Campeãs de reclamações, operadoras são alvo de projeto para alterar legislação do setor. Levantamento do Idec mostra que empresas ocuparam o topo do ranking de insatisfação em nove dos últimos 10 anos.
Fachada da sede da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) - (crédito: Divulgação/ANS)
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que as operadoras de planos de saúde ocuparam o topo do ranking de reclamações de clientes em nove dos últimos 10 anos. De acordo com o levantamento, entre os principais motivos estão reajustes nas mensalidades, falta de informações, demora para marcar um exame ou consulta, além de dúvidas sobre contratos. Mas recentemente, o cancelamento unilateral dos planos, deixando os usuários sem assistência, passou a fazer parte das preocupações.
Para Baeta, essa relação tem origem em uma série de elementos conjunturais de mercado, inclusive o arcabouço regulatório confuso. O maior número de reclamações tem como alvo planos coletivos empresariais, que representam 70% do total de contratações. "É uma relação complicada historicamente e sem regras claras que, se apoiada no contrato, muitas vezes fere questões regulatórias. Já se apoiada no arcabouço regulatório, muitas vezes fere o entendimento do Poder Judiciário", afirmou.
A jornalista Cristiane Ferreira, 36 anos, vive uma batalha judicial desde que recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla em novembro de 2021. Para tratar a doença, ela tem de usar ocrelizumabe, um medicamento de alto curto, pelo resto da vida. "A esclerose não tem cura, mas a medicação evita que eu não tenha novos surtos em curtos períodos de tempo", contou.
A medicação custa em torno de R$ 45 mil e precisa ser tomada a cada seis meses. Mesmo com o laudo médico, Cristiane teve o tratamento recusado pela operadora. "Consultei outro neurologista, que confirmou a indicação apontada anteriormente, mas eles voltaram a negar", relata Cristiane.
A jornalista recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar que deu a ela acesso à primeira infusão do remédio, mas voltou a ter problemas. "O plano recorreu e voltei a ficar sem a medicação. Entrei em desespero, pois, sem ela, eu posso ter uma nova crise. Recentemente, consegui outra liminar, mas ainda não saiu a decisão final. A operadora ainda pode recorrer e o caso pode parar no STJ (Superior Tribunal de Justiça)", disse.
Prejuízo
A advogada Vitória Noronha, de 26 anos, também precisou recorrer à Justiça para cancelar o seu plano empresarial. "Estou trabalhando em um local que fornece um bom plano e, por essa razão, decidi cancelar o plano antigo. Em meados de junho, solicitei o cancelamento, por telefone. Em 31 de agosto, entrei em contato para confirmar o cancelamento e eles ainda não tinham cancelado. Registrei reclamações no Procon, na ANS, no Reclame Aqui, e fiz até um boletim de ocorrência", relatou. "A operadora respondeu à reclamação dizendo que o contrato estaria cancelado desde 16 de agosto, no entanto, o plano segue ativo. Assim, continuo precisando pagar R$ 400 todo mês, que já somam R$ 1.200,00 de prejuízo, e contando", afirmou.
Um projeto de lei (PL) apresentado neste mês, na Câmara dos Deputados, procura sanar as queixas dos consumidores com uma revisão da regulação. O texto reúne cerca de 270 projetos sobre o tema que tramitam há quase 20 anos no Congresso sem chegar a um desfecho.
A proposta traz mudanças em relação à rescisão unilateral de contratos, ao reajuste de mensalidades, entre outros pontos. O objetivo seria estabelecer diretrizes mais claras e rígidas para as operadoras, buscando equilibrar os interesses das empresas com a proteção dos direitos dos beneficiários.
O relator do projeto, deputado federal Duarte Junior (PSB-MA), aponta o cancelamento unilateral como um dos principais problemas atualmente. Isso acontece quando uma operadora decide encerrar o contrato, muitas vezes sem aviso prévio, o que gera grandes transtornos para os beneficiários. Uma das razões dos cancelamentos é o aumento dos custos para as operadoras, a ponto de tornar o plano financeiramente inviável. "O plano faz isso com idosos, pessoas com deficiência ou fazendo quimioterapia. É algo desproporcional. Pelo projeto, só vai poder rescindir se o consumidor estiver devendo", argumenta o relator.
A expectativa de Duarte Junior era de que o projeto fosse votado neste mês, mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que pretende ouvir as operadoras antes que as mudanças sejam votadas em plenário. "As operadoras estão preocupadas com o relatório. Não vamos fazer nada açodado sobre esse tema, que já é uma questão crítica. Tem muita reclamação sobre o parecer dele", enfatizou Lira.
Em posicionamento conjunto, cinco entidades representativas de operadoras de planos afirmaram que o projeto ameaça comprometer a sustentabilidade do setor e pode colocar em risco o atendimento prestado a mais de 50 milhões de brasileiros.
"O relatório desconsidera peculiaridades do setor de saúde suplementar e compromete pilares fundamentais de seu funcionamento, ao propor, por exemplo, a proibição do cancelamento de planos coletivos pelas operadoras, e instituir regras de reajuste de mensalidades que carecem de mais especificidade, aperfeiçoamento técnico e análise atuarial para conhecimento dos impactos", destaca o comunicado.
A nota afirma que as cerca de 700 operadoras de planos e seguros de saúde médico-hospitalares privados em atividade no país enfrentam seu mais difícil momento desde que o setor passou a ser regulado no país, há 25 anos, com um prejuízo operacional acumulado de R$ 18,7 bilhões.
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