vários troncos de árvores cortadas e vegetação suprimida, além de aterramento da área”, anota o documento de fiscalização de 17 de fevereiro de 2022. Para remover a vegetação de Mata Atlântica é necessária permissão prévia dos órgãos ambientais.
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O ND+ teve acesso ao vídeo do momento em que Felipe recebe a propina. O servidor afirma que o valor acertado seria de R$ 90 mil se o pagamento fosse realizado à vista, ou R$ 110 mil em caso de parcelamento – Vídeo: Divulgação/ND
Diretor teria substituído fiscalizações por chantagem
A investigação da Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais) destaca indícios de que, a partir de fevereiro de 2022, Felipe Pereira passou a cobrar e a receber propina para deixar de ordenar a fiscalização na região. A obra foi finalizada e hoje conta com casas cercadas por muro de concreto.
A reunião com os servidores investigados ocorria inicialmente na sede da SDMU (Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano) – além de Pereira, outros cinco funcionários que ocupavam cargos comissionados são investigados por participação. As reuniões aconteciam a portas fechadas e os celulares dos participantes do encontro eram guardados em uma antessala.
Para cada imóvel erguido sem licença, o valor acordado foi de R$ 30 mil (à vista) ou R$ 35 mil (parcelado). Somando-se as três residências erguidas, é que se chegou ao valor de R$ 90 mil ou R$ 110 mil cobrados por Pereira no vídeo. Nas imagens, Pereira leva cerca de R$ 50 mil.
Tal como os outros construtores que denunciaram o grupo, o empresário deste condomínio afirma que as propinas eram cobradas quando as obras estavam em estado avançado.
Com essa estratégia, a intenção dos servidores era transformar o prejuízo da demolição “muito maior” para o proprietário da obra do que se submeter ao pagamento da propina.
O inquérito policial que apura as circunstâncias do crime detalha que outros empresários foram atingidos pelo esquema. Os investigados supostamente recebiam propina tanto para fornecer avais para construções irregulares quanto para as regulares. Segundo a Polícia Civil, os servidores faturavam pelo menos R$ 2 milhões por mês.
O que dizem os citados
A reportagem procurou a Floram na tarde desta quinta-feira (28), mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem. Desde o último dia 16 está em andamento um processo administrativo no âmbito da prefeitura de Florianópolis para apurar as responsabilidades de dois servidores, entre eles está Felipe Pereira.
Em dezembro do ano passado, a prefeitura estabeleceu um convênio com a Polícia Civil para criar um núcleo anticorrupção dentro de sua estrutura administrativa. Em janeiro de 2023, como parte de uma reforma administrativa, Topázio separou as equipes de fiscalização dos órgãos de licenciamento, visando aprimorar os mecanismos de prevenção contra atos de corrupção.
O prefeito enfatizou sua crença na integridade da maioria dos servidores municipais e sua determinação em demitir todos os que prejudicam a reputação dos serviços de Florianópolis.
A reportagem contatou o advogado de defesa de Felipe Pereira, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
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