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sábado, 21 de maio de 2022

Monkeypox: “Dizer que este é um vírus que infeta preferencialmente homossexuais é um perfeito disparate”



 
Lesões por Monkeypox

Portugal e Reino Unido registaram, desde o início de maio, um total de 21 casos confirmados de infeção humana por vírus monkeypox. Os especialistas explicam o que é, que sintomas dá e por que razão não devemos acreditar que ser homem homossexual seja um fator de risco para a infeção


VISÃO Saúde 19.05.2022 às 19h19



A infeção humana por vírus monkeypox, parente da varíola que, tal como o nome indica, foi identificado pela primeira vez em macacos, em 1958, era uma total desconhecida para a maioria dos europeus até há bem pouco tempo.

Principalmente restrito à África Ocidental e Central, o vírus surgiu entre os humanos nos anos 70, quando já existia uma vacina contra a varíola humana, que também protegia, parcialmente, contra o monkeypox.

Talvez por esta razão, e pela dificuldade com que se transmite entre humanos, o número de casos existentes em todo o mundo nunca foi muito elevado. Ao contrário da varíola, associada a altas taxas de transmissão e uma elevada mortalidade (30%), o virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Celso Cunha, indica que este é um vírus que não se transmite tão facilmente e tem uma mortalidade “muito mais baixa”.

Porém, como tudo o que é novo, ou pouco habitual, assusta. Basta recordar a recente pandemia por SARS-CoV-2 ou, há mais de 40 anos, os primeiros casos registados de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). O facto é que, tanto no Reino Unido como em Portugal, países onde foram registados respetivamente, até à data, sete e 14 casos confirmados, o medo e preconceito parecem ter falado mais alto que a ciência.

Alguns dos casos confirmados em ambos os países foram observados em homens que mantém relações sexuais com outros homens, dando origem a declarações como as de Vítor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, que disse à CNN que este “pode ser o início de uma epidemia entre os homossexuais que eventualmente se pode alastrar toda a população”. Ou o facto de o Reino Unido ter aconselhado os homens homossexuais e bissexuais a estarem atentos ao aparecimento de erupções cutâneas ou lesões incomuns.

“Dizer que este é um vírus que infeta preferencialmente homossexuais é um perfeito disparate”, insurge-se Celso Cunha. “Nunca foi uma doença que tivesse preferência por pessoas com a orientação sexual A, B, C ou D. Tal como sabemos que a SIDA não é uma doença de homossexuais, mas de pessoas que têm determinados comportamentos de risco, tenham a orientação sexual que tiverem.”

O facto de o coronavírus ter infetado primeiro um heterossexual também não faz da doença uma doença de heterossexuaiscelso cunha – virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical

De facto, dos 14 casos confirmados em Portugal, alguns são “homens que têm sexo com outros homens, mas isso pode ser apenas uma circunstância”, afirma a infecciologista Margarida Tavares, diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e VIH. Ao que Celso Cunha acrescenta: “O facto de o coronavírus ter infetado primeiro um heterosexual também não faz da doença uma doença de heterossexuais”.

Também Margarida Tavares duvida que, “se alguém com lesões provocadas pela infeção pelo vírus monkeypox tiver um contacto íntimo e prolongado com uma mulher não o transmita”.

A médica sublinha que o facto de alguns dos infetados serem homens homossexuais não constitui um fator de risco, mas “uma circunstância, na melhor das hipóteses. Já houve muitos outros surtos, noutros países, e sabemos que uma mulher exposta da mesma forma também é contagiada”.


Já houve muitos outros surtos, noutros países, e sabemos que uma mulher exposta da mesma forma também é contagiadamargarida tavares – diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e VIH

Mais, ambos os especialistas referem que, até hoje, esta doença nem sequer tinha sido considerada uma infeção sexualmente transmissível e que, apesar da importância da utilização de preservativo em relações sexuais com parceiros não habituais, neste caso, a sua utilização, por si só, não evita a transmissão.


Como evitar a transmissão?

“A longa história da transmissão desta doença em humanos mostra-nos que se transmite por contacto com lesões cutâneas nas mais diversas fases da sua evolução ou com objetos contaminados com a pele dessas pessoas, nomeadamente roupa de cama, roupa de banho, a própria roupa”, afirma Margarida Tavares.

Tal acontece porque as ”bolhinhas” que surgem na pele têm dentro de si um líquido com partículas virais infecciosas. Quando o infetado coça as lesões e liberta o líquido, este poderá contagiar quem nele toca.

Precisamente por esta razão, Celso Cunha alerta para o facto de o ambiente mais provável de contágio serem os agregados familiares, pessoas que vivem na mesma casa e, inevitavelmente, convivem prolongadamente, partilhando talheres, loiça, lençóis ou toalhas.

Não é como o SARS-CoV-2, não vamos para um café, alguém tosse a transmite a doença

CELSO CUNHA – VIROLOGISTA DO INSTITUTO DE HIGIENE E MEDICINA TROPICAL

Outra forma clássica de transmissão, acrescentam os especialistas, é através de gotículas respiratórias. “Não é uma transmissão fácil, é preciso um contacto muito próximo e face a face”, descansa Margarida Tavares. Ou seja, como sublinha Celso Cunha, “não é como o SARS-CoV-2, não vamos para um café, alguém tosse a transmite a doença”.

Ainda assim, neste momento, a forma de evitar a transmissão é evitar o contacto próximo com uma pessoa confirmada ou suspeita de ter a infeção. Margarida Tavares não quer falar em isolamento de infetados, mas aconselha que os mesmos se abstenham de todo o contacto próximo e prolongado com outras pessoas.

Quais são os principais sintomas?

Os primeiros sintomas são “absolutamente inespecíficos”, nas palavras de Celso Cunha, e vão da febre às cefaleias, cansaço ou aumento dos gânglios linfáticos, podendo depois surgir lesões na pele.

Estas lesões, diz Margarida Tavares, podem ser mais discretas ou expandir-se. “Nas formas clássicas, começam na face e, depois, podem atingir o tronco, os membros e, inclusivamente, as palmas das mãos e plantas dos pés”. Nos casos que têm aparecido em Portugal, estão a ser também observadas lesões ao nível das mucosas, nomeadamente mucosas na região genital.

Como acontece em muitas outras infeções víricas, a médica refere que, em certos casos, podem exisitr complicações, desde infeções locais das lesões cutâneas até pneumonias. “Mas não é de esperar que seja essa a forma habitual. São complicações raras”.

Com um período de incubação que pode ir de seis a 21 dias, durante o qual os infetados estão contagiosos mesmo que não apresentem lesões cutâneas, não há nenhum tipo de tratamento especifico aprovado para esta situação. “Nos casos ligeiros trata-se a febre ou a dor, mas não há mais nenhum tipo de tratamento a fazer”, indica Margarida Tavares.
De onde vêm estes surtos?

Não se sabe. Este vírus, identificado em humanos, pela primeira vez, nos anos 70, transmite-se, normalmente, quando há uma mordedura de um roedor num humano, “sobretudo alguns ratos e esquilos em África”, explica Celso Cunha.

O virologista revela que a maioria dos casos que têm surgido na Europa e nos Estados Unidos, ao longo dos anos, foram importados, nomeadamente da Nigéria ou do Congo. No que respeita os 14 casos confirmados em Portugal, por agora, existem muito poucos dados e, como sublinha Margarida Tavares, “ainda não foi feito um inquérito epidemiológico a estas pessoas”.

Assim, “apesar de, nos primeiros casos, não parecer ter havido viagens a África”, ainda não se sabe quem foi o paciente zero nem onde é que este apanhou o vírus.

Apesar de, nos primeiros casos que surgiram em Portugal, não parecer ter havido viagens a África, ainda não se sabe quem foi o paciente zero nem onde é que este apanhou o vírus.

Outra coisa que os especialistas também não conseguem dizer já é se estas pessoas constituem uma única ou várias cadeias de contacto. “As suspeitas surgiram em diferentes locais, não apareceram todos no mesmo sítio, não se perguntou a todas as pessoas as mesmas coisas. As amostras foram enviadas naturalmente e agora é que estamos a tentar reunir a informação”, explica Margarida Tavares.

Segundo Celso Cunha, estes surtos podem também estar a surgir devido ao facto de a maioria das pessoas mais jovens ter nascido após a varíola ter sido declarada como doença erradicada pela Organização Mundial de Saúde.

“A vacina da varíola, em parte, também protegia para este vírus. As pessoas nascidas depois da erradicação da doença já não foram vacinadas, não estando imunes de qualquer forma, quer à varíola propriamente dita quer à monkeypox”.

De facto, entre os casos confirmados e os casos suspeitos que se conhecem, até agora em Portugal, as pessoas afetadas são homens jovens, entre os 20 e os 40 anos.

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