Sociedade
30.03.2018 às 8h30
Luís Ribeiro e Marcos Borga
Inertes, mas dóceis. Hirtas, mas maleáveis. Realistas, mas idealizadas. Cem euros à hora. Bem-vindo ao primeiro bordel de bonecas do mundo. Acompanhe, na íntegra, a reportagem da VISÃO em texto e vídeo
São onze da manhã e já se trabalha na Apricots. Para lá da porta de madeira de pinho do bordel, a cem passos do estádio do Barcelona FC, há um hall escuro que atravessa quatro camarins improvisados com cortinas pretas e termina num corredor estreito com duas portas de cada lado. Uma mulher acaba de entrar num dos camarins. Os primeiros clientes podem chegar a qualquer momento.
A última porta do lado direito corresponde ao melhor quarto da casa. Em cima da cama, debaixo de uma meia-luz avermelhada, estão sentadas duas prostitutas incomuns – tão sedutoras e convidativas quanto possível a dois objetos de silicone. Brandy enverga apenas um babydoll transparente e manifestamente pequeno para o seu peito gigantesco. Yoko, de medidas mais modestas (copa C), usa um vestidinho cor de rosa. Ambas estão prontas a dar prazer. Não que alguém tenha de lhes pedir licença.
“São realistas, não são?” O sorriso de Sergi Prieto denota a confiança compreensível de um jovem de 27 anos que apostou, com dois amigos e uma amiga mais ou menos da mesma idade, num negócio original e, aparentemente, está a dar-se bem com ele.
Sim e não. São anatomicamente próximas da realidade (braços, pernas, cara, três orifícios, clitóris) e respiram, salvo seja, sexualidade. Mas sem imaginação não é possível olhar para Brandy e Yoko e ver duas mulheres. E não apenas por causa do olhar mortiço e inexpressivo, da consistência mole do corpo ou da rigidez das articulações. Brandy, por exemplo, tem uma cinturinha de vespa que umas mãos grandes são capaz de abraçar, com os dedos a tocarem-se, e mamas que deixam muito espaço desperdiçado quando são apalpadas, envergonhando as mãos de qualquer homem. É, quando muito, um realismo irrealista. Daí o estímulo extra proporcionado pelos filmes pornográficos que passam na televisão do quarto. “O orgasmo é garantido”, diz Sergi, triunfante, como se atingir o êxtase fosse uma dificuldade masculina comum.
A LumiDolls, traduzível por “bonecas prostitutas”, anunciou-se como o primeiro bordel de bonecas do planeta, quando abriu há um ano em Barcelona (entretanto, nasceram mais três, na Alemanha, na Áustria e no Reino Unido). Mas teve um arranque penoso e fechou duas semanas após a inauguração. Na imprensa catalã, falou-se em problemas com as licenças de funcionamento, queixas dos vizinhos e fúria do senhorio, que não saberia o que se ia passar no apartamento quando assinou o contrato. A empresa, porém, diz que só mudaram de poiso porque o local inicial não tinha condições para atender a uma procura inesperadamente intensa.
Na Apricots, um dos bordéis mais populares de Barcelona, as bonecas sentem-se em casa. Sobretudo porque trabalham com a licença da Apricots, de atividades sexuais – a prostituição é proibida na Catalunha, mas a empresa, tecnicamente, só aluga os quartos. “Eles estão entre o legal e o ilegal, mas nós estamos 100% legais, porque isto são bonecas, não prostitutas. Não é gente a sério”, sublinha Sergi (que pede para que se escreva na VISÃO “Se quiser experimentar ou comprar as melhores bonecas do mercado visite lumidolls.com”).
O conceito tem sido muito comentado na imprensa e nas redes sociais, com as críticas negativas a suplantarem largamente os elogios. Contribui para a objetivação da mulher, repetiu-se. Sergi tem resposta pronta. “Os dildos consolam mulheres há milhares de anos, e estão, no fim de contas, a reduzir um homem a um pénis. Isto é um dildo 2.0 para os homens: uma mulher completa. Não é sexo. É masturbação de luxo. Uma fantasia. Talvez o homem queira fazer sexo anal e a namorada não. Com a boneca, já pode.” Yoko tem o ânus rasgado.
Em comunicado, a Aprosex, associação que representa as profissionais do sexo em Espanha, parece concordar, pondo as bonecas no lugar delas. “São serviços diferentes e compatíveis. As bonecas não te ouvem nem te acariciam. Não te dão opinião nem bebem uma taça de champanhe contigo.”
Ainda assim, na Apricots, onde trabalham 20 a 30 mulheres, a primeira reação foi de apreensão. “Julgavam que iam perder clientes. Mas a verdade é que vêm cá muitas pessoas para estarem com bonecas; depois, talvez algumas queiram passar tempo com uma mulher”, arrisca Sergi. “Há muitas casas de mulheres em Barcelona, e isto pode fazer a diferença num mercado muito competitivo.”
Pelo menos não é pelo preço que a LumiDolls quer concorrer com as prostitutas de carne e osso. Meia hora de “masturbação de luxo” é mais cara do que sexo: uma mulher da Apricots cobra 70 euros; uma boneca faz-se pagar a 80 euros. Se for uma hora, já se inverte a relação (€110 de carne, osso e talvez algum silicone, €100 por uma “prostituta” toda ela silicone).
Nem violações nem pedofilia. Mas...
A LumiDolls recebe clientes de todo o mundo (incluindo portugueses, sim), beneficiando do facto de Barcelona ser uma cidade turística. Mas alguns vêm de longe só para estar com uma boneca. “Tivemos um cliente que veio de Paris de autocarro”, conta Sergi. “Mais de 15 horas de viagem, passou duas horas e meia com uma boneca e apanhou o autocarro de volta. Mas parecia uma pessoa normal.”
O cliente médio, continua o empresário, terá entre 30 e 50 anos e é de uma classe média-alta. Fora isso, não consegue apontar um freguês-tipo. Há gente tímida com óbvias dificuldades em relacionar-se com outras pessoas; há homens que recorrem habitualmente aos serviços de prostitutas; há solteiros e há casados; há quem venha às escondidas da companheira, por vergonha ou porque sente que está a traí-la, há quem deixe a mulher no carro à espera e há quem venha com ela, numa tentativa conjunta de quebrar a monotonia sexual; há curiosos em busca de uma experiência diferente, e há habitués que pedem sempre a mesma boneca; há quem peça duas ou três bonecas ao mesmo tempo. E há jovens virgens. “Eles não dizem, mas uma pessoa consegue perceber, com aquelas caras de bebé. Vêm cá treinar antes de…”
Números é que a empresa não revela – limita-se a assegurar que tem clientes todos os dias.
O secretismo poderia ser interpretado como um sinal de que talvez o sucesso não seja estrondoso. Por outro lado, a empresa começou com quatro bonecas e neste momento já tem oito, incluindo um boneco, o Ken, para satisfazer o mercado gay. As primeiras, aliás, já estão todas arrumadas, prontas para serem alugadas para fins menos carnais, como festas. O tempo de vida útil de cada uma ronda os 3 ou 4 meses, dependendo da delicadeza dos clientes (Yoko está à beira da reforma; Brandy vai a meio).
Uma das bonecas originais aposentou-se sem grande uso. “Tínhamos duas europeias, uma asiática e uma africana”, conta Sergi Prieto. “Mas a africana não tinha grande procura. Acho que depende da localização, da cultura... Os clientes asiáticos querem sempre bonecas asiáticas. Eu julgava que um homem, estando habituado a asiáticas, quereria experimentar uma coisa diferente. Mas não. É curioso.”
A empresa, que está em negociações para dois franchisings em países europeus, tem um segundo negócio associado ao bordel: a venda de bonecas, a preços entre os €1595 e os €2045; os potenciais clientes podem experimentar e, no fim, se comprarem uma, é-lhes descontado o que gastaram. Cinco já foram vendidas para Lisboa.
A julgar pelos preços de revenda, é de crer que cada exemplar custe à empresa (que as adquire na Ásia a preços de fábrica) não mais de mil euros. Ou seja, a cada dez sessões de uma hora, a boneca fica paga, sem contar com os custos administrativos, o aluguer do espaço, os preservativos e o lubrificante, e a limpeza e desinfeção (que demora meia hora). É a funcionária perfeita: não há salário nem impostos para pagar, não há folgas, férias, greves. E, no entanto, não se queixa.
Não vale tudo. Apesar de as bonecas não terem sentimentos, os seus donos seguem algumas regras éticas. Por exemplo, um cliente que peça uma boneca amarrada, para concretizar uma fantasia de violação, não verá o desejo atendido – claro que, se levar uma corda na mariconera, ninguém saberá. E bonecas que pareçam crianças, também disponíveis na China, nunca. Mas uma das três fantasias – roupas – disponíveis na LumiDolls por mais €20 é school girl (as outras são fitness girl e executiva).
Sergi Prieto acredita que este é o início de uma revolução sexual. “Os cientistas dizem que daqui a 30 anos vamos ter mais sexo com androides do que com outras pessoas.” O primeiro passo, continua, é dar algum nível de Inteligência Artificial às bonecas. “Mas o que fará mais diferença é elas conseguirem mover-se.”
O mais perto que a LumiDolls esteve da realidade foi com uma boneca aquecida a 37°C, e que se revelou um falhanço comercial. Atualmente, o topo de gama no setor, diz Sergi, são as ultrarrealistas RealDolls, fabricadas nos EUA. Mas têm vários senãos: custam entre €6 mil e €8 mil, pesam mais de 40 quilos, são duras ao toque e pouco práticas para o fim que se quer. “Não podemos pô-las de quatro.”
Brandy e Yoko assistem à conversa, tão dóceis como sempre. Duas mulheres a fingir, que só não estão mortas porque nunca estiveram vivas. Não fazem nada, mas podem fazer-lhes tudo. “Só pedimos aos clientes para não acabarem nos cabelos delas. De resto...”, diz Sergi.
Na mesa de cabeceira, há um frapê com Möet & Chandon e dois copos de plástico – vêm sempre dois quando um cliente pede uma garrafa. Ajuda a manter a ilusão.
Fonte: http://visao.sapo.pt
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