18 de novembro de 2023, 8h21
O juiz federal Christopher Cooper, em Washington, vai decidir se jornalistas que se recusam a identificar sua(s) fonte(s) podem ser punidos por desacato ao juízo, em um caso que confronta os direitos da imprensa com violações da privacidade do cidadão – e que podem resultar em pedidos de indenização por danos.
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Nos EUA, o direito do jornalista ao sigilo da fonte, definido em “shield laws”, não é fava contada — depende de alguns fatores: 1) não existe uma lei federal que garante essa proteção; 2) 30 estados e o Distrito de Colúmbia (D.C.) aprovaram suas próprias leis específicas para o sigilo da fonte; 3) 20 estados não criaram lei alguma.
Em 1972, Suprema Corte decidiu por 5 a 4 votos, em Branzburg v. Hayes, que tal privilégio pode ser estabelecido somente através de legislação. Desde então, o Congresso fez algumas tentativas de aprovar uma lei federal, mas isso nunca aconteceu. No entanto, a maioria dos estados agiu.
Curiosamente, alguns estados seguiram a orientação de um dos votos dissidentes, escrito pelo ministro Potter Stewart — não as do vencedor. O ministro escreveu que só é legalmente possível buscar informações confidenciais de jornalistas se: 1) as informações forem altamente relevantes para a investigação; 2) o governo tiver um interesse imperioso e primordial em obter as informações; 3) as informações não puderem ser obtidas por outros meios.
Alguns estados foram mais liberais e deram mais peso ao direito (e obrigação) do jornalista de proteger suas fontes. Em outros estados, proteções equivalentes foram adotadas por jurisprudência (case law). Ou seja, a legislação que define o sigilo da fonte nos EUA é uma salada completa, o que cria o fator 4: o juiz decide de acordo com seu entendimento.
Existem outros fatores importantes a serem considerados, de acordo com o site Britannica.com. Primeiro, as fontes só se dispõem a prestar informações confidenciais e sensíveis a jornalistas com a promessa de que a anonimidade é garantida. Assim, o sigilo da fonte é essencial para a prática do jornalismo investigativo e, portanto, à liberdade da imprensa, que é garantida pela Primeira Emenda da Constituição.
Segundo, a obrigação de responder à intimação para testemunhar e a entregar documentos confidenciais interfere com o processo editorial da publicação. Pode, de alguma maneira, infringir a liberdade de expressão dos jornalistas, que também é protegida pela Constituição.
Perante a corte
O juiz federal vai decidir se pune a jornalista da CBS Catherine Herridge por desacato ao juízo, porque ela se recusa a identificar a(s) fonte(s) de uma reportagem investigativa sobre a cientista chinesa-americana Yanping Chen, que foi investigada pelo FBI sob a suspeita de haver mentido à imigração.
Entre outras coisas, o FBI investigou suspeitas de que a cientista teria omitido que trabalhava para um programa de astronautas chinês, que tinha ligações com os militares chineses e teria fundado uma escola profissional em Virgínia para obter informações sobre militares americanos.
As informações para a reportagem teriam sido obtidas de vazamentos da investigação, incluindo trechos de um documento do FBI que trazia um sumário das entrevistas realizadas, fotos pessoais e informações retiradas de seus formulários de imigração e naturalização, bem como de uma apresentação interna do FBI.
Yanping Chen processou o governo – não a jornalista que, à época, trabalhava para a Fox News. A jornalista foi intimidada para testemunhar. Os advogados da cientista alegaram que a divulgação da reportagem causou danos à reputação de sua cliente, que sequer foi formalmente acusada por qualquer delito. E querem saber quem foi a fonte ou fontes das informações.
Ao aprovar o pedido dos advogados para entrevistar a jornalista, o juiz reconheceu o que está em jogo ao forçá-la a depor, escrevendo: “Esta corte reconhece a importância vital de uma imprensa livre e o papel crítico que as fontes confidenciais exercem o trabalho dos jornalistas investigativos, tais como Catherine Herridge”.
Interrogada sob juramento pelos advogados da cientista (no processo de discovery), a jornalista se recusou a revelar suas fontes, repetindo várias vezes que, “com base em decisões judiciais, ela deveria, respeitosamente, invocar os direitos que lhe são garantidos pela Primeira Emenda”.
Os advogados da cientista pediram, então, ao juiz para puni-la por desrespeito ao juízo. Se condenada, a jornalista pode ter de pagar multas muito altas, até que cumpra a ordem, e pode ser mandada para a cadeia.
O advogado de Catherine Herridge, Floyd Abrams, é o mesmo da jornalista Judith Miller, do New York Times, que foi sentenciada a 85 dias de cadeia, depois de ser condenada por desacato ao juízo, por se recusar a revelar as fontes de uma reportagem que revelou a identidade da agente secreta da CIA Valerie Plame.
“Permitir que fontes confidenciais sejam reveladas, por força de ordem judicial, significa que haverá menos informação. Quanto mais significativa for a notícia, maior será a perda do público, que não irá saber o que está acontecendo”, disse Adams, que é especializado na Primeira Emenda da Constituição dos EUA.
Com informações da PBS, Daily Herald, ABC News, CBS, AP News e Britannica.com.
https://www.conjur.com.br/2023-nov-18/juiz-dos-eua-vai-decidir-se-jornalistas-sao-obrigados-a-revelar-fontes/
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