Holly Young
Publicado 03/09/2020
Com idades de 11 a 24 anos, grupo processa 32 países e pede a Tribunal Europeu de Direitos Humanos que os responsabilize por não reduzirem emissões que causam o aquecimento global.
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Autores do processo tinham entre oito e 21 anos em 2020, quando deram entrada na ação
Foto: Global Legal Action Network
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, começa a julgar nesta quarta-feira (27/09) um caso que está sendo chamado de um processo climático sem precedentes. Seis jovens de Portugal tentam responsabilizar os governos de 32 países europeus por não agirem para conter as mudanças climáticas.
Apoiados pela ONG Global Legal Action Network (Glan), os jovens acusam esses países, entre eles, a Alemanha, Reino Unido, Rússia e Portugal, de terem falhado em colocar em prática o corte de emissões necessário para proteger seu futuro. O caso se concentra em nações que, segundo os advogados, possuem políticas insuficientes para restringir o aumento da temperatura média global a 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais, como prevê o Acordo de Paris.
Os jovens que lideram a denúncia têm entre 11 e 24 anos e vivem em Lisboa e Leiria. Eles argumentam que as mudanças climáticas representam uma ameaça crescente a sua vida e ao bem-estar físico e mental. Além de alegar discriminação, o caso invoca argumentos de direitos humanos, como o direito à vida, a um lar e à família.
"Nossa geração vive numa época de grandes ameaças e incertezas, por isso nossa voz precisa ser ouvida", afirmou André Oliveira à DW em 2020, quando a ação foi apresentada ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Hoje, ele tem 15 anos.
"É claro que os jovens não são os únicos vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Mas porque eles enfrentarão os piores impactos, dizemos que os efeitos de uma abordagem inadequada em relação às emissões de gases do efeito estufa equivalem à discriminação ilegal em razão de idade", explicou o assessor jurídico da Glan, Gerry Liston, em 2020.
Segundo André, o processo visa que os 32 países denunciados tenham a oportunidade de agir melhor e mais rapidamente neste quesito. "É uma questão de direitos humanos e por isso estamos indo até Estrasburgo", explica.
Processo inédito em Estrasburgo
Embora haja vários processos recentes e em andamento sobre o clima, alguns inclusive movidos por jovens, trata-se da primeira ação desse tipo apresentada em Estrasburgo. Criado em 1959, o Tribunal Internacional julga casos de violações de direitos civis e políticos previstos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
A necessidade urgente de uma ação significativa e ampla dos grandes emissores globais garante o processo junto ao tribunal europeu, e por isso não se optou por levá-lo a cortes nacionais, como é mais comum em outros casos, explica Liston.
André Oliveira e a irmã Sofia, em 2020, também são autores da ação
Foto: Nuno Gaspar Oliveira
De acordo com a Glan, se o processo for bem-sucedido, além de intensificar seus cortes de emissões, os 32 países acusados estariam também legalmente obrigados a se ocupar das contribuições estrangeiras para as mudanças climáticas, incluindo as de empresas multinacionais.
As crianças e jovens portugueses autores da denúncia pertencem a três famílias e decidiram agir depois de ouvirem sobre o trabalho climático da Glan e perceberem que as mudanças climáticas haviam batido às suas portas. Os incêndios florestais de 2017 foram um divisor de águas para vários deles.
"Vivi diretamente o horror dos incêndios", contou Catarina Mota, que mora em Leiria, uma das regiões mais atingidas na época. O aumento do nível do mar, a constante ameaça de incêndios florestais e temperaturas cada vez mais alteradas fazem parte agora de sua realidade cotidiana.
"Essas mudanças me deixam apreensiva", disse acrescentando que por vezes tem dificuldade de respirar ou dormir por causa do calor. "O desejo de um mundo onde se possa pelo menos sobreviver me motivou a participar deste processo. Isso não vai acontecer se nossos governos não fizerem nada", afirmou Mota, que hoje tem 23 anos.
A ação climática, como neste caso, é necessária "para um futuro e vida saudável sem medo", reivindicou Claudia Agostinho, de 24 anos, outra autora do processo. "Nossa geração e gerações futuras merecem isso".
Movimento global
O caso de Estrasburgo faz parte de uma onda global de processos judiciais climáticos. Embora haja casos semelhantes em curso em muitos países – entre eles, Coreia do Sul, Peru e Canadá –, o exemplo recente mais emblemático foi o liderado por jovens no estado americano de Montana. No julgamento histórico de agosto, os juízes consideram inconstitucional a Lei de Política Ambiental do estado por ela ignorar os impactos climáticos de projetos de combustíveis fósseis. A decisão estabeleceu um precedente importante para casos similares nos Estados Unidos.
O julgamento se seguiu a outro caso bem-sucedido de 2021 iniciado por jovens contra o governo alemão e a lei de proteção climática do país. Na decisão da ação, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha ordenou que Berlim atualizasse as metas de redução de emissões para 2030.
"Acho que um caso inspira o outro", avalia Caroline Schroeder, da ONG Germanwatch, que apoiou a queixa dos nove jovens na Alemanha. Para ela, o caso de Estrasburgo e a tendência crescente de processos judiciais são frutos da mesma frustração que impulsiona o movimento Fridays for Future (Greve pelo Futuro), de que "a política não está fazendo o suficiente".
Em 2020, Catarina Mota contou que viveu diretamente "horror dos incêndios" de 2017 Foto: Global Legal Action Network
"Gostaria que não precisássemos instaurar os processos", admite Roda Verheyen, advogada que trabalha na ação People’s Climate Case, movida contra instituições europeias. "Mas o nível de proteção conferido aos nossos filhos ainda é essencialmente muito baixo. Por isso os tribunais vão continuar vendo essas ações."
Verheyen aponta que, ao enfatizar o dever geral de proteção em vez de contestar uma lei específica, o caso de Estrasburgo é menos concreto do que outros em que trabalhou. Uma vitória, no entanto, poderia ter implicações de amplo alcance para os Estados-membros, e até mesmo uma perda poderia potencialmente "enfatizar a força do litígio tanto em casos nacionais quanto no nível da UE".
A força maior da ação está, segundo Liston, em evidenciar a perspectiva temporal e a iminência da ameaça, e "esse caso mostra que há gente que vai sofrer os terríveis efeitos das mudanças climáticas por toda a vida".
O autor mais jovem da queixa tem hoje apenas 11 anos. E terá 28 em 2040, quando, pela previsão de cientistas da ONU, é esperada a maioria das consequências graves das mudanças climáticas.
André espera que o caso traga "o reconhecimento da voz de uma geração que vive em grande ansiedade e medo crescente das catástrofes que estão por vir, mas também que tem esperança de que as coisas mudem".
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