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quarta-feira, 4 de maio de 2022

Múltiplos vícios de inconstitucionalidade no decreto de indulto de Bolsonaro


Por 


Só posso apoiar e concordar, integralmente, com o que a comunidade jurídica tem dito e enfatizado por intermédio de juristas eminentes, em manifestações agora reforçadas pelo brilhante e primoroso parecer do professor Lenio Streck, relator da matéria na Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Federal, que se pronunciou, com substanciosa (e inatacável) fundamentação, pela inconstitucionalidade do decreto de indulto individual (ou de graça em sentido estrito) editado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Nesse ato presidencial, vislumbram-se múltiplos vícios de inconstitucionalidade, como ofensas patentes aos princípios da impessoalidade, da separação de poderes, da moralidade, da proteção penal insuficiente (dimensão negativa do postulado da proporcionalidade), tudo a por em evidência o claro (e censurável) desvio de finalidade que contamina e transgride o coeficiente de validade desse decreto juridicamente imprestável!!! 

Não se pode desconhecer que o desvio de finalidade qualifica-se como vício gravíssimo apto a contaminar a validade jurídica do ato estatal, mesmo quando fundado no poder discricionário do agente público (no caso, o presidente da República), inquinando-o de nulidade, tal como adverte o magistério de eminentes doutrinadores (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 176, item n. 1.2.2, 42a ed., 2016, Malheiros; FERNANDA MARINELA, "Direito Administrativo", p. 341/342, item n. 3.5, 10a ed., 2016, Impetus; MÁRCIO PESTANA, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 273, item n. 9.4.5, 2a ed., 2010, Campus Jurídico; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo”, p. 203/204, item n. 5.1.4, 9a ed., 2008, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "Direito Administrativo", p. 216/217, item n. 7.7.4, 25a ed., 2012, Atlas; MARÇAL JUSTEN FILHO, "Curso de Direito Administrativo", p. 431/434, item n. 7.15.4.5, 11a ed., 2015, RT; EDIMUR FERREIRA DE FARIA, "Curso de Direito Administrativo Positivo", p. 263/264, item n. 7.4, 6a ed., 2007, DelRey; DIOGENES GASPARINI, "Direito Administrativo", p. 44/45, item nº 4, 1989, Saraiva; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", p. 410, item n. 46, 29a ed., 2012, Malheiros; RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO, "Curso de Direito Administrativo: Parte geral, Intervenção do Estado e Estrutura da Administração", p. 383/389, item n. 2.5, 2008, JusPODIVM, v.g.).

A configuração desse grave vício jurídico, que recai sobre um dos elementos constitutivos do ato administrativo, pressupõe a intenção deliberada, por parte do administrador público, de atingir objetivo vedado pela ordem jurídica ou divorciado do interesse público, tal como tive o ensejo de advertir em decisão proferida no Supremo Tribunal Federal, apoiando-me, para tanto, em importante magistério doutrinário (JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, "Manual de Direito Administrativo", p. 118/119, item n. 5, 25a. ed. 2012, Atlas. v.g.).

A prática desviante de conduta ilegítima, como essa em que Bolsonaro incidiu, revela-se, no caso desse inconstitucional decreto presidencial, pela prova inequívoca de que o Chefe de Estado, não obstante editando ato revestido de aparente legalidade, valeu-se desse comportamento político-administrativo para perseguir e realizar fins completamente desvinculados do interesse público! Advirta-se, finalmente, que, mesmo atos de perfil discricionário, estão sujeitos ao controle jurisdicional quanto à sua legitimidade constitucional.

O antijudiciarismo que nega a possibilidade de fiscalização jurisdicional dos atos em geral, inclusive os de natureza estatal, nada mais reflete senão típica característica de regimes autocráticos, que temem o controle de seu comportamento por juízes e Tribunais independentes! A inafastabilidade do judicial review constitui, como lembra o saudoso publicista espanhol García de Enterría, "o parágrafo régio do Estado de Direito" fundado em bases eminentemente democráticas!

É plena (e legítima) a sindicabilidade jurisdicional de qualquer ato estatal, ainda que discricionário e impregnado de índole política, se houver incidido em transgressão à ordem constitucional! Essa orientação, além de antiga e correta, traduz posição consagrada pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, como o revela julgado da nossa Corte Suprema proferido no final do governo do Marechal Hermes da Fonseca, ocasião em que o STF, em 23 de maio de 1914, assim se pronunciou: "(….) Desde que uma questão [de governo ou de natureza política — observação minha] está subordinada a textos expressos na Constituição, deixa de ser questão exclusivamente política" e, em consequência, expõe-se ao controle do Poder Judiciário!!!"


Celso de Mello é ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (1997-1999).

Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2022, 7h44

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