Opinião
O marco legal da proteção florestal no Brasil e o julgamento no Supremo
O
Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento conjunto das cinco ações
que questionavam a constitucionalidade da maioria dos pontos da Lei
Federal 12.651/2012, o novo Código Florestal. O dispositivo legal
revogou a Lei 4.771/1965 e regulamentou como deve ser o uso e a proteção
de áreas de florestas e demais formas de vegetação, sobretudo em
propriedades rurais.
Ocorre que desde a publicação da Lei Federal 12.651/2012 vários de seus dispositivos causaram polêmica. Foram ajuizadas cinco ações para discutir as novas regras: a Ação Declaratória de Constitucionalidade 42 e as ações diretas de inconstitucionalidade 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.
Nesse cenário, por mais de cinco anos, a segurança jurídica foi afetada na implementação das novas regras. Agora, após julgamento do STF, a Lei 12.651/2012, que era taxada de inconstitucional, foi considerada constitucional. Inclusive, foi adotada, em alguns dispositivos, a interpretação conforme a Constituição para preservá-la.
Alguns pontos merecem destaque. Primeiro, anistia para desmatamentos ocorridos até julho de 2008. O STF manteve a regra do Código Florestal que anistia a pena de multa a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de 22 de julho de 2008. Pela lei, o infrator não será punido, desde que se cadastre em programas de regularização ambiental, para compensar o dano causado. A maioria dos ministros considerou que a questão não trata de anistia, mas apenas da substituição da punição pela recuperação do bioma atingido.
A data, 22 de julho de 2008, foi usada na aprovação do código porque corresponde ao dia da edição do Decreto Federal 6.514/2008 — que definiu o que são infrações administrativas ambientais e estabeleceu o procedimento para sua apuração no âmbito federal.
O voto dos ministros sobre esse ponto estava empatado em cinco a cinco. Coube ao decano Celso de Mello desempatar a questão expondo que, no seu entendimento, a anistia prevista para crimes ambientais cometidos antes de 22/7/2008 não se reveste de conteúdo arbitrário nem compromete a tutela constitucional em tema de meio ambiente. Nesse ponto, é importante lembrar que o novo código, ao estabelecer o Programa de Regularização Ambiental (PRA), teve por objetivo incentivar a regularização, sem nenhuma vantagem em relação à obrigação de recompor as áreas danificadas. O programa, na verdade, se apresenta como uma grande ferramenta de transição do sistema do código de 1965 para a atualidade.
Que fique bem claro que a “linha de corte de 22 de julho de 2008” apenas permite a anistia das multas e extinção da punibilidade por crimes ambientais se houver a recuperação das áreas degradadas.
Para os ambientalistas, que defendiam a inconstitucionalidade do dispositivo, essa regra é injusta com os produtores rurais que cumpriram à risca os procedimentos contra desmatamento estabelecidos antes do código. Nesse ponto, além de Celso de Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e a presidente, ministra Cármen Lúcia, entenderam que a lei não concedeu anistia ampla, mas previu maneiras de compensar o meio ambiente pelo desmatamento. Votaram contra a anistia os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
O segundo ponto que merece análise diz respeito às atividades proibidas em APPs (áreas de preservação permanente). Os autores das ações conseguiram garantir mudança no texto do artigo 3º, VIII, “b”, que possibilitava haver gestão de resíduos e atividades esportivas em APPs. A partir do julgamento, essas atividades não podem ser feitas em APPs. Assim, atividades de lixões, aterros sanitários, quadras de esportes, ginásios e estádios estão proibidas em APPs.
A recuperação de áreas desmatadas em terras indígenas também merece ser mencionada. Para a maioria dos ministros do STF, o tratamento diferenciado para a recuperação de áreas desmatadas para terras indígenas e dos povos e comunidades tradicionais não deve ficar restrito àquelas que são "demarcadas" e "tituladas", como previa originalmente o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 12.601/2012.
O Código Florestal equiparava as “terras indígenas demarcadas” e as “demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território” às pequenas propriedades rurais. O STF entendeu por bem retirar do texto as palavras “demarcadas” e “tituladas”. É preciso ressaltar que os pequenos produtores têm regras mais flexíveis para recomposição de áreas desmatadas.
Também foi tratada no julgamento a questão das APPs em área de nascentes. Com a posição do STF, ficou estabelecido que todas as nascentes e olhos-d'água, sejam intermitentes ou perenes, devem ter APPs preservadas.
O STF também analisou o local de compensação de área de reserva legal, que é uma porcentagem da área com cobertura de vegetação nativa existente em propriedade rural. O texto original do Código Florestal possibilitava a um produtor rural compensar a área desmatada de reserva legal de sua propriedade em algum outro lugar no mesmo bioma. Na prática, a regra permitia que isso fosse feito a milhares de quilômetros. Agora, a partir da interpretação do STF, os desmatamentos devem ser compensados em local de mesma identidade ecológica. O que muda? A questão é que agora a área a ser revitalizada é mais específica, o que restringe as áreas de compensação, considerando aspectos mais fiéis à vegetação atingida.
A corte tratou, ainda, da redução de porcentual de reserva legal. Ela pode variar de 20% a 80% da propriedade, conforme o bioma e a região em que se localize o imóvel. Em algumas hipóteses, permite-se a redução desse percentual. Na análise desse ponto, foi mantido o artigo que autoriza a redução de reserva legal de 80% para 50% no bioma amazônico — portanto, permite o desmatamento de grandes áreas de vegetação nativa.
Outro ponto importante é que com as definições do julgamento o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental estão em pleno vigor, não restando qualquer dúvida sobre a constitucionalidade de seu cumprimento. Cabe aos estados da federação, a partir de agora, seguir providenciando a implementação dessas ferramentas.
Sabe-se que o CAR é um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, com o intuito de criar uma base de dados estratégica para o controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e demais formas de vegetação nativa do Brasil.
O STF considerou constitucional o mecanismo de Cotas de Reserva Ambiental (CRA). Também foi considerada constitucional a regra que admite o cômputo das APPs no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. A partir de agora, ainda em relação a algum ponto controvertido do julgamento, é possível oposição de embargos de declaração, que devem ser analisados pelo próprio STF.
Ocorre que desde a publicação da Lei Federal 12.651/2012 vários de seus dispositivos causaram polêmica. Foram ajuizadas cinco ações para discutir as novas regras: a Ação Declaratória de Constitucionalidade 42 e as ações diretas de inconstitucionalidade 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.
Nesse cenário, por mais de cinco anos, a segurança jurídica foi afetada na implementação das novas regras. Agora, após julgamento do STF, a Lei 12.651/2012, que era taxada de inconstitucional, foi considerada constitucional. Inclusive, foi adotada, em alguns dispositivos, a interpretação conforme a Constituição para preservá-la.
Alguns pontos merecem destaque. Primeiro, anistia para desmatamentos ocorridos até julho de 2008. O STF manteve a regra do Código Florestal que anistia a pena de multa a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de 22 de julho de 2008. Pela lei, o infrator não será punido, desde que se cadastre em programas de regularização ambiental, para compensar o dano causado. A maioria dos ministros considerou que a questão não trata de anistia, mas apenas da substituição da punição pela recuperação do bioma atingido.
A data, 22 de julho de 2008, foi usada na aprovação do código porque corresponde ao dia da edição do Decreto Federal 6.514/2008 — que definiu o que são infrações administrativas ambientais e estabeleceu o procedimento para sua apuração no âmbito federal.
O voto dos ministros sobre esse ponto estava empatado em cinco a cinco. Coube ao decano Celso de Mello desempatar a questão expondo que, no seu entendimento, a anistia prevista para crimes ambientais cometidos antes de 22/7/2008 não se reveste de conteúdo arbitrário nem compromete a tutela constitucional em tema de meio ambiente. Nesse ponto, é importante lembrar que o novo código, ao estabelecer o Programa de Regularização Ambiental (PRA), teve por objetivo incentivar a regularização, sem nenhuma vantagem em relação à obrigação de recompor as áreas danificadas. O programa, na verdade, se apresenta como uma grande ferramenta de transição do sistema do código de 1965 para a atualidade.
Que fique bem claro que a “linha de corte de 22 de julho de 2008” apenas permite a anistia das multas e extinção da punibilidade por crimes ambientais se houver a recuperação das áreas degradadas.
Para os ambientalistas, que defendiam a inconstitucionalidade do dispositivo, essa regra é injusta com os produtores rurais que cumpriram à risca os procedimentos contra desmatamento estabelecidos antes do código. Nesse ponto, além de Celso de Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e a presidente, ministra Cármen Lúcia, entenderam que a lei não concedeu anistia ampla, mas previu maneiras de compensar o meio ambiente pelo desmatamento. Votaram contra a anistia os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
O segundo ponto que merece análise diz respeito às atividades proibidas em APPs (áreas de preservação permanente). Os autores das ações conseguiram garantir mudança no texto do artigo 3º, VIII, “b”, que possibilitava haver gestão de resíduos e atividades esportivas em APPs. A partir do julgamento, essas atividades não podem ser feitas em APPs. Assim, atividades de lixões, aterros sanitários, quadras de esportes, ginásios e estádios estão proibidas em APPs.
A recuperação de áreas desmatadas em terras indígenas também merece ser mencionada. Para a maioria dos ministros do STF, o tratamento diferenciado para a recuperação de áreas desmatadas para terras indígenas e dos povos e comunidades tradicionais não deve ficar restrito àquelas que são "demarcadas" e "tituladas", como previa originalmente o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 12.601/2012.
O Código Florestal equiparava as “terras indígenas demarcadas” e as “demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território” às pequenas propriedades rurais. O STF entendeu por bem retirar do texto as palavras “demarcadas” e “tituladas”. É preciso ressaltar que os pequenos produtores têm regras mais flexíveis para recomposição de áreas desmatadas.
Também foi tratada no julgamento a questão das APPs em área de nascentes. Com a posição do STF, ficou estabelecido que todas as nascentes e olhos-d'água, sejam intermitentes ou perenes, devem ter APPs preservadas.
O STF também analisou o local de compensação de área de reserva legal, que é uma porcentagem da área com cobertura de vegetação nativa existente em propriedade rural. O texto original do Código Florestal possibilitava a um produtor rural compensar a área desmatada de reserva legal de sua propriedade em algum outro lugar no mesmo bioma. Na prática, a regra permitia que isso fosse feito a milhares de quilômetros. Agora, a partir da interpretação do STF, os desmatamentos devem ser compensados em local de mesma identidade ecológica. O que muda? A questão é que agora a área a ser revitalizada é mais específica, o que restringe as áreas de compensação, considerando aspectos mais fiéis à vegetação atingida.
A corte tratou, ainda, da redução de porcentual de reserva legal. Ela pode variar de 20% a 80% da propriedade, conforme o bioma e a região em que se localize o imóvel. Em algumas hipóteses, permite-se a redução desse percentual. Na análise desse ponto, foi mantido o artigo que autoriza a redução de reserva legal de 80% para 50% no bioma amazônico — portanto, permite o desmatamento de grandes áreas de vegetação nativa.
Outro ponto importante é que com as definições do julgamento o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental estão em pleno vigor, não restando qualquer dúvida sobre a constitucionalidade de seu cumprimento. Cabe aos estados da federação, a partir de agora, seguir providenciando a implementação dessas ferramentas.
Sabe-se que o CAR é um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, com o intuito de criar uma base de dados estratégica para o controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e demais formas de vegetação nativa do Brasil.
O STF considerou constitucional o mecanismo de Cotas de Reserva Ambiental (CRA). Também foi considerada constitucional a regra que admite o cômputo das APPs no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. A partir de agora, ainda em relação a algum ponto controvertido do julgamento, é possível oposição de embargos de declaração, que devem ser analisados pelo próprio STF.
Telma Bartholomeu Silva é advogada especialista em Direito Ambiental do escritório Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2018, 16h18
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