Agressores queriam humilhar sua vítima, mas reavivaram debate, recorrente no país árabe, sobre endurecimento de leis. Para ativista, problema central é o temor do Estado diante de uma sociedade esclarecida e pensante.
Protesto a violência sexual contra mulheres nas ruas do Marrocos (17/03/2012)
Uma adolescente de uniforme escolar está caída na rua, grita e se defende com todas as forças. Sobre o peito dela, em pleno dia, está ajoelhado um jovem adulto, que lhe arranca a calça com violência e a toca no traseiro e na região genital.
O vídeo de 50 segundos de duração, filmado por um amigo do agressor, mostra um ataque sexual ocorrido em meados de janeiro, ao norte de Marrakesh, segundo a mídia marroquina.
O ato só veio a público nesta quarta-feira (28/03), quando o estuprador e seu amigo publicaram o vídeo na internet, a fim de humilhar a menina de 16 anos que não cedera a suas tentativas de chantagem. Ela, por sua vez, ocultara a agressão por mais de dois meses, até mesmo da própria família.
Reações divididas
Nos últimos dois dias, o vídeo vem se difundindo rapidamente nas redes sociais, provocando indignação. No Twitter e Facebook criou-se até mesmo o hashtag #mas_você_não_tem_irmã (em tradução livre do árabe), citando uma das súplicas da vítima.
As reações dos usuários das mídias em idioma árabe têm se mostrado ambivalentes. Parte deles se supera em exigir punições cada vez mais duras para estupradores, ou dá conselhos às mulheres sobre como se defenderem de um agressor.
(Tradução: Assim você se defende, se for assediada sexualmente)
Enquanto outros atribuem a culpa às jovens, acusando-as de liberalidade excessiva.
(Tradução: Com base nas minhas observações, acho que as garotas são a razão principal desses atos: elas se maquiam e vestem roupas leves e se dão com os rapazes como se eles fossem os maridos delas. O que é que elas estão esperando, então? Que eles lhes deem um beijo na cabeça e as respeitem como suas mães?)
Estado e sociedade na berlinda
Embora o teor básico das numerosas reações é que Estado e sociedade não interferem o suficiente no combate à violência sexual, fato é que, por diversas vezes, o governo do Marrocos já reagiu à forte pressão da opinião pública após incidentes de agressão – no caso atual, os dois suspeitos já foram presos.
Quando, em 2013, o rei Mohamed 4º perdoou o pedófilo condenado Daniel Galvan Viña, os protestos na mídia social e nas ruas foram tão veementes, que ele se viu forçado a retirar o indulto e visitar as famílias das vítimas – um fato inédito na história da monarquia marroquina.
Outras ocorrências – como o suicídio de uma garota de 17 anos em 2016, após a libertação de seus oito estupradores; ou a divulgação de um vídeo mostrando a violentação de uma jovem portadora de deficiência, num ônibus, em meados de 2017 – provocaram clamor público pelo endurecimento das leis sobre a violência sexual.
O resultado mais recente dessa onda de protestos veio em fevereiro, quando, após longos debates, o Parlamento aprovou uma nova lei que prevê penas de um mês a cinco anos de prisão e multas de até mil euros para todo ato motivado por discriminação sexual e que resulte em danos físicos, psíquicos, sexuais ou econômicos para mulheres.
"Poderosos temem uma sociedade esclarecida e crítica"
Contudo, a lei que deverá entrar em vigor em setembro próximo vem sendo alvo de críticas de organizações de direitos civis locais e internacionais, por não proporcionar às mulheres suficiente proteção durante um processo em andamento; além de não definir violência doméstica e conjugal com a clareza necessária.
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A ativista e portadora do prêmio pelos direitos humanos das Nações Unidas Khadija Ryadi concorda com essa avaliação, mas para ela a raiz do mal é outra: "As reações rápidas do Estado visam, sobretudo, aplacar a ira pública. Na realidade falta vontade política para alcançar uma solução verdadeira."
Em sua opinião, não se pode combater a violência sexual apenas com penas rigorosas – se é que elas sequer chegam a ser aplicadas. Mais necessário é uma sociedade culta e esclarecida, e uma escola que leve a sério sua missão educativa.
"Mas é justamente isso o que os dirigentes impedem, desde aos anos 1980, porque têm medo de uma esfera pública crítica, culta e autoconfiante, capaz de desafiar o poder ilegítimo deles", denuncia a ex-presidente da Organização de Direitos Humanos do Marrocos.
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