Embargante: O Estado do Paraná Embargado: O Estado de Santa Catarina
2º ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é embargante
o Estado do Paraná, e embargado o Estado de Santa Catarina:
Considerando que, em relação a preliminar, é manifesta a competência do
Tribunal para julgar a espécie, por força do disposto no artigo 59, I, letra c, da Constituição
Federal, que estatue: “Ao Supremo Tribunal Federal compete: I. processar e julgar
originária e privativamente: c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre
estes uns com os outros”.
Segundo a disposição transcrita, tem o Tribunal competência para processar
e julgar quaisquer conflitos, que se suscitem entre os Estados. Conseqüentemente, uma
causa, ou conflito, à cerca dos limites dentro dos quais cada Estado deve exercer a sua
jurisdição, ao Tribunal compete processar e julgar. Na espécie dos autos nenhum dos
Estados litigantes pretende alterar os limites, fixados por antigos atos legislativos. Nenhum
deles quer incorporar-se ao outro, subdividir-se, ou desmembrar-se, para anexar-se ao outro,
caso em que seria competente para resolver definitivamente o Congresso Nacional, depois
de manifestada a aquiescência das assembléias legislativas estaduais, nos expressos termos
dos artigos 4º e 34, nº 10, da Constituição Federal. O que ambos os litigantes querem, é que
se interpretem e apliquem as leis relativas aos limites dos dois Estados, o que constitue
inquestionavelmente matéria para um pleito judicial, e não para uma resolução do poder
legislativo;
Considerando que a competência do Supremo Tribunal Federal para
processar e julgar questões de limites entre Estados está consagrada pela jurisprudência do
país, cujas instituições políticas serviram de modelo as nossas, como se vê no Digest of the
United States Supreme Court Reports, vol. 2º, pág. 1.139, nº 64 e seguintes, e em Cooley,
The General Principles of Constitutional Law, cap. 6º, pág. 133, 3ª edição;
Considerando, de meritis, que o alvará de 9 de Setembro de 1820 desanexou
a vila de Lages e todo o seu termo da Província de São Paulo, e incorporou-a na Província
de Santa Catarina, o cujo governo devia ficar sujeita dessa data em diante;
Considerando que, - segundo ficou provado com o atestado, que ao guarda
mor, Antonio Corrêa Pinto, o fundador de Lages, passou o Morgado de Matheus, D. Luiz
Antonio de Souza Botelho Mourão, em 8 de Dezembro de 1770, com a declaração sobre os
limites de Lages, escrita por Antonio Corrêa Pinto, e com a representação que em 1797
dirigiu a Câmara de Lages à rainha de Portugal, D. Maria 1ª, - os limites do termo de Lages
eram, pelo lado do sul o Viamão, pelo lado do norte o ribeirão do Campo da Estiva, e pelo
lado de oeste o termo se estendia até o domínio da Espanha, isto é, onde hoje está situada a
Província de Corrientes na República Argentina. Na verdade, o Morgado de Matheus, o
iniciador da idéia da fundação de Lages, no atestado referido declara “que reputava de
grande utilidade” formar-se uma povoação para fazer testa às Missões Castelhanas, dizendo
logo adiante “que Corrêa Pinto se lhe apresentara disposto a mudar-se com toda a família
para o lugar em que devia fundar-se Lages”, e “para se estabelecer em semelhante deserto,
cercado de gentios e fronteando com os inimigos espanhóis” Antonio Corrêa Pinto, na
declaração dos limites de Lages, escrita por ordem do Morgado de Matheus, para ficar
arquivada na secretaria do governo em São Paulo, assevera que os limites do termo de
Lages são do lado do Sul o rio das Pelotas, que separa o termo da Serra do Viamão, do lado
do Norte o ribeirão do Campo da Estiva, e, quanto ao lado do poente, usa da seguinte
expressão para indicá-los: “correndo inteiramente para baixo em sertão a oeste”.
Na representação dirigida diretamente à rainha de Portugal afirma a Câmara
Municipal de Lages, que “do cume da serra, onde confinão os limites de Lages com a ilha
de Santa Catarina, até ao centro dos sertões dilatados, que os gentios estão povoando, não
tem limites a sua extensão”. Incontestavelmemte, era o Morgado de Matheus, Antonio
Corrêa Pinto, o fundador de Lages, de acordo com as ordens e instruções do Morgado, e a
Câmara Municipal de Lages as três entidades que estavam em condições de melhor
conhecer os limites do termo de Lages; e segundo informam essas três entidades, os limites
de Lages eram ao sul o rio Pelotas, ao norte o Campo da Estiva e a oeste o termo se dilatava
por vasto sertão, povoado pelos gentios, até ao domínio da Espanha.
Conforme se vê no 2º volume da questão de Limites Brasileira Argentina,
Exposição do Brasil, pág. 14, in principio, os missionários espanhóis desde o século XVII
mantinham a oeste do Pequiry brasileiro um posto de observação, para dar notícia dos
movimentos dos paulistas. Desde, pois, que pelo lado do oeste o termo de Lages não foi
limitado, mas abrangia todo o vasto sertão, que corre para baixo (na direção do Iguassú e
outros rios que correm do lado nascente para o poente, mais ou menos), o único limite que
desse lado podia ter Lages era, de acordo com as ordens e instruções do Morgado de
Matheus, o domínio da Espanha, os Espanhóis inimigos, hoje Corrientes na República
Argentina. Assinar ao termo de Lages limites diversos, é proceder arbitrariamente;
Considerando que os limites do Paraná com Santa Catarina, do lado do norte
do último Estado, foram traçados pelo alvará de 12 de fevereiro de 1821, o qual criou na
Província de Santa Catarina a comarca que se denominou de Santa Catarina. Esse alvará
de 1821 declarou expressamente que a nova comarca no centro compreendia a vila de
Lages, e “pelo norte terá o seu limite pela divisão atual da comarca de Paranaguá e
Curitiba”. Esses limites ao norte da comarca de Santa Catarina constam da resolução do
Conselho Ultramarino de 20 de junho de 1749, que criou ouvidor para a ilha da Santa
Catarina, estatuindo que o distrito da nova ouvidora se limitasse ao norte” pela barra austral
do rio São Francisco, pelo cubatão do mesmo rio, e pelo Rio Negro, que se mete no Rio de
Curituba” (atualmente denominado o Iguassú). São esses os limites entre a comarca de
Santa Catarina e a de Paranaguá e Curitiba, cumprindo acrescentar somente que em 1771 as
vilas de São Francisco, em Santa Catarina, e a de Guaratuba, no território de São Paulo,
hoje do Paraná, convencionaram estabelecer os seus limites, do litoral até a serra do mar,
pelos rios Sahy Guassú e Guaratuba. Fora absurdo admitir que na comarca de Santa
Catarina ficasse encravado um trecho do território de São Paulo, hoje do Paraná. Assim os
limites de Santa Catarina, do lado do norte, ficarão sendo o Sahy Guassú, o Rio Negro e o
Iguassú. E, como o território do termo de Lages, para o lado de oeste, abrangia todo o vasto
sertão, que fora parte da comarca de Curitiba, e o dito sertão não tem ao norte outros limites
que não o Iguassú, força é reconhecer que o Iguassú, desde a foz do Rio Negro às extremas
do território brasileiro com a República Argentina, ficou sendo o limite de Santa Catarina
com o Estado do Paraná;
Considerando que os títulos, apresentados pelo Estado do Paraná, nenhuma
prova fazem em seu favor. Os que são anteriores aos alvarás de 9 de setembro de 1820 e de
12 de fevereiro de 1821, além de não favorecerem a pretensão do Estado do Paraná,
nenhum valor jurídico podem ter em face dos dois últimos alvarás citados.
A Constituição do Império não fixou limites entre as duas províncias.
Apenas declarou que o território do Brasil era dividido em províncias, na forma em que se
achava. Essa forma só poderia ser determinada pelas leis anteriores. A lei de 29 de agosto
de 1853, que criou a província do Paraná, apenas declarou que os seus limites eram os da
comarca de Curitiba, o que não resolveu a questão de limites entre São Paulo e Santa
Catarina. O Dec. de 16 de novembro de 1859, que criou as duas colônias militares do
Chapecó e do Chopin, na província do Paraná, respeita o statu quo: não prescreve limites
entre as duas províncias do Império. O que prova que nenhum desses atos legislativos
resolveu a questão de limites entre Santa Catarina e Paraná, é que a 16 de janeiro de 1865 o
poder executivo do Império expediu um decreto, cujo artigo primeiro foi assim redigido:
“Os limites entre as províncias do Paraná e Santa Catarina são provisoriamente fixados pelo
rio Sahy Guassú, serra do Mar, rio Marombas, desde sua vertente até o das Canôas, e por
este até o rio Uruguai”.
Em 1865, pois, o Governo Imperial estava convencido de que os limites
entre Paraná e Santa Catarina, longe de estarem fixados, eram objeto de reclamações e de
questão entre as duas províncias. Todos os demais decretos, promulgados pelo poder
executivo do Império, respeitavam o statu quo. Não resolviam, nem podiam resolver, a
questão de limites entre as duas províncias; pois, eram atos do poder executivo, expedidos
para diversos fins, menos para o de fixar limites, pretensão que não podiam ter em face da
Constituição do Império;
Considerando que é juridicamente impossível dirimir o pleito entre os dois
Estados, aplicando a prescrição aquisitiva, como pretende o Estado do Paraná. No direito
privado está geralmente admitido esse modo de adquirir. No direito internacional público,
posto se notem divergências de opiniões, a maioria dos jurisconsultos, e pode-se dizer, - os
mais autorizados, - reconhecem a aplicabilidade da prescrição aquisitiva, cumprindo notar
que por esse princípio se tem resolvido várias questões na América. Mas, quando se trata de
limites de circunscrições administrativas, ou de divisões políticas e administrativas, nem as
leis, nem a jurisprudência, nem a doutrina sufragam a pretensão do Estado do Paraná, que
quer seja dirimido o pleito, atendendo-se a que o território litigioso foi descoberto e
povoado por paulistas e esteve sob a jurisdição da província de São Paulo, da qual passou
para a do Paraná, quando se criou essa província. As divisões políticas e administrativas são
estabelecidas, tendo-se em atenção o interesse público, a utilidade social, as necessidades da
Nação. A vontade dos indivíduos não tem a eficácia de alterá-las. - Não há no direito
público das nações modernas preceito que consagre a prescrição aquisitiva ou usucapião,
como meio de modificar limites entre circunscrições políticas e administrativas. Pelo
contrário, a jurisprudência da Suprema Corte Federal da América do Norte, de acordo com
os princípios geralmente admitidos, afirma que a posse durante um século é insuficiente
para fixar limites definitivamente entre dois Estados federados (Digesto Americano, vol. 2º,
pág. 1140, nº 80);
Considerando que, se o Estado do Paraná alega o fato de terem os paulistas
feito incursões no território litigioso no século XVII, para o fim de concluir que pela
ocupação de um território nullius adquiriram esse território para a Capitania de São Paulo,
sucedendo a esta a província do mesmo nome, é inadmissível essa pretensão do Estado do
Paraná; porquanto, se os filhos de uma província, de um Estado federado, de uma divisão
qualquer, política e administrativa, descobrem e povoam um território nullius, é a Nação
que adquire a soberania sobre esse território, pelo fato de somente ela poder ter nesse caso o
animus domini (Jése, Etude Théorique et Pratique sur l’occupation comme mode d’acquérir
les Territoires en Droit international):
O Supremo Tribunal Federal despreza os embargos e confirma o acórdão
embargado. Custas pelo embargante. Supremo Tribunal Federal, 24 de dezembro de 1909.-
Ribeiro de Almeida. - André Cavalcanti, relator. - M. Espinola, vencido.
Recebia os embargos para, reformando o acórdão embargado, julgar
improcedente a ação, visto que os títulos do autor, com que este pretende provar os limites
territoriais entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, interpretados como devem ser os
mesmos títulos, não provam a sua intenção.
Assim é que a provisão de 20 de novembro de 1749, que criou a ouvidoria de
Santa Catarina, declarando que o seu distrito ficasse para o norte pela barra austral do rio
S. Francisco, pelo cubatão do mesmo rio e pelo rio Negro, que se mete no grande de
Curituba (atualmente denominado o Iguassú), mostra que esse limite não ia além desse
ponto em que o rio Negro se lança no Curituba ou Iguassú, pois aí terminava, e apesar
disso o Estado de Santa Catarina alega que estes dois rios (o Negro e o Iguassú) eram a
divisa da referida ouvidoria.
Por sua vez o alvará de 9 de setembro de 1820, que desanexou a vila de
Lages e seu termo da província de S. Paulo e incorporou-a na capitania de Santa Catarina, a
cujo Governo ficou daí em diante sujeita, não tem o alcance que lhe dá o Estado de Santa
Catarina quando alega que Lages e seu termo, em virtude do dito alvará, compreendiam o
território que o mesmo Estado reclama ao sul dos rios Negro e Iguassú e para isso basta
atender à letra do alvará e à razão que o ditou:
“Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará com força de lei virem que,
tomando em consideração que sendo a vila das Lages a mais meridional das da província de
S. Paulo, pela grande distância em que se acha da capital, não pode ser prontamente
socorrida com oportunas providências que a façam elevar-se do estado de decadência em
que se acha procedida dos repetidos danos que os indígenas selvagens seus vizinhos têm
feito no seu território; e que, reunindo-se ao Governo da capitania de Santa Catarina, de
onde pode ser mais facilmente auxiliada, se tornarão menos atrevidos aqueles malfazejos
selvagens, e talvez se sujeitem ou se retirem, deixando os colonos com a segurança precisa
para se aproveitarem da grande fertilidade das terras do termo da mesma vila, regada por
muitos rios, e debaixo de um clima temperado e sadio.
Hei por bem desanexar a mencionada vila de Lages e todo o seu termo da
província de S. Paulo, e incorporá-la na capitania de Santa Catarina, a cujo Governo ficará
d’ora em diante sujeita”.
Do contexto deste alvará, que é o eixo da questão, o que se conclui é que o
território de Lages e seu termo pertencia efetivamente a S. Paulo e a El-Rei aprove
desmembrá-lo desta província e incorporá-lo na de Santa Catarina, provando isto que a
suposta demarcação da citada provisão de 20 de novembro de 1749 já não vigorava; mas do
referido alvará não se conclui que o termo de Lages compreendesse todo o território à
margem dos rios Negro e Iguassú, nem isto se presume, desde que se prova que só
posteriormente, de 1836 a 1839, foi que os Paulistas descobriram os campos de Palmas, S.
João e outros, que fazem parte daquele território e aí se estabeleceram.
A verdade é que o município de Lages compreendia um território conhecido
e já explorado, que passou a pertencer a Santa Catarina e este, inegavelmente, lhe pertence
pelo dito alvará de 1820, mas este território não abrangia a área que se pretende, calculada
em 1.600 léguas quadradas, que estavam ainda por descobrir e seria absurdo conceder-lhe
agora.
Esses e os demais títulos em que se funda a ação, tão antigos, quão obscuros
para a prova dos limites entre os dois Estados, não se comparam com o título com que se
escuda o Estado de Paraná, a lei de 29 de agosto de 1853, que, separando de S. Paulo a
comarca de Curitiba e elevando-a à província do Paraná, com a extensão e limites que a
formavam, mostra que estes não podem ser outros senão os mesmos que estavam sob a
posse e jurisdição de S. Paulo, desde a margem esquerda dos rios Negro e Iguassú até a
direita do Uruguai.
E tanto assim é que, quando foi apresentado o projeto dessa lei, o seu autor
Deputado Carlos Carneiro de Campos (Visconde de Caravellas) o justificou declarando que
a comarca de Curitiba confinava com as Repúblicas Argentina e do Paraguai e com a
província do Rio Grande do Sul, o que não sucederia se entre S. Paulo e o Rio Grande do
Sul se interpusesse Santa Catarina, ocupando o território que vai do Iguassú ao Uruguai.
Assim se constituiu no Império a província do Paraná, nela criou o decreto
de 16 de novembro de 1859 as colônias militares do Chapecó e do Chopim para assegurar
as nossas fronteiras e jamais se admitiu oficialmente que esse território não fosse do Paraná.
Além do mais, tem o Paraná, pela sua ocupação permanente, a seu favor, o uti possidetis,
que já determinou a solução a nosso favor do litígio das Missões. E este princípio do uti
possidetis é em casos como este o critério, o mais racional e justo, para dirimir as questões
de limites. - Oliveira Ribeiro. - Manoel Murtinho. - Canuto Saraiva, com restrição quanto a
alguns fundamentos do acórdão. - Pedro Lessa. - Raul Martins, vencido na preliminar
levantada pelo Senhor Ministro Godofredo Cunha por ocasião do julgamento de não estar
completo o Tribunal para a decisão da causa por não poder-se compreender o Presidente no
número dos dez membros desimpedidos exigidos pela lei 938 de 1902. Foi essa a
jurisprudência seguida sempre até setembro do ano próximo passado, e na sua
conformidade foi justamente proferido o Acórdão embargado, em que figuram com nove
Ministros efetivos, inclusive o Presidente, dois Juízes de Seção em vez de um. Atentatória
do voto de qualidade do Presidente, pela impossibilidade do empate em que ele se exerce, a
interpretação dominante infringe ainda o próprio recente Regimento do Tribunal, cujo
artigo 13 expressamente determina não se compreender no número indispensável dos juízes
desimpedidos para os julgamentos ordinários o Presidente e o Procurador Geral da
República. - Octavio Kelly, vencido na preliminar e de meritis de acordo com o voto do
Exmo. Senhor Ministro Manoel Espinola. - Godofredo Cunha, vencido na preliminar, que o
acórdão não menciona, de ter funcionado o Tribunal sem o número legal de dez juízes
desimpedidos (Lei nº 938 de 29 de dezembro de 1902, art. 1º, e Regimento do Tribunal, art.
13). Que confiança pode inspirar uma decisão, que começa violando a lei da sua
constituição!
- Fui presente, Guimarães Natal (1).
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