CRIME PRESCRITO
Por Tadeu Rover
O juiz e o promotor que participaram de um conluio para prejudicar um padeiro traído por sua mulher, que chegou a ser preso ilegalmente, conseguiram se livrar da condenação criminal por prevaricação e, consequentemente, da perda dos cargos.
A 6ª Turma do Superior Tribunalconsiderou errada a dosimetria aplicada aos envolvidos e reduziu as penas determinadas pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Com isso, houve a prescrição do crime e as penas foram extintas.
Em março de 2013, ao condená-los por prevaricação, o TJ-SP aplicou a pena máxima prevista: um ano de detenção. Para isso, aplicou as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal, que diz que o juiz pode aumentar ou aliviar a pena observando a conduta social dos réus, a personalidade, os motivos para o cometimento do crime, as circunstâncias e as consequências do crime e o comportamento da vítima.
Seguindo o voto do relator, desembargador Ênio Zuliani, os membros do Órgão Especial entenderam que, por mais que nem todas as características do dispositivo pudessem ser usadas como agravantes, as condições negativas pesaram mais no caso que as positivas.
O desembargador Zuliani, cujo voto foi complementado pelo desembargador Walter de Almeida Guilherme, afirmou que a conduta social dos réus durante o processo não poderia ser usada como agravante, mas todas as demais eram tão negativas que se sobrepunham às positivas. Almeida Guilherme completou que, caso não fosse aplicada a pena máxima, decairia o prazo punitivo, e promotor e juiz não poderiam ser condenados — nem retirados de suas respectivas funções.
Dosimetria inviável
No entanto, o entendimento do tribunal estadual foi derrubado no Superior Tribunal de Justiça. "Não se mostra aceitável que para se evitar a indesejável incidência da prescrição penal se adote, sem pertinente e objetiva fundamentação (artigo 59 do CP), a exacerbação para além do mínimo legal da quantidade da pena imposta ao réu", afirmou o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do Recurso Especial.
Citando jurisprudência da corte, o ministro explicou que, embora a dosimetria da pena não seja uma operação matemática, "com pesos absolutos para cada um dos vetores previstos no artigo 59 do Código Penal, o certo é que, evidenciando-se que nem todas as circunstâncias judiciais foram sopesadas contra o agente, inviável se torna a fixação de sua pena-base no patamar máximo".
Assim, o ministro considerou que a pena deveria ser reduzida de um ano para sete meses de detenção e 20 dias-multa. Com isso, o relator reconheceu a extinção da punibilidade, devido à prescrição do crime. "Alterada a pena dos recorrentes, o lapso prescricional passa a ser de dois anos, nos termos do artigo 109, inciso VI do Código Penal, na redação anterior àquela dada pela Lei 12.234/2010. E o mencionado prazo já transcorreu entre a data do fato (15/9/2008) e a do recebimento da denúncia (4/5/2011)."
O caso do padeiro
A decisão na Ação Penal é apenas mais um capítulo de uma história de traição e vingança, mas que custou R$ 100 mil para os cofres do Estado de São Paulo. O caso aconteceu em Espírito Santo do Pinhal, interior do estado. Um advogado teve um caso amoroso com uma mulher casada. O marido, padeiro, descobriu e foi tomar satisfação na faculdade onde o advogado era professor. Depois, segundo consta nos autos, começou a espalhar boatos e difamar o advogado.
O padeiro só não contava com o fato de que o advogado tinha uma rede de "bons contatos", todos colegas de trabalho na mesma instituição, e ocupando postos-chaves na sociedade local para resolver seu problema: o delegado, o promotor e o juiz da cidade.
Irritado com a atitude do marido de sua namorada, o advogado procurou seus amigos para saber o que fazer. De acordo com os autos, o juiz convocou uma reunião informal com o advogado e o marido, e recomendou ao homem traído: pare com a política de difamação ou será processado.
Como as difamações não pararam, o advogado registrou boletim de ocorrência, e o promotor chamou o homem para “prestar esclarecimentos”. Foi processado, e o juiz decretou sua prisão preventiva pelo crime de ameaça. A ordem foi prontamente cumprida pelo delegado, e o padeiro ficou três dias preso.
Ele só foi solto por ordem de outro juiz, magistrado natural da causa, por causa de outro processo envolvendo as mesmas partes. O juiz autor do decreto de prisão preventiva, para prestar legitimidade ao seu ato, alegou que despachou na condição de juiz-corregedor.
“Há farta prova demonstrando que a deflagração do ato ilegal foi orquestrada a partir de conluio havido entre as autoridades públicas da comarca [juiz, promotor e delegado], todos amigos pessoais e colegas de magistério do réu, pessoa que possuía desavença pessoal com o autor, em razão de anterior relacionamento amoroso que manteve com sua mulher”, escreveu a juíza Bruna Marchese e Silva, na decisão que determinou o pagamento da indenização.
Como envolveu agentes públicos, sobrou para o estado arcar solidariamente com a indenização motivada pela trapalhada de seus servidores. Para chegar aos R$ 100 mil, a juíza considerou a conduta dos envolvidos, a intensidade e duração do sofrimento e a capacidade econômica de quem causou o dano.
Clique aqui para ler o acórdão do STJ.
REsp 1.447.685
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2015, 13h40
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