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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Visão de branco sobre a paisagem tropical, pujante e brutal

 A caminho do hotel. Cenografia do Outono. Ideias de Mr. Slang sobre a paisagem tropical. Sua ojerisa pelas folhas de estrapeia e outras folhas bárbaras. Quase tropeça numa delas. 


Do museu da Cruz Vermelha ao hotel de Mr. Slang a distância não me pareceu grande. Vencemo-la a pé, sob árvores a se despirem das folhas amarelas e vermelhas desse maravilhoso cenógrafo que lá tem o nome de "Fall” e entre nós, na poética, se chama Outono. 

No Brasil conhecemos o Outono de nome, não pessoalmente.

Só nos encontramos com ele nos versos de poetas de mentalidade europeia, os mesmos que às vezes nos falam em rouxinol e amiúde em lobo, lareira e outras reminiscências que nos estão no sangue. 

Eu já havia, quando no Rio de Janeiro, debatido essa questão com Mr. Slang. 

Fizera- me ele notar, certa vez, que os brasileiros não descendentes de negro ou índio são puros europeus transplantados, com muito mais sedimentação europeia n'alma do que americana. 

Lembro-me que essa discussão veio a proposito duma enorme folha de estrapeia. 

"Esta paisagem tropical, dissera Mr. Slang, só pode falar á alma de negros ou índios, ou dos que têm no sangue predominância de sangue negro ou índio. 

Só negros ou índios, ou seus descendentes, com milênios de adaptação aos trópicos, reagem diante das formas e tonalidades tropicais. 

Esta pujança da natureza, crua e brutal, estes verdes que varam o ano sem mudar de tom, nada disto nos toca, a nós europeus, nem pode tocar aos daqui de pura descendência europeia. 

Somos filhos de clima de inverno, temos milênios de adaptação ao clima de quatro estações definidas, como o índio e o negro os têm de adaptação aos climas de "verão eterno”. 
Daí a atração de vocês pela Europa, a nostalgia da Europa, a saudade da Espanha ainda nos que nunca lá estiveram

Não é nostalgia da Europa politica e sim, apenas, como diria Jack London, “ the call of the land .” 

Saudades do clima em que as estações se definem nitidamente, em que a natureza se desnuda pelo inverno, e depois reverdece de novo, começando com as macias es meraldas da primavera até chegar aos verdes carregados do verão - e depois se faz todinha amarela e vermelha, graças á maravilhosa gama dos amarelos e vermelhos do Outono, para logo em seguida desnudar - se outra vez á entrada do inverno seguinte .

Aquelas palavras de Mr. Slang haviam calado em meu cérebro. 

Promovendo um exame de consciência verifiquei que de fato me sentia mais europeu que americano. 

Tudo em mim repelia o calor tropical e suas produções - a árvore de folhas enormes, a palmeira, a sucuri, o jacaré, o verde perpétuo, o derreamento, o suor e quejandas maravilhas de africano e índio. 

Num museu de pintura minha emoção sempre fora para os quadros suaves de climas temperados ou frios; e em viagens e passeios meu olho arregalado, bem como o sorriso feliz que nos acode diante do “bom", vinham sempre quando, por acaso, algum trecho da nossa natureza “cochilava” e, cochilando, destropicalizava-se, mostrando-se mais próximo da europeia. 

Ver as folhas dos plátanos de São Paulo caírem sob os ventos frios de maio, bem como ressurgirem verdinhas de esmeralda em setembro, sempre me causou emoção indefinível, que só então, graças a Mr. Slang, eu começava a entender. 

Era a emoção retrospectiva do europeu em mim contido, deflagrada por aquela nesga de pátria climatérica entrevista na mutação dos plátanos. 

Só negros ou índios, continuara ele, poderão de leitar-se ou sentir - se ambientados num cenário de verde eterno, com palmeiras, bananeiras e mais plantas de foIhas enormes. 

A mim estas folhas enormes dão-me a sensação de matéria prima para folhas – definitiva, miúda, graciosamente recortada. 

No começo do mundo, quando o globo era todo uma fornalha amazônica de assar mamutes, só deviam existir folhas assim, desconformes, cataplasmáticas. 

Foi o advento do frio o que as adelgaçou. 

Em seguida, tomando a folha de estrapeia que provocara o debate, Mr. Slang apresentou-ma com estas palavras finais: 
"Veja se isto lá é folha, esta monstruosidade. Matéria prima para folhas, sim. De cada um destes emplastros o inverno fará, quando pelo resfriamento do globo chegar até aqui, vinte ou trinta folhinhas das que brincam com a brisa, como dizem os seus poetas."

Aquelas árvores de Washington, sob as quais passávamos em direção ao hotel, eram como as queria aquele filho de terra onde neva: delicadas, apuradas, civilizadas, sensíveis à menor brisa perpassante. 

O outono, depois de as colorir de amarelo ou vermelho, as ia acamando no solo, onde o velhíssimo europeu acumulado em Mr. Slang as pisava com volúpia. 

No Rio, lembro-me bem, ele desviava- se das folhas de estrapeia caídas na rua - para não tropeçar... - MONTEIRO LOBATO - América.

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